180 dias à experiência? Na OCDE é frequente, mas a polémica está instalada em Portugal
O período experimental de 180 dias não é novidade no Código do Trabalho português, mas a partir de outubro passa a incluir mais trabalhadores. Lá fora, há países que exigem mesmo um ano à experiência.
O alargamento do período experimental para 180 dias para trabalhadores à procura do primeiro emprego e para desempregados de longa duração é uma das normas mais polémicas trazidas pela recente revisão do Código do Trabalho e até levou as bancadas parlamentares mais à esquerda a pedirem ao Tribunal Constitucional (TC) a fiscalização sucessiva desta nova regra. Mas estes 180 dias à experiência nem são uma novidade na lei laboral portuguesa, nem uma raridade entre os restantes países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
De acordo com o Código do Trabalho, o período experimental é o “tempo inicial de execução de um contrato de trabalho”, estando previsto que durante este tempo as partes — isto é, o empregador e o trabalhador — ajam “de modo a que possam apreciar o interesse na manutenção” desse contrato. Ou seja, trata-se de um período para testar se o trabalhador consegue ou não cumprir com sucesso as tarefas para os quais está a ser contratado e para verificar se se “encaixa” na empresa à qual se está a juntar.
Durante este período, o contrato pode ser denunciado por qualquer das partes, sem aviso prévio ou invocação de justa causa, nem direito a indemnização. Se o período experimental tiver durado mais de 60 dias, o empregador tem de dar um aviso prévio de sete dias; mas se tiver durado mais de 120, então o empregador tem de dar um aviso de 15 dias.
De notar que, apesar deste período à experiência poder ser excluído por acordo entre as partes ou reduzido por negociação coletiva, a lei fixa as durações para os diferentes tipos de contrato e durações. Para os contratos a termo, estão previstos 30 dias à experiência, quando a duração dos contrato for de duração igual ou superior a seis meses. Se estiver em causa um contrato de duração inferior a esses seis meses ou se se tratar de um contrato a termo incerto, o período experimental é de 15 dias.
Para os contratos de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental varia entre 90 dias para a generalidade dos trabalhadores e 240 para os trabalhadores que exerçam cargos de direção ou quadros superiores. Os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança são alvo de um período à experiência de 180 dias.
E a partir do primeiro dia de outubro — data em que entram em vigor as novas regras laborais — também os jovens à procura do primeiro emprego e os desempregados de longa duração passam a ter um período experimental de 180 dias, mesmo que se enquadrem na “generalidade” dos trabalhadores, em termos de tipo de função.
Na opinião do PCP, do Bloco de Esquerda e do PEV, tal alargamento viola o princípio da igualdade e da segurança no emprego previstos na Constituição Portugal, daí terem pedido aos juízes do Palácio do Ratton a sua fiscalização. Do lado do Governo, Vieira da Silva tem frisado que este alargamento serve como incentivo à contratação sem termo, já que anteriormente a contratação a prazo era usada como período experimental durante, em alguns casos, vários anos, o que reforçava a precariedade laboral em Portugal.
Instalado o confronto entre Executivo e grupos parlamentares mais à esquerda, cabe agora ao Tribunal Constitucional fazer o tira-teimas. Certo é que, há 11 anos, o Palácio do Ratton decidiu rejeitar um alargamento semelhante do período experimental para os trabalhadores indiferenciados. Na nota que acompanhou a promulgação do novo Código do Trabalho, o Presidente da República salientou, no entanto, que os argumentos usados nessa ocasião não se aplicam à norma que está agora em causa, mas BE, PCP e PEV discordam.
De notar que entre os países da OCDE, o período experimental de 180 dias não é raridade, havendo mesmo países (como a Grécia e a Irlanda) onde o primeiro ano de qualquer contrato sem termo é considerado como tempo à experiência, durante o qual o trabalhador pode ser dispensado sem qualquer compensação.
Na globalidade da OCDE, há, pelo menos, 12 Estados-membros (13 com Portugal) onde se aplica um período experimental de seis meses.
