Nove desejos para 2019

Que a prioridade de equilíbrio das contas públicas continue a iluminar os protagonistas da próxima solução governativa, sejam eles quais forem.

Manda a tradição que se formulem desejos no arranque de um novo ano. Aqui ficam os meus, centrados essencialmente em temas económicos, financeiros e políticos que podem influenciar a nossa vida colectiva nos tempos mais próximos.

  • Que o défice orçamental não seja uma vítima eleitoral. É um clássico: as eleições legislativas trazem consigo muitas vezes más surpresas sobre a execução orçamental. Foi assim, por exemplo, com os orçamentos de 2001, 2004, 2009 e 2010. Em 2015 verificámos uma excepção porque com o país em convalescença profunda era ainda muito cedo para voltar a brincar com o fogo.

Isto acontece por dois motivos essenciais. O primeiro é que nos anos eleitorais os governos em funções gostam de mimar mais especialmente os eleitores e isso, por regra, custa dinheiro. Como o nosso ciclo eleitoral regular coloca a votação para o Parlamento no arranque do terceiro trimestre do ano, isso quer dizer que o governo em funções vai a votos sem haver dados firmes sobre a execução orçamental. Isso é um incentivo a fazer mais despesa, cuja factura só será conhecida mais tarde.

O segundo motivo é quando das eleições resulta uma mudança de partido no governo. A regra é que o recém chegado queira refazer as contas para poder atirar para o passado o maior encargo possível. Isto permite-lhe meter logo na gaveta uma série de promessas eleitorais porque o ponto de partida anunciado é pior do que as contas divulgadas indicavam.

Com a país finalmente a caminho do equilíbrio orçamental, com um nível de dívida muito elevado e com uma credibilidade ainda em recuperação, qualquer tentação para estas habilidades deve ser evitada por todos.

