Rendas acessíveis? “Não vão ter o mínimo sucesso”, dizem proprietários. Inquilinos não conseguem pagar
O Programa de Arrendamento Acessível está aí à porta, mas não conquista inquilinos, muito menos proprietários. Os valores das rendas continuarão a ser elevados e a iniciativa não dinamiza o mercado.
O Governo esforçou-se, mas não conseguiu agradar os inquilinos, muito menos os proprietários. O Programa de Arrendamento Acessível está prestes a entrar em vigor, mas nenhuma das partes acredita no seu sucesso. Inquilinos falam em rendas que continuam a ser incomportáveis para a classe média, enquanto proprietários referem toda a burocratização. Não vai resolver o problema do acesso à habitação, dizem.
“Já se sabe que não acreditamos nisto. Quanto a nós não vai ter o mínimo sucesso”, começou por dizer ao ECO António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), sobre as portarias que foram publicadas esta quinta-feira relativamente ao Programa de Arrendamento Acessível do Governo. “Para já, não há casas e as que aparecem têm rendas relativamente elevadas. E não é pelo facto de os senhorios terem de arrendar a um valor 20% mais baixo que vai compensar em relação ao imposto — porque há senhorios que até pagam menos. Isto não é negócio”.
"O senhorio tem de arranjar um secretário ou um gabinete de apoio para preencher toda a papelada e tem de se sujeitar aos preços que eles inventam.”
Outros dos pontos negativos apontados pela associação é a “burocratização” e a “estatização”. Para António Frias Marques, “o arrendatário tem de contar a vida toda desde pequenino, e o senhorio também tem de se comprometer. O senhorio tem de arranjar um secretário ou um gabinete de apoio para preencher toda a papelada e tem de se sujeitar aos preços que eles inventam“.
“O arrendamento é uma coisa simples”, apela o responsável dos proprietários, explicando que, de um lado estão os senhorios que têm uma casa e precisam de dinheiro e do outro estão os inquilinos que têm dinheiro e precisam de uma casa.
Portugueses não conseguem pagar
Mas o presidente da ANP também se põe na pele dos inquilinos e admite que, mesmo com as rendas ao abrigo deste programa, continuam a ser valores “de tal maneira elevados que, mesmo com a baixa de 20%, os portugueses não conseguem pagar porque os ordenados são muito baixinhos“.
No meio de todo este problema do mercado de arrendamento, há ainda um outro fator que, para os proprietários, convém referir que “em Portugal deixámos de ter fronteiras e Lisboa está inundada de estudantes de Erasmus. Para os familiares destes estudantes, se forem pedidos 1.200 euros por uma casa em Campo de Ourique, eles pagam alegremente porque, mesmo assim, é mais barato do que noutras cidades”.
"A partir do momento em que colocaram no mesmo caldeirão os rendimentos dos portugueses e dos estrangeiros, o que há a fazer não é baixar o preço das rendas, mas subir o valor dos ordenados.”
Assim, só há uma solução: “A partir do momento em que colocaram no mesmo caldeirão os rendimentos dos portugueses e dos estrangeiros, o que há a fazer não é baixar o preço das rendas, mas subir o valor dos ordenados”, afirma António Frias Marques. “Porque, da parte da ANP, que conta com 26 mil associados, duvido que haja o primeiro que faça um contrato através deste sistema“.
Inquilinos falam em lei positiva, “mas insuficiente”
A opinião dos inquilinos vai praticamente no mesmo sentido, assim explica Romão Lavadinho. “Consideramos que esta lei é positiva, mas insuficiente”, diz o presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses ao ECO. “Porque os valores que vão ser cobrados são muito superiores e muito impossíveis de pagar pela classe média com rendimentos baixos”, justifica.
Referindo que os rendimentos médios são de 800 euros mensais, uma família que receba cerca de 1.600 euros por mês não tem condições para pagar uma renda de 900 ou 1.100 euros. “Esta lei só vai ser possível com rendimentos de classe média mais altos, porque para a generalidade das famílias portuguesas é quase impossível aceder a estes valores”.
"Esta lei só vai ser possível com rendimentos de classe média mais altos, porque para a generalidade das famílias portuguesas é quase impossível aceder a estes valores.”
A conclusão é clara, diz o responsável pelos inquilinos, “isto não vem resolver o problema, que é dinamizar o mercado de arrendamento”. A associação refere que a secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, diz que só daqui por cinco ou seis anos vai ser possível tocar em máximos, “mas mesmo os mínimos são quase impossíveis”.
Para Romão Lavadinho, a forma de calcular estas rendas acessíveis também não é melhor. “Já dissemos à secretária de Estado que deveria ser calculado através do valor patrimonial tributário. O valor da mediana na maior parte dos casos é muito elevado”. Do ponto de vista da associação, a taxa de esforço de 35% das famílias — critério de acesso definido pelo Governo — também é “muito elevada”.
Mas também os inquilinos se colocaram no lugar dos proprietários e admitem que, no caso destes, “mesmo os proprietários não estarão muito disponíveis para aplicarem esta legislação, dado que os benefícios que vão ter são insuficientes”, rematou.
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