A candidata às eleições europeias reconhece que o Bloco não conseguiu o seu objetivo de reestruturar a dívida nesta legislatura, mas garante que o partido não abandonou a ideia.
Em entrevista ao ECO, em Bruxelas, a cabeça de lista do Bloco de Esquerda às eleições europeias diz que a geringonça foi “fundamental” para começar a eliminar a austeridade, mas “insuficiente e incapaz” em áreas como o SNS. “A geringonça só funcionou em relação ao que estava no acordo parlamentar”, diz Marisa Matias, acrescentando que “mesmo as que constavam no acordo parlamentar podiam ter ido mais longe”. Marisa Matias acusa ainda o PS de ter cedido à direita e a lóbis.
O Bloco de Esquerda não conseguiu cumprir o objetivo que tinha assumido de reestruturar a dívida nesta legislatura…
Não conseguiu esse objetivo. Mas não abandonámos. Mantemos que a solução ideal é a reestruturação da dívida no quadro multilateral e não unilateral, quando há tantos países na zona euro que são incapazes de cumprir o critério da dívida.
Temos de acabar com esse mito de que é por causa do endividamento das famílias. Houve muitos erros por causa da má execução dos dinheiros públicos em governos anteriores. Mas não se pode sistematicamente ignorar que os principais fatores de endividamento são fatores de dependência externa e os desequilíbrios criados pela arquitetura monetária que temos. Em Portugal sabemos disso perfeitamente porque temos fatores de dependência externa gigantes, em particular no setor da energia.
Se não se trabalhar nesses fatores e se não houver uma solução que implique uma reestruturação multilateral das dívidas, a tendência será sempre a de agravar as desigualdades.
O Bloco está disponível para fazer parte de uma solução governativa de esquerda?
O Bloco está disponível para disputar o governo, sim.
Mas para participar no Governo?
O Bloco está disponível para disputar o governo. Qualquer formulação para além disso, terá de ser em função das relações de forças. Não se pode discutir em abstrato.
O Bloco está disponível para disputar o governo. Qualquer formulação para além disso, terá de ser em função das relações de forças. Não se pode discutir em abstrato.
A Marisa Matias estaria disponível para integrar um Governo?
Estou disponível para fazer as lutas todas com o Bloco, mas neste momento estou mesmo empenhada é no Parlamento Europeu.
Que balanço faz da geringonça?
Ficou muito aquém daquilo que poderia ter sido. Mas seja como for, foi um instrumento fundamental para começarmos a eliminar a austeridade como política nacional. E para restituir alguma dignidade à vida das pessoas por via do aumento de salários, da reposição de salários e de pensões.
Foi totalmente insuficiente e incapaz de responder àquilo que estava fora do acordo. Ou seja, a geringonça só funcionou em relação ao que estava no acordo parlamentar. Nos domínios que ficaram fora do acordo parlamentar, infelizmente foi uma reprodução do que já conhecíamos: desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde, na escola pública, e esses domínios são fundamentais para a democracia e não se tocou aí.
Ficou aquém só nas matérias que não constavam no acordo parlamentar?
Mesmo as que constavam no acordo parlamentar podiam ter ido mais longe. Mas então em relação às que não constavam, o PS não deu sinal nenhum. Continuar a insistir num favor permanente aos privados em vez de apostar numa nova lei de bases do Serviço Nacional de Saúde, inspirado no legado de António Arnaut ou de João Semedo e não nas pressões do setor privado, é para mim incompreensível. Que o PS continue a preferir negociar à direita aquilo que é um legado do próprio PS e uma das maiores conquistas da democracia em Portugal, é para mim incompreensível.
Creio que tivemos condições políticas únicas para ter avançado na defesa do Serviço Nacional de Saúde – por exemplo, na requalificação dos profissionais, do reconhecimento das suas carreiras, e não se fez. O que faltou foi vontade política do PS porque havia maioria parlamentar para apoiar esse caminho, se o PS assim o tivesse entendido.
Cedeu à direita e a lóbis?
Parece-me que sim. Aos dois.
Essas vão ser as bandeiras do Bloco de Esquerda para as legislativas?
Não são bandeiras que se coadunam com marcos eleitorais. Fazem parte das lutas permanentes do Bloco de Esquerda: a defesa do Serviço Nacional de Saúde, da educação, dos serviços públicos, da proteção de quem tem menos, das áreas onde as pessoas ainda nem sequer têm resposta – como por exemplo, os cuidadores informais. Estas são áreas em que continuaremos a insistir até termos uma sociedade mais digna e igualitária.
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Marisa Matias: “O PS cedeu à direita e a lóbis”
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