  • Que as eleições não se transformem num leilão de disparates. É nos períodos eleitorais que os partidos têm soluções para tudo: para o crescimento económico, emprego, habitação, saúde, educação, investigação, cultura… Nas campanhas eleitorais os impostos nunca sobem, só baixam. Nunca há cortes na despesa, só aumentos. O investimento vai sempre aumentar e nunca diminuir. E, passe de mágica, apesar disso nunca haverá derrapagens, só rigor orçamental. A dívida? Reestrutura-se. Regras orçamentais? Rasgam-se os Tratados. O populismo económico e orçamental não é novo e vem, sobretudo, da extrema esquerda. Depois há a realidade, credores a quem precisamos de pedir dinheiro para pagar as contas e cidadãos que suportam cada vez mais impostos.
  • Que as “fake news” continuem na forma clássica e reservadas aos partidos. Com a propaganda eleitoral, os exageros das promessas partidárias e as entorses na realidade dos discursos políticos já todos aprendemos a lidar. Fazem parte desde sempre do jogo político e são actos praticados por protagonistas que dão a cara e podem, mais tarde, ser escrutinados e “cobrados” por isso. Diferentes disto são as novas práticas de divulgação massiva de informações e factos errados com o objectivo definido de interferir numa eleição. Estes são, por regra, praticados na cobardia do anonimato e usando as capacidades das ferramentas tecnológicas para chegaram a muita gente. Não estamos, claro, a salvo do fenómeno e tem até havido alguns ensaios tímidos. Que não passem disso.
  • Que o resultado eleitoral seja claro e garanta estabilidade. Esta legislatura teve duas novidades estruturais: o alargamento o chamado “arco do poder” aos partidos da extrema esquerda e, com ele, o aumento do consenso de facto sobre a necessidade de cumprir regras orçamentais e de equilibrar as contas do Estado. Há quatro anos poucos imaginavam que isto seria possível – eu próprio me enganei, nunca acreditei que BE e PCP tivessem suficiente plasticidade para aprovarem quatro orçamentos assentes em objectivos que estão nos antípodas do que apregoam. Isto garantiu uma estabilidade que se pensava impossível e evitou uma recaída precoce numa crise financeira. Que essa prioridade continue a iluminar os protagonistas da próxima solução governativa, sejam eles quais forem.
  • Que acabe a sangria de recursos para o sistema bancário. As injecções de dinheiro dos contribuintes nos bancos na última década já somam quase 20 mil milhões de euros. Fundos que nuns casos serviram para evitar perdas de depositantes após casos de polícia e noutros casos para cobrir perdas de crédito malparado e capitalizar as entidades. Seja como for, BPN, BES/Novo Banco, Banif e Caixa Geral de Depósitos custaram cerca de 10% do PIB nos últimos 10 anos. É uma factura que tem que ser estancada urgentemente. Não há recursos nem moral que suportem este regabofe.
  • Que o regulador dos seguros faça uma rigorosa avaliação de idoneidade de Tomás Correia. Por falar em sistema financeiro e em casos de polícia, há um dossier em aberto que vai transitar para 2019 e que pode dizer até que ponto o país aprendeu ou não com os erros do passado e a complacência da regulação. Tomás Correia foi reconduzido à frente da Associação Mutualista Montepio Geral, num processo eleitoral nada transparente e sob as suspeitas do costume. Já foi afastado da Caixa Económica por pressão do Banco de Portugal, é acusado em vários processos do regulador bancário, é acusado de três crimes num processo de insolvência dolosa e burla qualificada na venda de um terreno em Coimbra, é arguido num processo que resultou da Operação Marquês, entre outras ocorrências difíceis de encontrar numa pessoa só. Agora, a discreta ASF – Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões terá que exercer, pela primeira vez, as novas competências de avaliação de idoneidade de gestores de associações mutualistas. O país está certamente atento para perceber se um “curriculum” destes é considerado idóneo para gerir uma instituição que tem à sua guarda activos de 4.000 milhões. Isso dir-nos-á muito sobre o que somos.
  • Que o Parlamento saiba recuperar a sua reputação. Há precisamente um ano, ficámos a saber que quase todos os partidos parlamentares – de fora ficaram o CDS e o PAN – tinham acordado discretamente o aumento do seu próprio financiamento com dinheiro dos contribuintes, através da restituição integral do IVA. Durante este ano sucederam-se as revelações de moradas falsas dadas por deputados, de deputados que recebem subsídios com dinheiros dos contribuintes para viagens que não pagam, de presenças-fantasma no Parlamento e de fraude em votações na Assembleia da República. O Parlamento tem fechado os olhos e tentando justificar o injustificável, não percebendo que este corporativismo, a permissividade e falta de capacidade de auto-regulação contamina toda a reputação da instituição com as más práticas de apenas alguns. A impunidade decidida em causa própria e os tiques de casta não são um bom antídoto contra os avanços do populismo.
  • Que a França e a Itália não dêem o mau exemplo orçamental. Primeiro foi o governo italiano, populista de direita, a desafiar Bruxelas, apresentando um Orçamento do Estado para 2019 com um défice previsto acima dos limites ditados pelas regras europeias, numa clara atitude nacionalista e de desafio. Agora é a França que vai aumentar despesa ou reduzir receita em 10 mil milhões de euros para tentar acalmar ânimos depois da revolta dos coletes amarelos. Emmanuel Macron, europeísta e globalista convicto, poderá provocar mais um rombo na credibilidade das metas orçamentais europeias, ao fazer subir o défice para 3,4%. Depois das medidas duras que muitos países tomaram nos últimos anos, Portugal incluído, se isto se passar sem sanções estaremos perante uma inaceitável dualidade de critérios. Nada pior do que a noção de que as regras só se aplicam aos pequenos e nunca aos poderosos.
  • Que as economias resistam às mudanças na política monetária europeia. Em 2019 a política monetária do Banco Central Europeu regressa à normalidade, depois de cerca de seis anos de estímulos extraordinários que facilitaram o acesso de muitos países aos mercados de dívida, com práticas que podem ter ultrapassado a legalidade imposta pelos Tratados. Será também o ano da substituição do homem que desenhou e executou esta política, Mário Draghi, à frente do BCE. Retiradas as rodinhas de apoio, vamos ver se todos os países conseguem andar de bicicleta mantendo o equilíbrio, sem tombar. Será um teste importante para Portugal, para o qual será determinante a credibilização que resulta do esforço de redução do défice.

Com mais ou menos desafios ou sobressaltos, desejo a todos os leitores votos de um excelente 2019.

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