Bruxelas quer desviar fundos para países do sul. Portugal vai ganhar?

O Financial Times revelou um draft da proposta da Comissão para as perspetivas financeiras de 2021-2027. O ECO falou com alguns eurodeputados para perceber as consequências para Portugal.

A Comissão Europeia prepara-se para rever drasticamente a forma como distribui os fundos de coesão. De acordo com um draft da proposta sobre as perspetivas financeiras, que a Comissão Europeia vai apresentar a 2 de maio, Bruxelas pretende desviar dezenas de milhares de milhões de euros de fundos estruturais da Europa Central e de Leste para os países mais duramente afetados pela crise financeira, o que poderá beneficiar economias como Espanha e Grécia, revela esta segunda-feira o Financial Times (acesso pago/conteúdo em inglês).

O reforço de verbas para os países mais afetados pela crise seria feito à custa de outros como a Polónia — que tem presentemente o maior envelope financeiro de todos os países beneficiários líquidos dos fundos estruturais –, Hungria e República Checa. A mudança, que poderia tornar as negociações para o orçamento comunitário 2021-2027 nas mais difíceis dos últimos 30 anos, será feita com base numa alteração fundamental: não distribuir o dinheiro da Coesão apenas com base no PIB per capita, mas antes usando um critério mais latos que cubram, por exemplo, desemprego jovem, educação, ambiente para as migrações, e inovação.

O que é que isto significa para Portugal? Depende. “Portugal deve bater-se para que o PIB per capita seja o principal critério utilizado na atribuição dos fundos e depois analisar a ponderação dos outros critérios para que não perca verbas do atual envelope financeiro de 25 mil milhões de euros”, sublinhou ao ECO o eurodeputado José Manuel Fernandes, o único português que integra o grupo do Parlamento Europeu que vai negociar o próximo orçamento comunitário para 2021-2027 e os recursos próprios da União Europeia.

Portugal deve bater-se para que o PIB per capita seja o principal critério utilizado na atribuição dos fundos e depois analisar a ponderação dos outros critérios para que não perca verbas do atual envelope financeiro.

José Manuel Fernandes

Eurodeputado PSD

Isto é, se o desemprego jovem tiver um peso elevado na ponderação dos fundos a atribuir, Portugal beneficiará, tal como Espanha, Grécia e Itália, isto porque a média anual da taxa de desemprego jovem em Portugal foi, em 2017, de 23,9%. Mas se o critério for o da densidade populacional, haverá muitas regiões europeias mais desertificadas do que as portuguesas.

Não foi inocente o facto de o acordo entre o Governo e o PSD, para que o país se batesse em Bruxelas com uma posição reforçada, tivesse claramente definido que “o PIB per capita deve continuar a ser o principal parâmetro para a definição e afetação dos envelopes nacionais e regionais”. Aliás, questionado pelo ECO sobre se o impacto que esta proposta de Bruxelas poderia ter para Portugal, fonte oficial do Ministério do Planeamento e Infraestruturas remeteu para este ponto do acordo, “por ser o mais estável e por permitir adequar, da melhor forma, a intensidade de apoio ao nível de desenvolvimento dos países e das regiões”, sem querer nem mais uma vírgula ao comentário.

O eurodeputado Carlos Zorrinho defende, em declarações ao ECO, que “os fundos de coesão continuem a ser atribuídos às regiões que deles necessitam” e que o envelope financeiro “não deve ser reduzido”. Para o eurodeputado socialista há dois pressupostos que é fundamental cumprir: “não reduzir o financiamento à coesão, nem aplicar nenhuma condicionalidade arbitrária”.

O processo de negociação está em pleno e o resultado final depende desse processo de negociação. Acredito que Portugal não vai perder fundos.

Carlos Zorrinho

Eurodeputado PS

A Comissão quer ainda fazer depender a atribuição dos fundos da capacidade de acolhimento dos refugiados. Portugal sempre se insurgiu contra sanções ou a utilização dos fundos como condicionalidade negativa. Mas, na prática, a Comissão poderá estar a contornar a questão obrigando a que os países apresentem despesas com a integração de refugiados para receber apoios comunitários. Uma opção que beneficiaria países como a Alemanha ou a Suécia, destino final de muitos refugiados, mas também Grécia e Itália, países cujas costas são porta de entrada da maior parte dos refugiados.

“É um prémio positivo para quem cumpre”, sublinha Paulo Rangel, ao ECO. “É uma reversão da lógica sancionatória”, acrescentou o eurodeputado social-democrata.

De acordo com o Financial Times, a Comissão, para além de rever a política de distribuição de fundos, também está a reforçar as condições de elegibilidade, incluindo o cumprimento do Estado de Direito e dos padrões democráticos, e a incluir mais restrições à forma como o dinheiro pode ser utilizado. Opção particularmente preocupante para Varsóvia e Budapeste. “Concordo que o cumprimento do Estado de Direito deva ser condição fundamental de acesso aos fundos”, disse Paulo Rangel, reconhecendo que são “cláusulas mais políticas” e que vão “gerar grande controvérsia”. Mas a falta de liberdade de expressão e até o assassinato de jornalistas em países como Polónia, Hungria, República Checa, Eslováquia, Roménia e Malta não devem passar incólumes, defende.

Concordo que o cumprimento do Estado de Direito deva ser condição fundamental de acesso aos fundos.

Paulo Rangel

Eurodeputado PSD

Os detalhes ainda estão a ser negociados nos bastidores, mas diplomatas e técnicos ouvidos pelo FT apontam para um resultado favorável a Itália, Espanha, Grécia e algumas regiões de França.

À partida, as autoridades nacionais estavam a trabalhar com a expectativa de um eventual corte de 15%, não só devido à saída do Reino Unido da União Europeia (que implica um buraco no orçamento comunitário em torno dos 12 a 15 mil milhões de euros), mas também porque algumas regiões espanholas, como a Andaluzia, voltaram a ser elegíveis para apoios mais avultados do Fundo de Coesão (ou seja, o bolo não só arrisca ser mais pequeno, como tem de ser repartido por mais regiões). No acordo firmado com o PSD, o Governo está a apontar para um cheque de, pelo menos, 25 mil milhões de euros, um montante idêntico ao do atual quadro comunitário.

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