Quatro anos de Operação Marquês. Em que ponto se encontra o “megaprocesso”?

28 arguidos, entre eles Sócrates, 500 contas bancárias analisadas e 200 testemunhas ouvidas depois, a Operação Marquês é hoje o megaprocesso mais mediático de sempre. Saiba em que ponto está.

Fotomontagem: Lídia Leão

Foi há quatro anos que o ex-primeiro-ministro José Sócrates foi preso no aeroporto de Lisboa, vindo de Paris, por suspeitas de fraude fiscal, branqueamento de capitais, corrupção e tráfico de influências. Nesse 21 de novembro, o Ministério Público arrancava com a Operação Marquês, hoje transformada num megaprocesso, que envolve 28 arguidos. Feita a acusação, e a aguardar julgamento, em que ponto está agora um dos mais mediáticos casos da justiça portuguesa?

28 arguidos, mais de 200 crimes, e 500 contas depois…

O caso está relacionado com a prática de quase duas centenas de crimes de natureza económico-financeira. Segundo a acusação, Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santo (GES) e na PT, bem como garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios do Grupo Lena.

A Operação Marquês segue agora para a fase de instrução, quase um ano depois de, em outubro de 2017, o Ministério Público ter concluído a investigação do caso, acusando 28 arguidos, dos quais 19 pessoas e nove empresas, incluindo o ex-primeiro-ministro José Sócrates; o antigo ministro Armando Vara; os antigos CEO e chairman da Portugal Telecom, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava; e ainda Ricardo Salgado, ex-presidente do Banco Espírito Santo.

Vamos a números. Ao longo da fase de inquérito foram efetuadas cerca de duas centenas de buscas, inquiridas mais de 200 testemunhas e recolhidos dados bancários sobre cerca de 500 contas, quer domiciliadas em Portugal quer no estrangeiro. Foi igualmente recolhida vasta documentação quer em suporte de papel, quer digital. O despacho final tem mais de quatro mil de páginas.

A abertura de instrução foi requerida por 19 dos 28 arguidos e Ivo Rosa foi o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) sorteado para a decisão desta fase. O magistrado já fez saber entretanto que os quatros meses estipulados por lei não chegarão, e que “a reprodução de peças processuais, incluindo gravações áudio de diligências, ou documentos incorporados no processo” fica “proibida, sob pena de cometimento de crime de desobediência simples”.

Depois de um pedido de exclusividade ao Conselho Superior da Magistratura, Ivo Rosa ficará apenas com a instrução do Marquês e dos colégios GPS, perdendo assim o processo dos CMEC.

O calendário das diligências a realizar no âmbito da fase de instrução foi decidido em reunião com as defesas. Esta fase do processo está marcada para a última semana de janeiro de 2019.

Numa recente entrevista à RTP, Carlos Alexandre pôs em causa a aleatoriedade do sorteio, afirmando que “há uma aleatoriedade que pode ser maior ou menor” de acordo com o número de processos atribuídos a cada juiz. Quando questionado sobre se a distribuição de processos consecutivos a um determinado juiz pode colocar em causa a aleatoriedade do sorteio, o juiz respondeu que sim, “pode alterar-se significativamente”. O juiz será agora alvo de um inquérito disciplinar pelo Conselho Superior de Magistratura “dada a gravidade das declarações prestadas”.

Ivo Rosa decide instrução

“Calhou-me a mim”. Foram as palavras de Ivo Rosa, que a 28 de setembro foi sorteado para decidir a fase de instrução da Operação Marquês — o que significa que terá em mãos a decisão de dar seguimento ou não ao caso para a fase seguinte, a de julgamento.

O juiz era a escolha mais esperada entre os arguidos deste megaprocesso, depois de Carlos Alexandre ter estado à frente da fase de inquérito, por ser conhecido por dar algum “travão” às teses defendidas pelos procuradores do Ministério Público.

O magistrado madeirense é conhecido por ser reservado, mas polémico, já que é habitual recusar as diligências dos procuradores nas suas decisões, o que lhe tem valido vários recursos e a fama de “persona non grata” entre o Ministério Público. Exemplo mais recente disso foi com o caso dos CMEC, da EDP, em que Ivo Rosa não autorizou buscas ao ex-ministro da economia Manuel Pinho e invalidou a sua constituição como arguido.

As posições de Ivo Rosa já lhe valeram várias participações de procuradores ao Conselho Superior de Magistratura, além de vários recursos para a Relação de Lisboa, muito dos quais alteraram as suas decisões.

Perfil: de aluno certinho a juiz pontual

Ivo Rosa nasceu a 17 de setembro de 1966, e é natural de Santana, na Madeira. É o quarto de cinco irmãos. Deixou a Madeira em 1985 para se ir formar em Direito, em Coimbra. Aos 26 anos tornou-se juiz, destino que concretizou depois de ter decidido que queria ser magistrado no fim do liceu.

Ser advogado nunca foi sequer uma opção. “Já fui com esse objetivo de ser juiz, nunca tive a pretensão de ser advogado”, declarou numa entrevista à RTP Madeira, em setembro do ano passado. O interesse pela carreira surgiu só no 12º ano, quando uma amiga, cujo pai era advogado, o levou a assistir a um julgamento no Funchal.

O bichinho manifestou-se com a encenação em tribunal. “É isso que impressiona mais as pessoas. E a mim, na altura, sobretudo, que devia ter 16 ou 17 anos. Foi o momento que me despertou a atenção”, contou.

Um “jovem regrado e caseiro”. Assim é descrito por Paulo Prada, um colega seu da faculdade, em declarações prestadas ao jornal Público. “Era muito certinho”, um bom aluno que saía pouco à noite.

Entre 1993 e 1999 foi juiz de primeira instância no Funchal, onde julgou processos-crime, cíveis, de família e de trabalho. Ficou conhecido pelas comarcas locais onde passou por concluir sentenças em três ou quatro dias, o que diminuiu o número de processos pendentes nesses tribunais.

Créditos: Nuno Pinto Fernandes

Regressa em 1999 a Lisboa, por um ano, mas volta à Madeira, por mais dois anos, de onde volta em definitivo em 2002. Passou uma temporada por dois tribunais de Timor-Leste, entre 2006 e 2009, num de primeira instância e noutro de recurso. Em 2010 regressa às Varas Criminais.

Ivo Rosa tornou-se no primeiro juiz português a ser eleito pela Assembleia Geral das Nações Unidas para o Mecanismo Internacional para os Tribunais Penais Internacionais em 2012. Desde 2015 que divide os processos do TCIC com o “super juiz” Carlos Alexandre.

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