Novo bolívar, uma cripto moeda e aumento de 35 vezes no salário mínimo. Venezuela está “triste”
A partir das 00:00 de segunda-feira entra em circulação uma nova moeda na Venezuela, o bolívar soberano. População está “triste” e preocupada pelo aumento do salário mínimo 35 vezes.
A partir das 00:00 de segunda-feira entra em circulação uma nova moeda na Venezuela, o bolívar soberano (Bs.S), o resultado de uma polémica reconversão monetária que eliminou cinco zeros ao atual bolívar forte.
A reconversão faz parte de um pacote económico que o Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, diz ter como objetivo estabilizar a economia de um país produtor de petróleo que desde 2016 está oficialmente em “estado de exceção e de emergência económica”.
O bolívar soberano visa ainda simplificar as transações e registos contabilísticos e compreende papel-moeda de valor diferente: dois, cinco, dez, 20, 50, 100, 200 e 500 Bs.S) e duas moedas metálicas (de 50 centavos e 1 Bs.S).
Por outro lado, o país passará a ter também a cripto moeda venezuelana o petro, que será a unidade monetária contabilística de uso obrigatório para todas as operações relacionadas com a atividade petrolífera e cujo valor estará indexado ao valor do preço internacional do barril de crude e estará assente nas reservas de vários recursos naturais, como o petróleo, ouro, diamantes e gás natural.
Maduro decretou que o dia 20 de agosto – entrada em circulação da nova moeda -, seja considerado feriado.
A reconversão vem acompanhada de um novo sistema salarial cujo valor terá por base 0,50 de petro e que vai fazer aumentar quase 35 vezes o salário mínimo mensal dos venezuelanos, que passou de 5.19 Bs.S para 1.800 Bs.S (de 1,14 euros para 39,50 euros).
A reconversão e o uso do petro, que os analistas associam à aplicação de um sistema dual como em Cuba – com o peso cubano válido apenas na ilha e o peso convertível, válido para trocar por moeda estrangeira -, faz parte de um pacote económico.
Este pacote inclui o aumento dos preços dos combustíveis para os equiparar aos valores internacionais, uma medida que está a ser contestada pela população e que levou o Governo a anunciar a atribuição de subsídios para a compra de gasolina a quem se registar previamente e tiver o designado “cartão da pátria”, promovido pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o partido no poder.
A partir de segunda-feira passa também a existir um novo sistema de controlo cambial, que deixará de ter por base o dólar norte-americano, para estar indexado ao petro, e que substitui a legislação que vigorava desde 2003.
A troca de divisas deixa de estar sujeita a penalizações mas continuam a haver restrições para a livre obtenção local, oficial, de moeda estrangeira.
Esta mudança determinará o preço local dos produtos, que deixam de estar vinculados ao bolívar para serem afixados pelo executivo com base na cripto moeda venezuelana.
O Governo promete austeridade e zero de défice fiscal e aumentou o IVA de 12% para 16% exonerando os bens de consumo em massa e de primeira necessidade para a população, tais como alimentos, medicamentos e materiais para a agroindústria e as grandes transações financeiras passarão a pagar entre 0 e 2% de imposto sobre o valor das mesmas.
Vários economistas venezuelanos já expressaram preocupação pelas medidas anunciadas as quais, consideram, contribuirão para o amento da inflação, num país que regista já hiperinflação e que deverá, segundo o Fundo Monetário Internacional terminar 2018 com uma subida anual acumulada de 1.000.000%.
Os economistas estão de acordo que a economia passe a estar indexada ao preço internacional do petróleo mas questionam a confiança do petro, que dizem, não é reconhecido fora do país.
Coincidem que a reconversão monetária e as medidas económicas vão ocasionar, nos próximos dias, confusão nos consumidores, principalmente no setor privado e comercial e advertem que há fatores que poderão levar a um “ambiente de agressiva desvalorização” e a uma etapa de “mais agressiva hiperinflação”.
População está “triste” e preocupada pelo aumento do salário mínimo 35 vezes
Os venezuelanos estão “tristes, preocupados e confundidos” com a decisão do Governo de eliminar cinco zeros ao bolívar forte para convertê-lo em bolívar soberano e aumentar o salário mínimo mensal de 5,9 milhões para 180 milhões de bolívares.
“Tristeza, preocupação e confusão, são as únicas palavras que existem para descrever o que sentimos. Este deve ser o único país do mundo onde ninguém fica contente com um aumento do salário”, explicou uma cidadã à agência Lusa.
Com 55 anos de idade e radicada em Las Delícias, Caracas, Verónica Sánchez, doméstica, casada com um vendedor de água potável, tem dificuldades em entender o que está a acontecer e desabafa: “tiram cinco zeros à moeda e aumentam o salário mínimo entre 35 e 60 vezes, entre 3.200% e 5.900%, dependendo do câmbio que se faça”.
Nervosa e com medo que o país “vá além da hiperinflação” usou, nos últimos dias, quase todo o dinheiro que dispunha para comprar vegetais, alimentos e outros produtos.
“Eu acreditava que o país já tinha tocado no fundo, mas agora percebo que não. Na sexta-feira, depois de [o Presidente da República] Nicolás Maduro anunciar o aumento do salário mínimo (de 5,9 milhões, para 180 milhões de bolívares fortes) tive que tomar uma pastilha para a hipertensão e tive dificuldades para dormir”, frisou.
Carlos Hernández, 60 anos, carpinteiro, usou a tradicional “linha de crédito paralela” (na Venezuela os bancos oferecem créditos rápidos até ao dobro do valor dos cartões de crédito, sem afetar a disponibilidade dos mesmos) para comprar batatas, cebolas, massa, arroz e aveia, que diz que vão subir de preço e que não se estragam facilmente quando guardados.
“Foi a única coisa que pude fazer, porque com a reconversão monetária e a loucura deste aumento do salário mínimo, obriga a pensar como nos podemos proteger. Mas já gastei as poupanças que estavam a perder valor, enquanto tudo sobe de preço”, disse.
Por outro lado, explicou que dentro de semanas acabarão as suas reservas alimentares e terá que “fazer contas à vida” para sobreviver, prevendo que “tudo vai ficar ainda mais difícil do que já era”.
A professora de primária Naigualida Salazar, 30 anos, “não tem palavras” para explicar como será o futuro económico do país e diz que a situação a está “a empurrar a fazer o que muitos companheiros e companheiras já fizeram: emigrar para países vizinhos”.
“Todos os dias nos assombramos por algo. O aumento do salário é uma provocação. Há um mês e meio que os médicos e enfermeiros protestam e não haviam recursos para aumentar-lhes o salário e agora, de repente, aumentam o salário a toda a gente e o governo vai assumir o pagamento dos salários dos empregados das pequenas e médias empresas por 90 dias. Não há como entender isto”, frisou.
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