Itália e o euro. Os grandes desafios do “Ronaldo do Eurogrupo” que celebra hoje um ano de mandato
O primeiro ano de Centeno à frente do Eurogrupo foi um sprint para fechar o programa grego, avançar na reforma da UEM e gerir o braço de ferro com Itália. Haverá fôlego para o que falta do mandato?
Quando há um ano foi eleito presidente do Eurogrupo, Mário Centeno enfrentava uma incógnita de peso no seio do fórum dos ministros das Finanças da Zona Euro. Na altura em que se iniciou o debate sobre as reformas para blindar a Zona Euro contra futuras crises, era incerto o desfecho da crise política na Alemanha e quem seria o seguinte titular da pasta em Berlim.
A Alemanha — país sem o qual nenhum acordo sobre o euro é possível — demorou até meados de março para formar governo. Só a partir dessa altura foi possível começar a discutir seriamente o imenso “estaleiro” da Zona Euro. Esse debate começava, portanto, atrasado e a situação poderia ser de mau augúrio em início de mandato.
“Desde aí, foi um sprint“, segundo uma fonte ouvida pelo ECO, para fechar o programa de assistência grego no timing previsto e para tentar avançar nas negociações sobre a futura arquitetura da Zona Euro. Entretanto saiu na rifa do português o orçamento italiano e um governo populista e imprevisível em Roma disposto a desafiar Bruxelas. Um dossiê que vai exigir muita diplomacia. As conversas são entre a Comissão e o Governo italiano, apesar de o Eurogrupo exercer uma pressão decisiva.
Com eleições europeias em maio e um novo ciclo político na UE, será mais difícil tomar decisões no próximo ano. A agenda vai ser mais difusa e a gestão política mais delicada, coincidem fontes em Bruxelas. Daí que o sprint do “Ronaldo do Eurogrupo” — como foi cunhado pelo então ministro alemão Schäuble — possa tornar-se numa maratona com obstáculos imprevisíveis.
O holandês, o português e o “problema de comunicação”
Após ter sido eleito presidente do Eurogrupo há exatamente um ano, Mário Centeno e Jeroen Dijsselbloem compareceram perante a imprensa internacional em Bruxelas. O contraste entre os dois não podia ser mais evidente: o ministro português mais tenso e nervoso, o holandês seguro, frio, quase altivo. Talvez Dijsselbloem se lembrasse que, ainda uns meses antes, o governo português o criticava duramente afirmando não ter condições para continuar no cargo, após o célebre episódio dos comentários sobre os países do sul gastarem em “álcool e mulheres”.
Todas as opiniões ouvidas pelo ECO convergem na ideia de que Mário Centeno e Jeroen Dijsselbloem são a noite e o dia em termos de estilo, de personalidade e de comunicação — ainda que da mesma família política. Ambos falam inglês, mas Centeno é mais discreto e tímido, contrastando com o holandês, exímio no controlo da palavra e da postura em público ou perante os jornalistas. Do ponto de vista da maneira como comunica, o holandês é imbatível. “O problema de Centeno é a comunicação. Não é uma questão de competência até porque tem trabalho feito em Portugal para mostrar”, diz uma fonte.
O contexto político
A comparação é inevitável também ao nível do contexto em que assumiram funções. Enquanto o holandês teve que gerir os anos de chumbo da crise financeira e dos programas de resgate a vários Estados-membros, o político luso lidera o fórum dos ministros das Finanças num momento económico mais favorável, passada a página da austeridade.
Mas Dijsselbloem beneficiou sempre o apoio do então todo-poderoso ministro alemão Wolfgang Schäuble com que costumava reunir antes do Eurogrupo. A relação com Schäuble “dava-lhe uma grande vantagem”, diz uma fonte bem conhecedora dessa fase, o que pode ajudar a explicar o à-vontade e a confiança do holandês na condução dos trabalhos.
Durante esses cinco anos, o contra-peso da França foi mais limitado. Atualmente, a relação no eixo franco-alemão é mais equilibrada mas há um polo de países que receiam a predominância de Berlim e Paris. Hoje, não há posições hegemónicas e os equilíbrios são mais difíceis de gerir.
