“Só a inocência e a ignorância são felizes”
Estas são opções tão tranquilizadoras quanto um médico furtar-se a dar-nos um diagnóstico para nos poupar a ansiedade. Mas devo estar enganada.
Eu tenho uma amiga que costuma dizer que a imaginação suprime a falta de informação. Lembrei-me logo dela quando li que Faria de Oliveira considera que a divulgação dos devedores à banca vai minar a confiança que se tem nesta.
Bom, não foi logo, logo, porque no imediato o que me veio à cabeça foi “mas qual confiança???”. Como bem explicou António Costa no seu editorial de segunda-feira, a reputação da banca já está comprometida. E foi o próprio sector que, com os seus erros mais ou menos consentidos (e com falhas de regulação à mistura), a isso conduziu.
É precisamente das instituições que receberam dinheiro público que se quer conhecer os grandes devedores em incumprimento. Fosse uma quebra de sigilo generalizada e sem critério e eu, zelosa defensora da privacidade, estaria no pelotão da frente da indignação. Quando se trata de perceber melhor a necessidade dos contribuintes resgatarem bancos, parece-me bem. Acho que é uma medida que aumenta a transparência.
E eu subscrevo inteiramente o sábio adágio da minha amiga: é a ignorância dos factos que, levando-nos a suposições, destrói a confiança. Aparentemente, o presidente da Associação Portuguesa de Bancos não concorda. E Teixeira dos Santos faz-lhe companhia nesta posição (o Teixeira dos Santos que preside ao EuroBic, não o que era ministro das Finanças quando, há uma dúzia de anos, a lista de devedores tributários começou a ser publicada!)
Mas esta atitude também não é novidade. Bem pelo contrário. Quando, em 2011, António Barreto sugeriu que as contas públicas fossem auditadas, para que os portugueses ficassem cientes do verdadeiro estado das finanças públicas, dos compromissos assumidos pelo Estado e do real endividamento do Estado, viu o seu apelo ficar sem resposta. A ideia chegou a ser acarinhada pelo PSD, mas a auditoria não foi além daquela que a troika realizou. Passos Coelho dizia que era preciso ter as continhas bem feitas e, no entanto, Centeno diz agora que o anterior primeiro-ministro não as fez. Compreende-se porquê: há-de ter sido, certamente, para descanso dos mercados financeiros, que andavam tão nervosos! Isso mesmo foi invocado quando PSD, CDS e PS votaram contra o projecto do Bloco de Esquerda para que se realizasse uma auditoria à dívida pública: era pouco conveniente, porque podia fomentar especulações.
Eu tenho para mim que estas são opções tão tranquilizadoras quanto um médico furtar-se a dar-nos um diagnóstico para nos poupar a ansiedade. Mas devo estar enganada e a falta de transparência é, afinal, apenas uma forma de nos proteger. É que, como dizia Fernando Pessoa, «só a inocência e a ignorância são felizes».
Nota: A autora escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.
Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.
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