Tribunal de Contas faz 15 críticas ao fundo que gere donativos de Pedrógão. Falta de transparência é a principal

Auditoria do Tribunal de Contas ao fundo REVITA faz várias críticas à gestão dos donativos. Os critérios não foram claros e a mudança na forma de fazer diagnóstico não garantiu independência.

O Tribunal de Contas (TdC) faz duras críticas ao Fundo REVITA, criado pelo Governo com o objetivo de gerir donativos para as áreas afetadas pelos incêndios de junho de 2017. São 15 os “cartões vermelhos” que resultam da auditoria realizada pela entidade liderada pelo juiz conselheiro Vítor Caldeira, sendo que a maioria resulta dos”défices de transparência” na atribuição dos mais de sete milhões de euros de apoios às populações de Pedrógrão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos.

Logo na adequação do Fundo REVITA enquanto instrumento de assistência humanitária, a auditoria do TdC, ainda que reconhecendo que se observaram os “vários dos princípios e recomendações internacionais aplicáveis à ajuda humanitária”, diz que faltou coordenação, houve falhas nos sistemas de controlo e ataca o modelo de gestão.

  • Não enquadramento do fundo numa política coordenada de assistência com base em donativos solidários;
  • A falta de um regime enquadrador e de um sistema de planeamento dessa assistência;
  • A insuficiência dos sistemas de controlo e de gestão de riscos éticos;
  • Um grau de transparência não satisfatório;
  • E a utilização de um modelo de gestão que, para além de nem sempre ter sido aplicado da forma prevista, não assegurou devidamente princípios de segregação de funções.

O TdC é também crítico da execução do fundo, questionando se o dinheiro foi, efetivamente, entregue às populações afetadas pelos incêndios, mas também diz não estar certo da “eficiência e eficácia da utilização dos fundos”. Alerta, entre outros, para possibilidade de desvios face ao objetivo que é, também ele, “impreciso”.

  • Definiu regras e procedimentos imprecisos sobre a regularidade da execução;
  • Não assegurou que os apoios tenham sido concedidos apenas aos beneficiários e situações que cumpriam os critérios da ajuda;
  • Não se obteve evidência do controlo sobre a conformidade dos custos com os padrões de referência;
  • O grau de imprecisão dos objetivos, a constatação de défices de controlo e a possibilidade de desvios relativamente ao critério definido não permitem concluir pela clara eficácia da ajuda.

A maioria das críticas da entidade liderada pelo juiz conselheiro Vítor Caldeira prende-se, contudo, com as falhas de transparência no fundo criado pelo Governo e gerido em conjunto por Rui Manuel Baptista Fiolhais (representante do Instituto de Segurança Social), António Manuel Mendes Lopes (das Câmaras Municipais) e Joaquim António dos Santos Guardado (das IPSS e Associações Humanitárias de Bombeiros).

“Encontraram-se vários défices de transparência na utilização dos fundos e na execução do Fundo REVITA”, diz a auditoria do TdC, começando por criticar o facto de a comunidade afetada não ter sido “suficientemente envolvida”, para rematar com o “cartão vermelho” à ausência de publicitação da lista de beneficiários mas também dos apoios concedidos.

  • O diagnóstico de necessidades foi modificado sem garantias de independência e multidisciplinaridade;
  • A comunidade afetada não ter sido suficientemente envolvida;
  • Os critérios para a concessão dos apoios não foram claros;
  • As decisões com eficácia externa não foram divulgadas;
  • A lista de beneficiários e apoios concedidos não foi publicitada;
  • As contas prestadas não são também objeto de publicação.

Há, na perspetiva do TdC, várias falhas na gestão dos donativos para ajudar as populações dos incêndios que deflagraram a 17 de junho de 2017, em Escalos Fundeiros, concelho de Pedrógão Grande, e que alastraram depois a concelhos vizinhos, provocou 66 mortos e 253 feridos, sete deles com gravidade, tendo destruído cerca de 500 casas, 261 das quais eram habitações permanentes, e 50 empresas.

Esta catástrofe gerou uma onda de solidariedade, tendo os donativos em dinheiro ascendido a 4.788.886,58 euros, a que acresceram 2,5 milhões de euros concedidos pelo Ministério da Solidariedade e Segurança Social, sendo essas verbas geridas pelo REVITA, Fundo de Apoio às Populações e à Revitalização das Áreas Afetadas pelos incêndios ocorridos em junho de 2017.

Fundos foram, em geral, usados na reconstrução de casas

O REVITA nasceu, pela mão do Governo, para garantir a eficaz distribuição dos donativos. No entanto, duas reportagens (uma da Visão e outra da TVI) revelaram irregularidades na atribuição de fundos para a reconstrução de habitações afetadas, levando o Ministério Público a abrir um inquérito, que resultou este mês na acusação de 28 arguidos.

Há um grau elevado de concretização dos apoios num tempo razoável. [Os apoios foram], em geral, distribuídos para os fins destinados e na proporção das necessidades.

Tribunal de Contas

Desde o início da atividade, segundo o relatório do REVITA divulgado em junho, foram atribuídos fundos para a reconstrução de 259 casas de primeira habitação, sendo que, deste conjunto, 233 já se encontram concluídas e as restantes se encontram em execução. E, diz o TdC, “há montantes de donativos ainda por aplicar, no valor de cerca de 815 mil euros”.

Apesar das críticas, e de recomendar que o REVITA que torne públicas as informações as falta e use as verbas que ainda existem em favor das necessidades, o TdC acrescenta que concluiu ter havido “um grau elevado de concretização dos apoios num tempo razoável” e que esses apoios foram “em geral, distribuídos para os fins destinados e na proporção das necessidades”.

Na lista de recomendações, perante as falhas detetadas, o TdC pede também à Assembleia da República (que pediu a auditoria) e ao Governo um quadro legislativo global que regule a ajuda humanitária e solidária, a definição de um sistema de auxílio à reconstrução e reabilitação em caso de catástrofe e regulamentação sobre a partilha de informação entre entidades.

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