Trump, América e a ordem Liberal

Os “checks and balances” constitucionais nos EUA fazem-nos ter confiança no equilíbrio de poderes interno. A realidade económica, faz-me ter confiança no equilíbrio externo.

O que podemos esperar de um presidente americano como Donald Trump, relativamente à economia mundial e ao comércio internacional?

É importante lembrar que o mundo hoje, quando comparado com 1945, é muito mais rico (apesar da crise financeira de 2008), muito mais democrático (mais de 100 democracias contra 12 em 1945) e muito mais seguro (nenhuma grande potência voltou a fazer guerra com outra grande potência). Seria igual se os EUA não fossem a superpotência? Muito dificilmente.

Nem sempre a melhor ideia prevalece. O mundo hoje é liberal, não tanto devido à inovação tecnológica ou ao facto de o capitalismo ser o melhor sistema possível. O sistema liberal apenas existe enquanto as nações mais fortes forem liberais e tiverem o poder naval de manter as rotas marítimas abertas.

Os EUA têm a vantagem de estarem isolados de outras grandes potências e de se situarem entre os dois oceanos mais importantes. Isso dá-lhes o domínio marítimo, fundamental no poder de qualquer superpotência.

Roma é vista como uma potência territorial (as legiões), mas a verdade é que controlava o Mediterrâneo com a mesma força com que controlava o Império. Mas ao contrário de outras potências na história, os EUA garantem que as rotas marítimas se mantém abertas para todos. Se o mundo tivesse sido moldado pela ex – União Soviética (ou vier a ser moldado pelo atual regime Chinês), não é crível que vivêssemos numa economia global.

O mundo atual é um produto americano. Mas pode Trump inverter a atual ordem liberal? Pode, mas sempre de forma limitada.

A globalização gerou um período de prosperidade como nunca tínhamos assistido. Não apenas nos países emergentes, onde tirou mais de mil milhões de pessoas da pobreza. Hoje, apenas 10% da população mundial está no limiar da pobreza extrema. A pobreza extrema está praticamente toda concentrada no continente africano, o que se deve à ausência de globalização, de economias de mercado, de regimes políticos democráticos e de garantias de liberdades individuais.

Mas também a grande maioria das pessoas nos países desenvolvidos viu o seu nível de vida subir. A redução do custo de muitos bens que adquirimos representa um ganho económico, no global, superior às perdas. Contudo, nos países mais desenvolvidos, os ganhos foram assimétricos: A destruição da cadeia de valor de empresas europeias devido a práticas ilegais (quebra da propriedade intelectual), a questão das externalidades ambientais negativas dos vários processos de rápida industrialização, entre outras, merecem uma preocupação constante por parte dos políticos e cidadãos europeus.

Por último, é importante que o nosso Estado social não esqueça aqueles que são colocados fora do mercado de trabalho pela deslocalização das indústrias.

Creio, no entanto, que grande parte dos que ganharam não têm essa perceção. É aqui que os populismos (de Trump a Sanders), ganham votos. Não apenas nos que ficaram sem os empregos nas fábricas.

A emergência da globalização resultou de duas invenções: o contentor de mercadorias e as tecnologias de informação, com a internet à cabeça; e de duas mudanças políticas: o fim da Guerra Fria e a entrada da China na Organização Mundial do Comércio.

No entanto, desde 2008 que há uma retração na globalização. O comércio internacional passou de 60% do PIB mundial para 55%, as trocas financeiras reduziram-se significativamente, bem como o IDE e as operações de fusões e aquisições. Fruto de tudo isso, a economia Europeia está estagnada, a economia Chinesa está em desaceleração. E a economia Americana, apesar do bom crescimento e do baixo emprego, viu milhões de pessoas sair do mercado de trabalho.

A vitória do protecionismo levará a um menor crescimento, mais inflação, menos poder de compra e um aumento dos conflitos. Estamos longe disso, mas veja-se como nas vésperas da 1ª Grande Guerra, o mundo estava bastante interligado, com níveis de comércio internacional e emigração elevados. E como as nações, ao fecharem-se sobre si mesmo levou a 30 anos de crises e guerras.

O isolacionismo Americano após a 1ª Guerra Mundial abriu caminho à expansão Nazi na Europa. O protecionismo após 1929 agravou a crise económica.

Trump, possivelmente, travará os novos acordos de comércio global. Esses acordos já não incidem praticamente sobre tarifas aduaneiras, dado que estas praticamente já não existem. Mas incidem na melhoria das condições de concorrência e competitividade, na redução dos custos de contexto e na harmonização de regulações. Tudo o que poderia trazer um novo fôlego à economia mundial.

Mas irá Trump avançar para uma guerra comercial? Não creio, por duas razoes: primeiro, uma crise económica num contexto de taxas de juro nulas ou mesmo negativas, significa o esgotamento dos mecanismos de intervenção.

Por outro lado, e este é o ponto crítico, os EUA e a China estão ligados de forma umbilical. O termo é de Handel Jones e é ChinAmérica. A forma como a China emergiu como a “fábrica” do mundo e os EUA como o “laboratório” e o “banco” (não esquecer as colossais reservas em dólares por parte da China e do Japão), tornaram a cooperação entre os dois gigantes inevitável.

Os “checks and balances” constitucionais, da mais antiga Democracia do mundo, fazem-nos ter confiança no equilíbrio de poderes interno. A realidade económica, faz-me ter confiança no equilíbrio externo.

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