Escalada do preço das casas põe valor dos novos créditos em recorde
O montante médio em dívida nos novos contratos de crédito à habitação ascendia, em março, a cerca de 96,3 mil euros. É o valor mais elevado no histórico de quase uma década.
Quem quer casa, muitas vezes quer crédito… mas também cada vez mais dinheiro. O valor médio dos novos empréstimos à habitação pedidos à banca pelas famílias está cada vez mais perto dos 100 mil euros, um patamar nunca antes atingido. A escalada dos preços dos imóveis justifica, em grande parte, este fenómeno ao qual não será indiferente também a apetência da banca pela concessão destes financiamentos numa altura de maior confiança dos portugueses na economia.
Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE) mostram que o valor médio do capital em dívida dos novos contratos de crédito à habitação — ou seja, celebrados nos últimos três meses — ascendeu a 96.297 euros, em março. Trata-se do montante mais elevado desde, pelo menos, janeiro de 2009, período imediatamente anterior ao início da crise que acabaria por levar Portugal para o resgate.
Este valor corresponde quase ao dobro do capital que, em média, é devido à banca pelo universo total dos contratos de crédito à habitação existentes em Portugal. Em março, este ascendia a 51.770 euros. Tem-se mantido quase inalterado, com o crescente ritmo de amortização dos créditos mais antigos a ser compensado pelos elevados montantes cedidos pelos bancos nos contratos mais recentes.
Em termos práticos, aquilo que os dados do INE mostram é que as famílias portuguesas estão a pedir cada vez mais dinheiro aos bancos quando querem comprar uma casa. Grande parte da responsabilidade por esta realidade está, segundo os especialistas, na escalada dos preços do imobiliário no mercado nacional.
"Comparando os dados da evolução do crédito novo com o do índice de preços à habitação, percebe-se uma correlação quase perfeita.”
“O principal fator que explica a evolução dos dados é a subida dos preços das habitações, diz precisamente Filipe Garcia, economista-chefe da IMF. Opinião partilhada por Nuno Rico, economista da Deco que diz que “a subida dos preços do imobiliário faz com que as famílias recorram a valores de crédito cada vez mais altos“.
“Comparando os dados da evolução do crédito novo com o do índice de preços à habitação, percebe-se uma correlação quase perfeita“, acrescenta aliás Filipe Garcia para sustentar a sua conclusão.
Capital em dívida em máximos da década
Fonte: INE
De facto, basta colocar lado a lado os gráficos que mostram a evolução do capital em dívida dos novos empréstimos para a compra de casa ao lado do índice que mostra a evolução dos preços das casas no período comparável para constatar essa “coincidência” (ver gráficos).
O preço das casas em Portugal está também em máximos de pelo menos 2009, em linha com o que acontece com o capital médio em dívida, sendo que só no último ano a subida dos preços foi de 10,5%, a segunda maior da Zona Euro.
Evolução dos preços das casas
Mas a estas duas tendências não se pode dissociar uma outra: a abertura da torneira do crédito por parte dos bancos, em termos gerais, com estes a mostrarem-se mais disponíveis a “abrir mais os cordões à bolsa” em cada operação que financiam. Filipe Garcia explica que os bancos estão “a aprovar créditos por uma percentagem maior em relação à avaliação“. No período da crise, dificilmente os bancos financiavam mais de 50%/60% do valor da avaliação do imóvel. Hoje, já é possível ver operações financiadas em 100% em alguns casos.
As próprias avaliações dos imóveis para efeitos de concessão de crédito à habitação — que estão em máximos de 2010 — atestam essa realidade. “Temos um aumento das avaliações e preços e um aumento da percentagem do montante das transações que os bancos aprovam”, diz Filipe Garcia para explicar todo o cenário que suporta o aumento do valor dos financiamentos das casas.
Uma ameaça ao virar da esquina?
De acordo com os especialistas, todo este contexto representa uma ameaça para as famílias portuguesas. “Os bancos estão a voltar a assumir risco relacionado com o crédito à habitação, que poderá registar um aumento nos incumprimentos quando as taxas de juro voltarem a subir ou houver uma recessão”, salienta o economista da IMF, acrescentando que “para os compradores, é um sinal de alerta porque significa que as prestações são, em média, mais altas e podem levar a situações de dificuldades quando as taxas de juro subirem“. Isto apesar de considerar que os “bancos parecem estar a ser mais prudentes”.
Também a Deco revela a sua preocupação, com Nuno Rico a destacar sobretudo dois tipos de riscos. “Em primeiro lugar, o montante da dívida em si, já que estamos a falar de valores bastante significativos e que estão a aumentar. Um segundo fator, interligado com isso, tem a ver com a taxa de juro que nos contratos realizados nos últimos três meses é bastante superior à do stock de dívida“, contextualiza, acrescentando que, perante este contexto, uma pequena alteração dos indexantes que possa vir a acontecer no futuro pode trazer “dificuldades muito significativas” para as famílias.
“Não só estão a contratar montantes elevados de crédito, como a taxas de juro superiores, e apesar de ter havido uma recuperação de rendimentos nos últimos anos não é equiparável à subida dos preços do imobiliário”, justifica o economista da associação de consumidores.
Tudo isto acontece num cenário em que, apesar de ainda não terem recuperado na totalidade os seus rendimentos anteriores à crise, as famílias portuguesas mostram-se mais confiantes relativamente ao rumo da economia e em assumir compromissos financeiros, nomeadamente com a banca. De salientar que o PIB português apresentou no ano passado a taxa de crescimento mais elevada do século.
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