Pagar menos juros… com um novo resgate?

Portugal tem poucas condições para baixar os juros que está a pagar nos empréstimos europeus. Há alternativa a pagar menos juros? Há, mas é um caminho estreito.

Talvez a maior novidade dos debates do Orçamento de Estado da semana passada foi a suposta abertura anunciada pelo ministro das finanças (depois do repto do Bloco de Esquerda e do PCP) para procurar uma solução que permita reduzir os custos com os juros da divida publica. De certa forma, passou a ideia de que o ajustamento orçamental tinha atingido o limite e que mais cortes no défice só com menos despesa com juros e não através do saldo primário.

Paradoxalmente, a mesma maioria que passou grande parte do último ano a criticar as “exigências” dos credores, quer públicos quer privados, parece agora querer alguma boa vontade – a não ser que queira tomar alguma decisão unilateral.

Tendo em conta a estrutura da dívida portuguesa e os impedimentos legais, a única forma de reduzir de alguma forma material a fatura anual com juros passará ou por emitir nova divida em mercado para (continuar a) pagar antecipadamente ao FMI ou por… pedir um novo empréstimo aos parceiros europeus, para pagar antecipadamente o empréstimo do FMI!
Confuso? Aqui vai a explicação:

De acordo com o último relatório mensal do IGCP, a dívida pública de médio e longo prazo atingiu em setembro cerca de 180 mil milhões de euros e divide-se em três categorias:

  1. Obrigações do tesouro detidas por investidores privados e pelo BCE/Banco de Portugal – cerca de €112 mil milhões, ( €85 mil milhões detidos por investidores privados e cerca de €27 mil milhões detidos pelo BCE/BdP).
  2. Empréstimos europeus – EFSF (€26 mil milhões) EFSM (€24.3 mil milhões)
  3. FMI – €18.5 mil milhões

Uma decisão unilateral será sempre ilegal para qualquer um dos tipos de dívida, pelo que, tal como Mário Centeno referiu, a única hipótese será negociar com os credores. E tendo em conta que o FMI nunca altera condições, e que reduções de juros de OTs seriam sempre consideradas pelas agências de rating um evento de crédito, resta a hipótese, também referida pelo ministro de renegociar as condições dos empréstimos europeus.

Os empréstimos dos dois mecanismos europeus já foram alterados, ficando com maturidades alargadas (para cerca de 20 anos) e taxas de juro reduzidas. Portugal paga atualmente uma taxa de juro de que equivale a taxa de financiamento destes mecanismos acrescido de uma comissão de 20 pontos base (0.2%) para os custos operacionais.

Assim, Portugal paga neste momento, de acordo com a última informação publicada pelo IGCP uma taxa de 2,2% ao EFSF e de 2,7% ao EFSM, bastante abaixo do que Portugal pagaria para emitir em mercado com a mesma maturidade (cerca de 3.5%).

Fonte: IGCP e outras fontes oficiais
Fonte: IGCP e outras fontes oficiais

 

Esta taxa de juro é pois não só bastante baixa, mas também é praticamente impossível de ser reduzida. Para tal acontecer, os mecanismos europeus teriam de receber de Portugal menos do que pagam para se financiar, levando a que os restantes países da zona euro tivessem de suportar a diferença. Ou seja, uma redução dos juros destes empréstimos teria de ser financiada diretamente pelos outros países.

Para esta transferência ocorrer, todos os parlamentos/governos da zona euro teriam de concordar, e isso é algo que parece altamente improvável (senão impossível). Portanto, será que a discussão em redor da taxa de juro está condenada ao fracasso e é por isso apenas uma falsa questão para consumo interno?

Existe ainda outra hipótese, que nem é propriamente uma novidade: pagar antecipadamente os empréstimos mais caros. O empréstimo do FMI é de longe o mais caro – com um prazo de 4 anos e uma taxa de juro de mais de 4%. A taxa de juro de mercado equivalente é menos de metade – 2%. Assumindo que Portugal conseguiria trocar todo este empréstimo pelo equivalente em mercado poderia poupar por ano cerca de €400 milhões (0.2% do PIB).

Ou seja, se a ideia é reduzir os custos com juros, o governo deveria continuar a fazer o que já vinha a ser feito desde 2015 e pagar antecipadamente os empréstimos do FMI. E para isso é necessário assegurar condições de mercado que permitem a Portugal emitir divida suficiente e claro, sem subir as taxas. Algo que desde o inicio deste ano se tornou cada vez mais difícil, já que as taxas de juro têm vindo a subir e vários indicadores de liquidez do mercado de OTs se têm vido a deteriorar.

Recentemente o governo admitiu que iria adiar o pagamento antecipado de €6.6 mil milhões inicialmente esperado para este ano. A justificação foi a necessidade de injetar €2.7 mil milhões para a recapitalização da CGD e manter a “almofada de liquidez”.

Na verdade, essa será apenas parte da razão já que o governo poderia ter optado por reduzir esse pagamento em vez de o adiar totalmente. De certa forma, este adiamento (ou quem sabe cancelamento) demonstra o quanto custa na realidade a estratégia orçamental da maioria: mais despesa com juros e mais divida futura….

Pensando “fora da caixa”, existe então uma última opção. Caso as condições de mercado não permitam que Portugal emita dívida para pagar antecipadamente o montante total do empréstimo do FMI, Portugal tem sempre a hipótese de “trocar” a divida ao FMI por um empréstimo europeu (leia-se um novo programa), já que este teria sempre uma taxa de juro bem mais baixa e uma maturidade bem superior.

Portugal pouparia também por ano cerca de € 400 milhões, com a vantagem aumentar substancialmente a maturidade da sua dívida. Será esta hipótese que o governo e os partidos que o apoiam se referem quando falam em negociar com a Europa uma redução dos juros? Dificilmente…mas realisticamente é a única opção!

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