NB: ainda a pagar a resolução

Como é que o conjunto pré-identificado de activos não produtivos do NB passou de uma avaliação de 7,9 mil milhões de euros (pré-venda) para 5,4 mil milhões em Dezembro passado?

Esta semana, a propósito dos resultados de 2017 do Novo Banco (NB), tive oportunidade de recuperar um texto antigo que havia escrito em Setembro de 2014, poucas semanas depois da resolução do BES. Nesse texto, intitulado “Asas à imaginação”, que foi publicado no Diário Económico de 24/09/2014, propus uma alternativa ao rumo que desde então tomou conta dos acontecimentos no NB. A ideia consistia em substituir o empréstimo que, poucas semanas antes, o Tesouro havia feito ao Fundo de Resolução (FdR) através de um outro empréstimo, este de natureza obrigacionista, de médio e longo prazo, convertível em capital e que fosse subscrito pelos bancos contribuintes do FdR. Conceptualmente, a proposta apresentava várias vantagens. Primeiro, evitar-se-ia uma venda à pressa do NB. Segundo, reduzir-se-ia o custo efectivo da operação. Terceiro, permitir-se-ia o acompanhamento da venda por parte dos obrigacionistas. E, quarto, afastar-se-ia de cena o Tesouro, evitando o recurso a dívida pública. Debalde. A ideia não teve qualquer tipo de repercussão pública.

À época, todos os bancos em Portugal viviam em dificuldade. Até os bancos privados que acabariam por dar lucro ao Estado, isto é, que reembolsaram os empréstimos subordinados (“cocos”) acrescidos de juros elevadíssimos, estavam mergulhados em problemas que só mais tarde viriam a ultrapassar. Deste modo, entre as poucas pessoas que, por amizade ou simpatia, me devolveram “feedback” ao artigo, o cepticismo residia na alegada incapacidade de os bancos do sistema, àquela data, conseguirem reunir fundos que permitissem a subscrição de uma emissão obrigacionista de 3,9 mil milhões de euros (o montante que o Tesouro havia emprestado ao FdR). É certo que, naquele mesmo artigo de opinião, eu também propus que talvez se pudesse negociar junto do BCE uma abertura que permitisse tornar a emissão obrigacionista elegível para operações de refinanciamento (e a verdade é que desde então os critérios do BCE para operações de refinanciamento tornaram-se bastante mais abrangentes). E, mais ainda, também propunha que, por via da possibilidade de conversão da dívida em capital, as próprias contribuições anuais dos bancos ao FdR se fizessem por acerto de contas (entre dívida convertida em capital e as ditas contribuições anuais), reduzindo a mobilização de liquidez para o efeito. Foi um esforço argumentativo interessante, mas inglório.

Lembrei-me de tudo isto ao ler sobre os últimos resultados do Novo Banco, em particular, sobre a activação do mecanismo de capitalização contingente em cerca de 800 milhões de euros. Ora, depois da injecção inicial de 4,9 mil milhões de euros em 2014 (dos quais 3,9 mil milhões a partir do FdR), e dos 2 mil milhões de euros de passivos que foram coercivamente “retransmitidos” (!) pelo Banco de Portugal para o BES mau em 2015, temos agora a utilização do mecanismo de capitalização contingente, para já em 800 milhões, mas até um montante máximo de 3,9 mil milhões de euros. Contas feitas, a factura total poderá ascender a dez mil milhões de euros, dependendo do grau de utilização do mecanismo contingente e das decisões finais nos processos judiciais em curso. Além disso, se no início do processo se considerava que o custo da resolução seria pago pelos bancos do sistema, que teoricamente deveriam financiar na íntegra o FdR, a partir do momento em que o reembolso do FdR ao Tesouro foi atirado para as calendas o custo da resolução passou efectivamente a ser do Estado (certamente em 50%, atendendo ao valor actualizado líquido que resultou do adiamento para o ano de 2046). O FdR, depois da venda ao Lone Star, permanece detentor de 25% do NB. Que esses 25% sejam bem valorizados pelo Lone Star para reduzir ao prejuízo.

