João Portugal Ramos, enólogo e empresário, teme os efeitos da seca e alerta para a necessidade de garantir que os viticultores portugueses tenham acesso a água..
João Portugal Ramos é enólogo por convição e empresário por necessidade. Depois de anos como consultor, fundou o grupo João Portugal Ramos Vinhos, que já faturou cerca de 25 milhões de euros em 2018, um crescimento de 10% em relação ao ano anterior. João Portugal Ramos considera que é essencial garantir que os viticultores portigueses têm acesso a água. “Repare no que aconteceu ao Alentejo com o Alqueva, o que aconteceu aos terrenos que hoje em dia estão no perímetro de rega do Alqueva, enquanto outras pessoas que estão, como eu, em Estremoz e não têm acesso a essa água”. E defende a necessidade de um aumento da produção e do preço médio a que o vinho português é vendido.
O setor do vinho fixou o objetivo de mil milhões de euros de exportações para 2022. É um objetivo possível?
É possível, sim, já não estamos muito longe. No ano passado, o setor faturou cerca de 1600 milhões de euros e cerca de 45% decorrem das exportações. O nosso principal problema é aumentar a produção.
Porque é que não estamos a ir tão longe como poderíamos ou deveríamos?
Só para dar uma ideia, temos 200 mil hectares e a produção no último decénio, em média, foi 6,6 milhões de hectolitros.
Mas caiu em 2018.
Caiu em 2018 e em 2017. Em 2018, caiu porque tivemos uma onda de calor completamente anómala, no primeiro fim de semana de agosto, e os 20% a mais que a produção teria em relação a 2017 ficou anulada com esse efeito de escaldão.
Mas podemos e temos condições para produzir mais?
Sim, todas as novas vinhas apontam nesse sentido, os tais dois mil hectares que vamos plantando ano após ano. Por exemplo, o Alentejo tinha na década de 1990 dez mil hectares de vinha, passou para 20 [mil]. Esses mais dez [mil] foram plantados já com outro objetivo, de não se estar preso a médias por hectare de cerca de 20 hectolitros. Se quiser fazer uma conta simples, se dividir os 6,6 milhões hectolitros por 200 hectares dá cerca de 30 e poucos hectolitros, são cerca de 5 mil quilos. Se compararmos e olharmos para os países vizinhos como Espanha ou Chile, estamos a falar de metade da produção. Eles podem vender mais barato, mas levam muito mais dinheiro.
As condições empresariais também estão criadas para responder a essa exigência? Não faltará também capacidade comercial às empresas portuguesas?
Falta sempre, mas já faltou mais. O que se fez nos últimos anos em Portugal no setor abona muito a favor de todos nós, que fizemos por esta posição. Portugal está finalmente a conseguir chegar lá, há vários sintomas que apontam nesse sentido. Nós temos os tais 6,6 milhões de hectolitros no decénio, exportamos 45% e importamos um milhão de hectolitros. Teoricamente, se aumentássemos a nossa produção 18% ou 20% estaríamos em paz. Há um fator que é determinante nisto tudo, que é a água. Hoje em dia é impensável fazer uma vinha sem água.
Voltando à questão do preço. Porque é que um preço baixo é um problema? O consumidor internacional só compra porque o vinho lhe parece bom e sabe melhor porque pagou mais?
O consumidor está preparado. Portugal era inexistente no panorama vitivinícola mundial há 20 anos, bastava andar por esse mundo fora a correr garrafeiras, andava-se à procura havia prateleiras de todos os países, [mas] para encontrar uma garrafa de vinho português era cá em baixo e misturado com o vinho espanhol. As pessoas nem sabiam.
Persiste esse problema nos grandes restaurantes europeus?
Completamente. Eu diria que, hoje em dia, a exportação destes tais 45% da nossa produção direciona-se fundamentalmente — posso estar enganado — para os supermercados, mais de 90%. Não é para o tal restaurante, e é ai que queremos estar.
Tem menos valor o supermercado desse ponto de vista?
Claro, tem menos valor. Portanto, Portugal ainda não é reconhecido. Há um célebre raciocínio que diz que o primeiro a acreditar na qualidade temos de ser nós. A seguir, tínhamos um ‘vinhozinho’ com um distribuidor condizente com a nossa qualidade de vinho, e depois um consumidor condizente com o distribuidor e com a nossa qualidade de vinho. Hoje em dia, queremos mais, queremos ter um preço para um consumidor de outro nível, e outro tipo de distribuidor para um outro tipo de consumidor. Estamos a chegar lá.
