Leitura guiada: a decisão de Bruxelas sobre a política orçamental portuguesa

  • Margarida Peixoto
  • 16 Novembro 2016

Portugal continua em risco de falhar as metas orçamentais, mas a Comissão aprovou os planos de Mário Centeno e cancelou a suspensão de fundos comunitários. Aqui está uma leitura guiada da decisão.

A Comissão Europeia espera que Portugal cumpra a meta do défice deste ano? Não. Mas recomendou a suspensão de fundos comunitários? Não. Então espera que o país cumpra a meta do défice de 2017? Não. E chumbou os planos orçamentais de Mário Centeno? Também não.

As decisões anunciadas esta quarta-feira pela Comissão Europeia sobre a política orçamental portuguesa são, sem sombra de dúvidas, positivas. Destacam-se três decisões relevantes:

  1. Portugal não vai ser sujeito à suspensão parcial de fundos comunitários;
  2. A proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano foi validada e só será necessário apresentar medidas adicionais de consolidação se os riscos de desvio se materializem;
  3. Tudo indica que o país sairá mesmo do Procedimento por Défices Excessivos em 2017.

Mas se o país, aparentemente, não cumpriu as regras, o que explica estas decisões comunitárias? Há duas formas de responder a esta questão: uma simples e outra bastante complexa. Se quiser ficar com um entendimento global sobre os argumentos fundamentais, continue a ler este artigo. Mas se a sua expectativa for uma explicação aprofundada, salte para o descodificador sobre o tema: A decisão de Bruxelas para aficionados.

A não suspensão dos fundos estruturais

Para tomar esta decisão, a Comissão tomou em linha de conta vários argumentos. O primeiro, e talvez o mais determinante, foi ter concluído que Portugal tomou medidas efetivas para corrigir o desvio identificado no défice de 2016.

Embora os comissários continuem à espera de um défice de 2,7% no final deste ano, um valor acima da meta de 2,5%, reconhecem que o Executivo português fez um esforço efetivo e valorizam o facto de o défice ficar, apesar de tudo, abaixo do limite de 3% do PIB. É por isso que afirmam que Portugal deverá sair do Procedimento por Défices Excessivos em 2017 — um ponto a favor para Mário Centeno.

Continua a haver divergência sobre a evolução do saldo estrutural de 2015 para 2016. O Governo português garante que haverá uma melhoria de 0,1 pontos percentuais do PIB face a 2015, enquanto as Previsões de Outono da Comissão antecipam uma degradação de 0,1 pontos. Mas os comissários reconhecem que corrigindo os cálculos para acomodar as alterações económicas verificadas entre as estimativas usadas a 8 de agosto para emitir a recomendação, e a situação presente, a dimensão do esforço salta para 0,4 pontos percentuais. O mesmo acontece quando é usada outra metodologia (bottom-up).

Por isso, concluem: “Resumindo, apesar de não se prever que o défice global seja atingido, o esforço orçamental será alcançado tendo por base o saldo estrutural ajustado e a metodologia bottom-up”, lê-se no documento de trabalho dos peritos.

Além deste argumento técnico, foram tomados em linha de conta outros, mais qualitativos e de natureza política:

  1. Tal como o comissário para os Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici, frisou durante a conferência de imprensa, “os fundos comunitários têm um papel crucial no investimento e nós queremos ajudar estes países [Portugal e Espanha] a sair da crise”.
  2. O Parlamento Europeu pronunciou-se contra a suspensão parcial dos fundos. Moscovici frisou que a decisão é da Comissão, mas notou que este parecer foi tomado em consideração.

A aprovação do Orçamento para 2017

Para esta decisão, houve dois argumentos fundamentais: o facto de Portugal se comprometer com a continuidade da redução do défice orçamental; e o facto da diferença entre o ajustamento estrutural previsto pelo Governo, versus o estimado pela Comissão ser apenas ligeiramente acima do que é classificado como um “desvio significativo”.

Primeiro, a Comissão reconhece que Portugal deverá passar do braço corretivo do Pacto de Estabilidade e Crescimento, para o preventivo. Isto é o mesmo que dizer que o país deverá conseguir sair do Procedimento por Défices Excessivos.

Segundo, não abdica da estimativa segundo a qual o saldo estrutural do país se manterá inalterado em 2017, por comparação com 2016 (em vez de melhorar em 0,6 pontos percentuais do PIB). Mas reconhece que se estes cálculos forem, uma vez mais, corrigidos das alterações verificadas entre a avaliação da Primavera e a atual, o esforço passa a 0,3 pontos percentuais. Tendo em conta que as regras determinam que um desvio é significativo quando atinge 0,5 pontos percentuais, os comissários decidiram que esta divergência estava mesmo no limite dessa decisão.

“A Comissão prevê para 2017 um desvio significativo do caminho de ajustamento exigido para ir ao encontro do objetivo de médio prazo e de não cumprimento do benchmarck de redução da dívida”, lê-se na opinião formal sobre o Draft Budgetary Plan. “Contudo, o desvio projetado excede o limite de um desvio significativo por uma margem muito pequena”, continua o documento.

Ora, a decisão final foi aprovar o Orçamento, convidando as autoridades portuguesas a “tomar as medidas necessárias” para garantir que o país cumprirá o Pacto de Estabilidade e Crescimento, em 2017.

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