A Grécia e um vídeo de “propaganda norte-coreana”
O primeiro semestre ficará marcado pelo único êxito até agora no saldo de Centeno enquanto líder do Eurogrupo: a saída limpa da Grécia do programa de resgate, após oito anos de assistência financeira.
No final de uma jornada maratona e após reunião decisiva com os ministros alemão, francês e grego, Centeno comparece perante a imprensa internacional na madrugada de 22 de junho para anunciar um “acordo histórico”. “O sucesso da Grécia na saída deste programa marca o fim do último programa que ainda estava ativo e, portanto, o final dos últimos resquícios da crise do euro”, afirmou então.
Tweet from @EUCouncil
Mas depois, no dia em que a Grécia saiu oficialmente do resgate, a 20 de agosto, Centeno publica um vídeo no Twitter para assinalar a data e elogiar o “regresso ao normal”. O vídeo foi criticado pela esquerda em Portugal que o considerou “insultuoso” para o povo grego após um programa de ajustamento “desastroso”. O antigo ministro das Finanças do governo do Syriza, Yanis Varoufakis, foi mesmo mais longe classificando o vídeo de “máquina de propaganda norte-coreana”.
Reformar a Zona Euro: a prova de fogo
As opiniões são convergentes: a prova de fogo de Mário Centeno é agora. O português será julgado pela sua capacidade em construir acordos nas negociações para reformar a União Económica e Monetária. O objetivo é apetrechar a Zona Euro reforçando os instrumentos que lhe permitam fazer face a futuras crises.
Em cima da mesa, o reforço da União Bancária e do Mecanismo Europeu de Resgate, a criação de um orçamento comum (ou algo que se lhe pareça) e de um sistema europeu de garantia de depósitos. Não tendo sido possível avançar na cimeira de junho, as negociações dos últimos meses permitiram avançar em alguns pontos onde um acordo parece ao alcance.
Muito mais atrasada está a discussão sobre o orçamento para a Zona Euro. Já a criação de um sistema de garantia de depósitos deverá ficar definitivamente para mais tarde. Vários países têm muitas dúvidas sobre a utilidade de alguns destes instrumentos e estão pouco interessados na partilha dos riscos que comportam.
Centeno terá que demonstrar a sua destreza como construtor de consensos até porque este assunto vai ser prato principal da cimeira do euro na próxima semana.
As polémicas com travo português no Parlamento Europeu
A primeira fase do mandato não deixou de ficar marcada por algumas polémicas “caseiras” que envolveram protagonistas lusos no Parlamento Europeu. Ainda em janeiro, o líder do PPE manifestou intenção de chamar Centeno ao plenário sobre as “alegações” relativas a hipotéticos benefícios concedidos pelo ministro das Finanças em troca de bilhetes para jogos do Benfica. Mas os eurodeputados do PSD e do CDS, que pertencem ao grupo do PPE, discordaram da ideia e conseguiram esvaziar a iniciativa.
Outra polémica com traços nacionais aconteceu quando os eurodeputados do PSD Paulo Rangel e José Manuel Fernandes acusaram Centeno de “inexistência” e de ter “resultados dececionantes” na condução das negociações para reformar a UEM.
É igualmente portuguesa outra das vozes — Marisa Matias — que mais tem criticado Centeno no Parlamento Europeu. Ainda recentemente, a eurodeputada do BE interpelou o presidente do Eurogrupo acusando-o de encabeçar as ameaças contra o Governo italiano por causa do Orçamento do Estado.
O duplo chapéu: ministro e presidente do Eurogrupo
No panorama político europeu, a posição do ministro português não deixa de ser vista como uma bizarria: é presidente do Eurogrupo por ser ministro das Finanças de um governo que tem o apoio parlamentar de dois partidos — BE e PCP — que contestam as políticas do Eurogrupo e da Zona Euro.
Esse duplo chapéu também comporta outra ironia: a de o Eurogrupo presidido por Mário Centeno ter que dar luz verde ao parecer da Comissão Europeia que considera o plano orçamental — apresentado por Mário Centeno, ministro das Finanças de Portugal — com risco de incumprimento do Pacto de Estabilidade.
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