Na Bélgica, é esse o período máximo aplicado aos trabalhadores de “colarinho branco”, enquanto os operários (trabalhadores de “colarinho azul”) ficam à experiência apenas 14 dias. Já os trabalhadores que recebam, anualmente, mais de 37.721 euros brutos (cerca de 3.100 euros a 12 meses) têm um período experimental de até um ano.
Na República Checa, os 180 dias são exigidos aos trabalhadores em posições de gestão, enquanto o máximo para todos os outros é de 90 dias. E no Luxemburgo, os 180 são aplicados a todos os trabalhadores, exceto aqueles que tenham qualificações mais baixas (três meses) ou salários mensais superiores a 4.154,91 euros (12 meses).
Na vizinha Espanha, os 180 dias são reservados para os técnicos qualificados, enquanto os restantes trabalhadores têm um período experimental de 60 dias. E no México, os trabalhadores em posições de gestão têm de ficar à experiência durante os tais seis meses.
Já na Finlândia, na Alemanha, em Itália, na Noruega, na Eslovénia e na Suécia, todos os trabalhadores — independentemente da função que exerçam ou das suas qualificações — são obrigados a um período experimental de, no máximo, 180 dias. O caso sueco é especialmente interessante, já que o próprio período experimental constitui um contrato em si mesmo, findo o qual, se não houver comunicação em contrário, passa a um contrato permanente.
E na Austrália, a diferenciação da duração do período experimental segue não as características do trabalhador ou do cargo a ocupar, mas das empresas. Aliás, a figura do período experimental não está inscrita na lei australiana, mas as empresas podem denunciar os contratos (sem justificação ou compensação) nos primeiros 180 dias — no caso das empresas maiores (com mais de 15 empregados) — ou nos primeiros 365 dias, no caso das empresas menores.
Há, por outro lado, países com períodos experimentais mais curtos. É o caso da Áustria, país onde os trabalhadores ficam, no máximo, 30 dias à experiência, ainda que durante esse período o contrato possa ser denunciado sem qualquer justificação ou aviso. Também na Suíça, o período experimental está fixado nos 30 dias.
Já em França, são exigidos, no máximo, 60 dias à experiência aos trabalhadores “de colarinho branco” e de “colarinho azul”, 90 aos supervisores e técnicos e 120 aos gestores e executivos.
No Canadá, na Hungria, na Islândia, na Nova Zelândia e na Polónia, o limite máximo do período experimental é de 90 dias. Também é de três meses o período experimental mais frequentemente usado nos Estados Unidos, ainda que não esteja legislado.
Na Holanda, a lei laboral não prevê a inclusão obrigatória de um período experimental, mas a maioria das empresas fá-lo, garante a OCDE. E de acordo com o próprio Executivo holandês, este tempo à experiência não pode nunca exceder os dois meses.
No caso holandês, o período experimental só pode ser aplicado aos contratos a termo cuja duração seja superior a seis meses. E se a sua duração for inferior a dois anos, o período à experiência só pode ser de um mês. Os dois meses são reservados para contratos sem termo ou com termo, mas com duração superior a dois anos. Na Holanda, o período experimental não pode ser aplicado em casos de renovação de um contrato para as mesmas responsabilidades e funções, nem de conversação de um contrato a termo para um contrato sem termo.
No Chile, não está previsto qualquer dia à experiência para a generalidade dos trabalhadores. Neste país, só os trabalhadores domésticos são alvo de um período de experiência, neste caso, de duas semanas. Na ausência da figura na lei laboral chilena, as empresas tendem a usar os contratos a termo para este fim (tal como tem acontecido em Portugal, segundo o Governo de António Costa), seguindo-se um contrato sem termo.
Tudo somado, no conjunto da OCDE, a definição do período experimental tende a ocorrer consoante o tipo de função do cargo a ocupar e não de acordo com a situação do trabalhador (por exemplo, ser desempregado há mais de 12 meses ou estar à procura do primeiro emprego), como vai passar a acontecer em Portugal, a partir de 1 de outubro. Mas há exceções: no Luxemburgo, as qualificações dos trabalhadores fazem depender o tempo à experiência e, na Austrália, é a dimensão da empresa a ditar a dimensão deste período.
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