Dois anos depois do incêndio de Pedrógão Grande, estão ainda em curso intervenções em mais de 60 pontos junto às zonas ribeirinhas, para salvaguarda dos ecossistemas.
O incêndio de Pedrógão Grande deixou as ribeiras com cinzas, árvores queimadas e detritos. Dois anos volvidos, removem-se acácias, plantam-se freixos e o silêncio de outrora é substituído pelo coaxar das rãs e pelo canto de pássaros.
Junto à ribeira de Mega, a vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Margarida Guedes, aponta, efusiva, para o som do coaxar das rãs que se ouve numa pequena lagoa rodeada de folhosas. Há dois anos, após o grande incêndio de Pedrógão Grande, o ambiente sonoro era marcado pelo silêncio, pela ausência de qualquer canto de pássaros ou som de outro animal, nota.
Junto às zonas ribeirinhas dos concelhos afetados pelos fogos avançam várias intervenções, com recurso a engenharia natural, para salvaguarda destes ecossistemas, denominados de galerias ripícolas e conhecidos por serem espaços onde a biodiversidade é maior.
Em Pedrógão Grande, a intervenção decorre em mais de 60 pontos em 35 quilómetros das ribeiras de Mega, Nodel e Pera, onde se removem acácias e eucaliptos, árvores queimadas e detritos resultantes dos incêndios, disse à agência Lusa Margarida Guedes.
Na mesma intervenção, plantam-se árvores autóctones como freixos, amieiros e salgueiros, para voltar a garantir ensombramento nas ribeiras (a sombra e a consequente temperatura mais baixa na zona envolvente melhora a qualidade da água). Se no caminho para a ribeira de Mega se assiste ao desordenamento da floresta, essencialmente abandonada, por lá a história é outra.
“Zonas ribeirinhas que antes não podíamos percorrer estão limpas e, estando limpas, é menos um foco de combustível para o futuro, mas também uma motivação para o turismo poder vir e apreciar e perceber que não ficámos parados. As zonas afetadas não ficaram paradas e não deixaram que estes espaços pudessem ser um amontoado de lixo“, salienta a autarca.
“Quem é destas zonas e conhecia estes espaços e viu-os depois dos incêndios só se pode sentir orgulhoso”, acrescenta, considerando que esta intervenção “foi das melhores coisas que se fez” após a passagem do fogo, num projeto que permite garantir água limpa, maior biodiversidade, mas também um laboratório de educação ambiental para as crianças do território.
Também em Figueiró dos Vinhos, os mesmos trabalhos avançam em 35 quilómetros da ribeira de Alge, que percorre o concelho de norte a sul e que desagua no rio Zêzere em plena albufeira de Castelo de Bode, cuja água abastece a grande Lisboa. Por lá, também se cortam invasoras e exóticas, criam-se mini-açudes, muros vivos, paliçadas para suster taludes, tudo com recurso aos próprios detritos e madeira que foram cortando no local.
Aqui, a ideia de intervir na ribeira já tinha começado a ganhar forma antes do grande incêndio de junho de 2017, com a criação do ALGIA, um plano integrado de gestão sustentável da ribeira. “A intervenção nas galerias ripícolas acabou por ser precipitada pelas piores razões”, nota o chefe de gabinete da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Gonçalo Brás.
Identificámos numa zona muitos esquilos onde não pensávamos ver, vimos lontras onde nunca pensávamos que iríamos ver. As espécies já se estão a sentir mais acomodadas nesta zona. Já encontrámos também a rã ibérica e o guarda-rios.
Neste município, a intervenção tem o “duplo mérito não só de resolver um problema criado pelos incêndios, mas também por contribuir para os objetivos do ALGIA”. A intervenção, sublinha Gonçalo Brás, tem também o mérito de potenciar o turismo no concelho, cujos principais pontos de atração, como as Fragas de São Simão, “são um exemplo flagrante da importância da ribeira”.
“É fundamental manter o valor ecológico, ambiental, paisagístico, estético da ribeira de Alge. Sem esse, não é possível trazer visitantes e turistas”, frisou. Pela ribeira, já se notam algumas mudanças, afirmou à Lusa Rui Alves, do serviço de proteção civil da Câmara de Figueiró dos Vinhos.
“Identificámos numa zona muitos esquilos onde não pensávamos ver, vimos lontras onde nunca pensávamos que iríamos ver. As espécies já se estão a sentir mais acomodadas nesta zona. Já encontrámos também a rã ibérica e o guarda-rios”, frisou. Se os animais estão a regressar à região afetada, em algumas zonas esse regresso não está isento de conflito.
Por estes dias, o telefone de Carlos Paiva, presidente do Clube de Caçadores Bairradense, não para de tocar com reclamações de agricultores contra os prejuízos causados por javalis, veados e corsos, que, sem alimento nos montes queimados pelos fogos, descem às aldeias e estragam as culturas.
“Javalis são cada vez mais e todos os dias estão a chover prejuízos”, salienta. Já os coelhos desapareceram, ao contrário das raposas e dos saco-rabos, diz.
Em Nodeirinho, face à ausência de presas naturais, começou a assistir-se a ataques de raposas a capoeiras ou a rodearem os caixotes do lixo à procura de comida, conta João Viola, habitante daquela localidade e jardineiro na Câmara Municipal de Pedrógão Grande.
Dois anos depois, é raro ver cobras e as corujas que nidificavam na torre da capela da aldeia deixaram de se ouvir. Como consequência, “houve uma proliferação de ratos”, que se viram livres de predadores, conta.
Logo após o incêndio, este habitante de Nodeirinho ficou “chocado” com o silêncio à noite, quando era comum ouvir os grilos e os pássaros. “Era um perfeito silêncio. Apenas tudo negro e fumo”, recorda. Ao longo de dois anos, criou espaços para alimentação de pássaros e recolheu restos dos talhos para três corvos e uma águia de asa redonda que sobreviveram ao fogo.
Se após o incêndio, só via um melro, hoje conta cinco casais por Nodeirinho e as aves migratórias já voltaram àquelas bandas. A natureza, nota, está a restabelecer-se pela região e já trouxe alguns momentos de felicidade a João Viola, como quando nesta primavera voltou a ouvir os rouxinóis, dois anos após o fogo e o silêncio que tanto o tinha chocado.
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Pedrógão Grande: À beira das ribeiras, a fauna regressa sem cinzas nem acácias à volta
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