O Guia Michelin e o Gambrinus

Quem criou o Guia Michelin estava preocupado com o facto deste conteúdo ser relevante para os consumidores de pneus, em vez de lhes impingir publicidade sobre pneus na qual não estavam interessados.

Nas últimas semanas, muito se falou do Guia Michelin e das novas estrelas que os cozinheiros portugueses (perdão, “chefs”!) conquistaram. Foram 26 galardões e o melhor resultado de sempre. A opinião pública dividiu-se entre aqueles que como o José António Saraiva acham que o guia “é um insulto à nossa cozinha” e os que acham que aqueles que pensam como o José António Saraiva são uns parolos.

Este é o tipo de discussão em que não sei que partido tomar. Quem me conhece sabe bem que deliro com o arroz de cabrito do Gambrinus, com a mesma felicidade e entusiasmo com que me deixo levar pelas mãos de um qualquer artesão da “nouvelle cousine”. No fundo sou um bom garfo, no corpo e está visto que também na mente.

A única coisa que me podia deixar verdadeiramente incomodado era se um destes dias o Gambrinus visse a sua existência ameaçada porque de repente toda gente se tinha virado para os novos “chefs”. Até lá não tomo partido, até porque guardo uma frase que um publicitário muito melhor sucedido que eu me disse um dia: “para ir ao Gambrinus é preciso perceber as várias camadas de verniz que aquelas mesas têm”. Tenho para comigo que se não é para todos, então é porque é bom.

Mas o objetivo desta crónica não é falar sobre comida. Mas antes sobre o mais belo, duradouro e bem-sucedido caso de branded content da publicidade mundial. Um guia de restaurantes para camionistas, que evoluiu para se tornar a bíblia da gastronomia mundial. Uma distinção pela qual milhares de profissionais trabalham todos os dias e um livro de uma marca de pneus que “foodies” (hipsters com jeito para fotografar comida) compram religiosamente todos os anos.

Num país em que infelizmente ainda há mais product placement (produtos metidos à patada em novelas) do que verdadeiro branded content, todos devíamos reflectir sobre este fenómeno.

Mas afinal qual será a chave deste sucesso? Parece-me óbvio: esta é uma boa peça de conteúdo de marca, altamente bem direcionada ao seu público e onde não sei impinge o produto que tentamos vender. Ou seja, quem criou o Guia Michelin estava preocupado com o facto de este conteúdo ser relevante para os consumidores de pneus, em vez de se preocupar em comprar a atenção dos consumidores de pneus, impingindo-lhes publicidade sobre pneus que eles não estavam interessados em ver.

Muitas vezes quando pensamos em branded content pensamos em filmes – deixem-me dizer-vos que esta lógica não podia estar mais errada. Num mundo em que tudo é entretenimento, toda a publicidade pode ser transformada também em bom conteúdo de marca. O que realmente menos importa neste processo é o meio que utilizamos para comunicar com a nossa audiência: branded content pode ser um jogo, um filme, um programa de rádio, uma coluna no ECO, um livro, uma peça de teatro e tudo aquilo que nos consiga entreter.

Por exemplo, caso sejam pessoas atentas devem ter reparado que até agora referi-me três vezes (com esta quatro) ao Gambrinus, meti-o no título da crónica e ainda elogiei o seu arroz de cabrito. Isto num jornal lido por target que vai ao Gambrinus e sobre um tema (Guia Michelin) que faz sentido para esta audiência. Não sendo esta crónica um grande exemplo de branded content, já me faz certamente merecer um belo de um Crepe Suzzete da próxima vez que lá for.

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