Ou seja, no setor do vinho, um pouco como no setor do luxo, para um determinado perfil de consumidor com maior poder de compra é preciso um nível de preço mais alto?
É verdade, não tenha dúvida, é isso mesmo. A pessoa tem um vinho caro, logo a partida tem de ser bom, e um vinho barato tem de ser mau. Nós, de facto, temos qualidades intrínsecas no nosso tecido vitivinícola, como é que um país tão pequeno tem tantos vinhos tão bons e tão diferentes? Acho que é essa diferença que vai abarcar. Antes de estarmos com bairrismos de regiões, o foco devia ser Portugal enquanto país produtor de vinhos de qualidade. Numa segunda fase, ou terceira, então sim voltar às regiões.
Falta uma marca global?
Falta uma marca global.
Mas a culpa é dos empresários…
É um pouco verdade. Já estamos melhor. Se recuarmos uns anos, também havia não sei quantas entidades encarregues de promover o vinho português. E assistia-se a cenas completamente sem sentido. Pouco dinheiro dividido por muitos não funciona. O pouco dinheiro tem que ser centralizado, do meu ponto de vista.
Falta concentração e estratégia.
Falta, mas isso também está a ser conseguido.
E falta unidade da parte dos produtores?
Falta, mas é um setor muito difícil para ter unidade.
Tem muitos egos?
Tem. É muito difícil.
Em relação à representatividade, a ViniPortugal está a fazer o seu papel?
Acho que sim. Acho que está a fazer um bom papel. Todos nos sentimos confortáveis. Repare, estive há 15 dias na ProWine, a maior feira de vinhos do mundo, que comemorou o 25.º aniversário, acho que estive lá das 25 vezes, e lembro-me do que era o stand de Portugal há 25 anos. Este ano tivemos 380 produtores e uma comitiva liderada pelo sr. primeiro-ministro. Curiosamente lembro-me de várias pessoas nos seus cargos políticos passarem, estarem ali meia hora, e irem à sua vida. Esta comitiva esteve lá seis horas. Visitou os produtores todos. Há uma consciencialização de todos nós de que estamos a conseguir chegar lá. Para nós portugueses e para o João Portugal Ramos é reconfortante ver que este trabalho desenvolvido ao longo destes anos está a dar os seus frutos.
E porque é que a qualidade do vinho português o torna competitivo internacionalmente? O que é que o diferencia dos outros vinhos?
Primeiro, temos uma panóplia de castas autóctones que pouca gente tem. Há uns que dizem 200, outros que dizem 300… Eu diria temos 100 atuais e funcionais, o que não existe lá fora. É um mundo completamente chapa cinco: Pinot, Merlot… Mas também essa é uma dificuldade. Pomos um vinho nosso lá fora, num restaurante, não conhecem as castas e também não estão dispostos a ter na lista uma touriga nacional, ou uma trincadeira, um alvarinho talvez já. Isso é uma dificuldade.
É uma afirmação da marca, de região e dessas castas…
Marketing e marca.
O clima é hoje um fator de risco em Portugal? No ano passado foi um problema, o que antecipa para este ano?
Antecipo que se não chover é muito mau. Há pouco falei da água. É um fator determinante. Sem água não se consegue produzir. Gostava de deixar aqui bem explícito que é fundamental os viticultores portugueses terem acesso a mais água. Repare no que aconteceu ao Alentejo com o Alqueva, o que aconteceu aos terrenos que hoje em dia estão no perímetro de rega do Alqueva, enquanto outras pessoas que estão, como eu, em Estremoz e não têm acesso a essa água. É uma disparidade total de fatores de produção. Acho que há vários planos, várias barragens… enfim, várias teorias, sim ou não a várias barragens… Quanto mais barragens melhor. Estou-me a lembrar da barragem do Coa. De vez em quando, passo por lá vejo os alicerces de uma barragem… o museu está lá, não estão é as gravuras. Curiosamente as gravuras estão no terreno da Duorum [empresa do grupo João Portugal Ramos], que eu dispenso de boa vontade para irem para o museu.
Voltando ao tema da água, como é que se pode ultrapassar isso? As barragens vão demorar tempo, aliás, de algumas já se disse oficiosamente que provavelmente não serão construídas. Como é que se ultrapassa isso? Fazendo uma gestão mais eficiente?
Nós hoje estamos muito mais orientados para a sustentabilidade, para a reutilização da água. Mas não é suficiente. Repare, estou numa zona em Estremoz, em xistos paupérrimos, propícios à vinha com certeza, mas falta água. As maturações… A água não pressupõe apenas e só um aumento de produção, pressupõe as uvas fazerem o seu ciclo vegetativo na perfeição e chegar à plena maturação, não só dos açucares, mas também dos taninos. E isso só com água.