Regressando aos últimos resultados do NB, a primeira pergunta que se me afigura fazer é a seguinte: como é que o conjunto pré-identificado de activos não produtivos do NB, que espoletou agora a activação do mecanismo de capitalização contingente, passou de uma avaliação de 7,9 mil milhões de euros (pré-venda) para 5,4 mil milhões em Dezembro passado? Quanto à segunda pergunta, é de resposta ainda mais directa: quanto valem efectivamente aqueles 5,4 mil milhões de euros de activos não produtivos que ficaram no balanço? A resposta à primeira pergunta deverá ser dada pelo conselho directivo do FdR que, no âmbito do acordo de venda ao Lone Star, é quem ficou responsável pelo mecanismo contingente associado àquele perímetro de activos. Já a resposta à segunda pergunta dar-nos-á evidência da probabilidade de se esgotar (ou não) o montante previsto no referido mecanismo. A este respeito, é de recordar uma apresentação do presidente da EBA (“European Banking Authority”) de há cerca de um ano (“The EU banking sector – risks and recovery”, de 29/01/2017). Nessa apresentação, estimava-se que o valor de mercado dos activos não produtivos (NPLs) da banca europeia fosse de 20% do valor nominal. Assim, à pergunta “quanto vale o perímetro pré-identificado de activos não produtivos do NB?” a resposta provavelmente seria: 20% do valor nominal, ou seja, 1,6 mil milhões de euros. Ora, de 5,4 a 1,6 mil milhões de euros (ainda) vai uma diferença de 3,8 mil milhões. Porém, depois dos 800 milhões que serão gastos em 2018, já só ficam a sobrar 3,1 mil milhões.

Enfim, a utilização do mecanismo de capitalização contingente até ao máximo de 3,9 mil milhões de euros dependerá do reconhecimento de imparidades e da evolução corrente do banco que ditará a evolução dos rácios de capital. Mas a reestruturação afigura-se ainda longa, a avaliar pelo número de funcionários e de balcões que a gestão do banco propõe como objectivos de médio prazo (menos 10 e 20%, respectivamente, face aos números do final de 2017). E, entretanto, o banco mudará de mãos. Esperemos apenas que essa mudança de mãos não sirva para aumentar a já enormíssima concentração bancária em Portugal. De resto, é uma pena que não tivesse sido possível pensar numa solução cooperante e colaborativa como aquela que em tempos sugeri. Estou persuadido de que teria permitido uma venda faseada e alongada no tempo (em bloco ou peça a peça), teria permitido o envolvimento dos principais interessados (os outros bancos do sistema) numa venda tão boa quanto possível, e teria afastado de cena a utilização de dívida pública (que, quiçá, teria sido substituída por uma garantia do Estado; apesar de tudo, um instrumento diferente e gerador de receita pública). Talvez tivesse até contribuído para reduzir a concentração bancária, dando oportunidade preferencial aos bancos mais pequenos na absorção de áreas ou negócios do antigo BES. Já a nacionalização, que tantos outros defenderam como alternativa à resolução, provavelmente teria resultado no mesmo que a resolução. É ver o que aconteceu com a nacionalização do BPN, onde, num banco muito mais pequeno que o BES, já se perderam 4 mil milhões de euros.

Em suma, a ideia da “auto-regulação” do sector bancário, associada à resolução bancária suportada pelos bancos do sistema, é bondosa porque reduz o incentivo ao chamado “too big to fail”. Mas, tendo tido como cobaia um banco de grande dimensão, e tendo ostracizado os restantes bancos do sistema, o modelo de resolução falhou catastroficamente. Que sirva de reflexão. Em Portugal e na Europa.

Nota: O autor escreve segundo a antiga ortografia

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