Finanças sustentáveis aceleram na Europa. Portugal está atrás, mas já dá passos

No dia em que a Bolsa de Lisboa admitiu as primeiras obrigações verdes à negociação e o regulador aprovou o primeiro fundo de investimento social, as duas entidades debateram sustentabilidade.

As finanças sustentáveis são cada vez mais uma tendência na Europa e, apesar de ainda atrasado, Portugal começa a dar os primeiros passos. Representantes da bolsa, do regulador e especialistas concordam que regulação e legislação, a par de incentivos às mudanças culturais de gestores e investidores são os passos necessários para o país acelerar neste segmento.

“Os temas ambientais e sociais estão relacionados com externalidades que merecem sempre uma atenção particular da política pública, mas há que encontrar o equilíbrio certo. O que podemos fazer com mais impacto é mudar a cultura financeira”, afirmou Isabel Ucha, presidente da Euronext Lisbon, no debate “O Setor Financeiro e o Crescimento Sustentável”, que se realizou esta terça-feira na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

A presidente da CMVM, Gabriela Figueiredo Dias, concorda que o impulso às finanças sustentáveis tem de ser partilhado pelos vários intervenientes de mercado, incluindo a regulação. “Tem de ser dado espaço ao mercado por, sua iniciativa, incorporar a sustentabilidade nos modelos de negócio e nos produtos financeiros, mas não exclui a intervenção do regulador“, disse, admitindo que esta não é, no entanto, uma posição consensual e que a instituição ainda está a tentar perceber qual é o caminho a seguir.

A nível regulatório e legislativo, a Comissão Europeia publicou, no início de janeiro, as primeiras regras para a incorporação de critérios de investimento com preferências ambientais, sociais e de governance, tendo afirmado que poderão tornar-se obrigatórios. Em Portugal, o regulador dos mercados também elegeu a promoção da integração de princípios de sustentabilidade no mercado de capitais português como um dos objetivos para este ano e prometeu uma consulta pública sobre o assunto, que Gabriela Figueiredo afirmou estar por dias.

“No mercado europeu, estes temas tem crescido bastante nos últimos anos”, explicou Sofia Santos. A economista especializada nos temas da gestão sustentável com particular foco na área das finanças é coautora, juntamente com Tânia Duarte (cofundadora e membro do Advisory Board da CCP Research Foundation) do livro “O Setor Financeiro e o Crescimento Sustentável”, apresentado no evento.

Sofia Santos apontou não só para emissão de green bonds (obrigações verdes direcionadas para o financiamento de projetos renováveis) por parte de empresas, como de Governos, incluindo em França, Bélgica e Irlanda. “Há um esforço dos Estados em indicar às empresas privadas que este é o caminho”, referiu.

Investimento e gestão sustentáveis tornam lucros mais distantes

Além do mercado de dívida, há também bancos que já fazem empréstimos verdes, em que a empresa se compromete em reduzir emissões de dióxido de carbono e tem acesso a uma taxa de juro mais atrativa. O primeiro caso na Europa foi um empréstimo à Danone. A nível global, 28 bancos aderiram aos princípios da banca sustentável apresentados pela Organização das Nações Unidas, no ano passado.

Do lado dos investidores, Isabel Ucha, da Euronext Lisbon, lembrou que vários institucionais globais já aderiram. É o caso do Norges Bank, bem como dos fundos de pensões tanto do Japão como da Holanda. Do total de ativos geridos na Europa, 52% preenchem critérios desta natureza. Só no grupo Euronext (presente em 11 países), 15 dos 50 índices estão ligados a temas de sustentabilidade. “Os mais procurados estão mais focados nos temas ambientas, mas o tema governance também tem estado muito na ordem do dia”, referiu a presidente.

“Em Portugal ainda há um caminho muito grande a percorrer até porque há muito desconhecimento, mas não faltam boas práticas para nos inspirarmos”, afirmou Sofia Santos. A coautora da obra, Tânia Duarte, acrescentou que “há todo um percurso sinuoso até conseguirmos realocar capital e caminhar para as finanças sustentáveis”.

Apesar do consenso de que Portugal está atrás nesta tendência, tanto a Euronext como a CMVM apontaram para importantes passos dados esta terça-feira. Por um lado, o regulador aprovou o primeiro fundo de investimento social, que se segue à primeira gestora de fundos de investimento social aprovada no ano passado. Por outro, a Bolsa de Lisboa recebe pela primeira vez a negociação de green bonds após a colocação de 50 milhões de euros por uma subsidiária da Altri –, um mercado que havia sido estreado em Portugal pela EDP, cujas obrigações negociam em Dublin.

Gabriela Figueiredo Dias é, no entanto, realista sobre os desafios que se apresentam. “A tendência no futuro vai ser de termos uma postura de sustentabilidade em tudo o que seja finanças. Há responsabilidades partilhadas por todos os intervenientes de mercado, mas também há riscos e oportunidades”, defendeu a presidente da CMVM. “É preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre as oportunidades que cria e os custos que tem”.

Uma das principais mudanças que o investimento e a gestão sustentáveis irá causar prende-se com o tempo, com Sofia Santos a defender que estes são critérios de rentabilidade de longo prazo mais que de curto prazo. “A noção de lucro vai mudar, nem que seja de forma enviesada (através de instrumentos fiscais). Qualquer banco que queira maximizar o lucro a médio e longo prazo vai ter de incorporar critérios de sustentabilidade”, acrescentou a economista.

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