Sem água não há qualidade?
Acho que não. Ou então há uma qualidade… se me arranjar uma vinha a produzir 1.000 quilos por hectare sem água, talvez consiga fazer algumas… mas não é rentável, tem que haver um compromisso entre o que se consegue fazer com água e que qualidade aguenta essa água. Esse compromisso tem que ser feito. Isso depende de cada um de nós. Nós depois vamos ser julgados, em última análise, à mesa.
Não conheço nenhuma região em Portugal em que não se possa fazer um bom vinho.
A JPR Vinho está em várias regiões do país, Alentejo, Douro, também tem vinhos verdes, e nas Beiras. Classifica estas áreas e estas regiões de forma idêntica do ponto de vista de potencial de crescimento, não só para a sua empresa, mas também para o sector?
Não conheço nenhuma região em Portugal em que não se possa fazer um bom vinho. Tenho dito isto várias vezes. Há regiões cujo potencial já está à vista, outros menos, e outros que têm problemas gravíssimos para resolver, nomeadamente o Douro. O Douro é uma região extraordinária, nisso todos estamos de acordo, mas tem um problema grave para resolver e as pessoas ainda não sabem como nem quando o resolvem…
Que é qual?
É o tal problema difícil das produções. Há uma corrente que defende completamente o vinho do Porto… eu não defendo o Vinho do Porto, nem o Douro, defendo a região do Douro, e a região do douro deve funcionar em uníssono com os dois produtos, os chamados generosos e os vinhos de mesa. Não há aqui uma guerra…
Mas há!
Parece haver.
De quem é a responsabilidade para essa clarificação?
Em princípio o Instituto que regulamenta, o IVDP, que em cadeia vem por aí abaixo com uma série de organismos que opinam, e tem que opinar, que tem que esclarecer. Acho que enquanto tiver este protecionismo da Lei do Terço, ao mesmo tempo que o benefício nestes moldes não vai funcionar, as pessoas vão-se aperceber disso cada vez mais. No limite pode haver vinhas que não sejam tratadas porque a quantidade que está afeta ao benefício está conseguido, digamos o resultado para ambos os intervenientes – o produtor e o transformador – e o resto é indiferente.
Estamos a condicionar o potencial da região do Douro enquanto produtora de vinhos?
Acho que não é fácil condicionar uma região tão rica, com um potencial tão grande. Mas acho que… A curva dos generosos no mundo inteiro tem tendência a descer, a curva do vinho do Porto desce 1% ao ano, enquanto o vinho de mesa do Douro, se for ver os últimos dez anos, cresce a dois dígitos, cresce muito. Isso é uma realidade que tem que ser encarada por todos os intervenientes, quer estejam mais dentro do setor do vinho do Porto ou mais dentro setor do vinho de mesa, que é o nosso caso. Fazemos vinho do Porto como complemento de gama apenas. Não estamos no negócio do vinho do Porto. Aliás, acho que o negócio do vinho do Porto é um negócio impossível por causa das imitações e a tal Lei do Terço. Estão criadas as condições para ser impossível entrar no negócio do vinho do porto. Esta é a minha visão.
Então, o Douro é uma região onde investirá menos do que poderia investir se houvessem outras condições?
Eu investi muitíssimo no Douro. De 2007 para cá plantamos 60 hectares de vinha. Temos vinhas velhas arrendadas. Gostaria de investir à medida das minhas possibilidades. Nesta nossa empresa, que foi criada de raiz, do zero, um investimento tem que ser pensado muitas vezes. Temos feito muitos investimentos, nomeadamente a concentração de engarrafamentos que fizemos agora no Alentejo, e é muito importante. Não se pode investir em todo o lado ao mesmo tempo. Outro exemplo, no Douro só se pode aumentar a área de vinha um hectare ao ano, e este ano abriram excecionalmente para dois hectares.
E com todas essas condicionantes, quais são as prioridades do grupo JPR Vinhos?
As minhas prioridades são no fundo… Estou quase a atingir a reforma, é deixar uma empresa gira, num setor divertidíssimo de trabalhar, que eu gosto imenso, conseguir passar essa mensagem e esse gosto aos meus filhos que já estão comigo.
Portanto, já está a pensar na sucessão.
Claro que já estou a pensar na sucessão. Aliás, senão para que estava a fazer isto tudo? Se não pensasse na sucessão, se calhar já tinha comprado o descanso e tive várias pessoas a querer comprar o meu descanso.
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“É fundamental os viticultores terem acesso a mais água”
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