Schäuble, a floresta e a árvore
As críticas do ministro das Finanças alemão são um reflexo do que é a integração europeia. Convém, além disso, responder à substância das críticas de Schäuble, porque os mercados concordam com ele.
Wolfgang Schäuble afirmou que Portugal estava no bom caminho… até às eleições, à entrada do Governo de António Costa e às reversões de política seguida até então por Pedro Passos Coelho.
Não é a primeira vez que o ministro alemão das Finanças comenta a situação económica e financeira, e política, de Portugal. Ainda há alguns meses, suscitou a possibilidade de o país precisar de um segundo resgate. Desta vez, não foi tão longe. Assumiu uma discordância frontal com as políticas seguidas, mesmo quando o Governo anuncia que vai cumprir as metas do défice imposto pelo Tratado Orçamental.
Não deixa de ser irónico que estas críticas sejam, ao mesmo tempo, uma pressão externa sobre o país e uma ajuda preciosa ao primeiro-ministro no debate político interno. Mas isto não é o mais relevante.
Sim, não estamos preparados para ouvir um ministro das Finanças de um país terceiro a avaliar as políticas internas, mas isso confirma que também não estamos preparados para estar numa zona monetária única e numa união económica. Já sabíamos isso ao analisar os números da economia, a nossa dificuldade em acompanhar as exigências de um tratado orçamental e de uma moeda única, mas a reação epidérmica – e a roçar o nacionalismo – às declarações de Schäuble mostra, também, que ainda não estamos culturalmente preparados para essa nova realidade.
Não deixa de ser estranho, tendo em conta que historicamente, os portugueses estiverem maioritariamente ao lado da integração europeia, mesmo em momentos mais difíceis. Daqui à integração e à perda de soberania, vão ainda vários passos.
As afirmações de Schäuble são o resultado de várias coisas, umas menos boas, não sejamos ingénuos. Está a fazer política, a dizer à Europa o que pensa a Alemanha hoje de Portugal. Está a impor, ou a tentar impor, uma agenda. Está também a criar diversões, sim, para problemas internos no setor financeiro que são sistémicos ao nível da zona euro. Mas está também a refletir o que é hoje uma integração europeia e partilha de soberania política e económica.
Quando um país como Portugal está tão dependente das compras do BCE para manter-se à tona da água, está na verdade dependente de ministros europeus e, particularmente, de Wolfgang Schäuble. Quando as compras de obrigações por parte do BCE valem cerca de dois pontos nos juros das obrigações a dez anos, quando permitem que Portugal se financie a taxas na casa dos 3% e não a 5,5% ou 6%, Portugal depende da avaliação política de governos terceiros e dos cidadãos desses países. Como é evidente, sobretudo da Alemanha, o principal financiador europeu.
Esta é a floresta, sim. Mas há ainda a árvore, leia-se, a efetiva situação económica e financeira de Portugal. Podemos sempre responder a Schäuble… sem responder. É um mau caminho. Se analisarmos a evolução dos spreads de Portugal e da Alemanha, verificamos que os investidores também alinham na tese do ministro alemão das Finanças. O diferencial face à Alemanha está em torno dos 350 pontos base, quando há um ano estava abaixo dos 200 pontos.
A proposta de Orçamento do Estado para 2017 responde às críticas do ministro alemão das Finanças? Não. Vê-se engenharia contabilística, a austeridade a mudar de sítio, isto é, de grupos e classes sociais atingidas, nem sempre da forma mais equitativa, não se vê mais competitividade, mais economia, mais crescimento.
Se as contas de 2016 fecharem mesmo abaixo dos 3%, não se perde tudo. Mas estamos neste ponto, um país financeiro e político quase eufórico com a decisão da DBRS de não baixar o rating de Portugal, porque ninguém admite como viável a possibilidade das outras agências reverem em alta a notação da República.
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