Já se perdeu no inquérito à CGD? Quem disse o quê
A comissão de inquérito à CGD já contou com a presença de cinco envolvidos na gestão do banco. Até ao final do ano faltam dois e, em janeiro, há pelo menos um por semana. Saiba o que já foi dito.
Caixa Geral de Depósitos (CGD). A mesma comissão de inquérito, mas um novo round. Já foram ouvidos cinco responsáveis, sendo agora a vez de Manuela Ferreira Leite e, até ao final do ano, os deputados também vão ouvir Bagão Félix. Em janeiro, há pelo menos uma comissão por semana. Muita informação? O ECO antecipa-lhe o calendário das audições, mas conta-lhe também o que já foi dito até agora.
Foi em junho que o Governo de António Costa anunciou que estava a negociar com a Comissão Europeia um plano de recapitalização para a CGD. O objetivo seria libertar o banco estatal da carteira de crédito em risco e dos elevados custos que estão a pesar na rendibilidade da Caixa. Mas como é que o banco chegou aqui? É isso que os deputados querem saber na comissão de inquérito que arrancou em julho.
A comissão à recapitalização e gestão da CGD começou com José de Matos, presidente do banco público durante cinco anos e que foi substituído inicialmente por António Domingues — cargo para o qual foi, entretanto, escolhido Paulo Macedo. Na primeira sessão, José de Matos admitiu não ter o “mínimo orgulho em ter assinado os prejuízos da Caixa”.
Segundo o antigo presidente da Caixa, “através da implementação do programa de reestruturação a CGD conseguiu mitigar parte relevante dos desvios de capitais”, especificando que a palavra “desvios” devia ser entendida única e exclusivamente como a diferença para os novos rácios de capital. Uma palavra que levantou dúvidas depois de o ministro das Finanças ter dito que o Executivo de Passos Coelho era responsável por “um desvio no plano de negócios da CGD superior a três mil milhões de euros”.
A oposição não perdoou e acusou Centeno de criar mais instabilidade. A palavra “desvio” podia ser entendida como um “buraco” no banco público.
"Há um desvio enormíssimo no plano de negócios que o Governo anterior geriu com a CGD que atinge verbas superiores a 3.000 milhões de euros. É necessário alterar este rumo de coisas”
Um desvio, ou “buraco”, que levou a troika a tentar privatizar o banco público. Na comissão que se seguiu, Carlos Costa não desmentiu que a troika tentou privatizar a CGD durante a negociação do memorando que sustentou o programa de ajuda financeira a Portugal. Mas o governador do Banco de Portugal garantiu que “os negociadores da parte portuguesa souberam salvaguardar o interesse nacional”.
Mas afinal qual desvio? Ou será “buraco”?
Este desvio teve que ser explicado por quem lançou esta questão. Quando foi a sua vez de responder aos deputados, Mário Centeno disse que o valor avançado de três mil milhões de euros não é um “buraco” mas sim a diferença entre uma estimativa e o resultado do exercício.
“Por análise da diferença entre o resultado operacional previsto inicialmente e o esperado para o final do plano de restruturação em 2017, a perspetiva é de uma diferença de cerca de 3.000 milhões de euros. Foi a este desvio que me referi. É uma diferença entre um plano e a sua execução. E é assim que deve ser entendido e interpretado”, explicou o ministro das Finanças.
Na mesma comissão, Centeno referiu ainda que “o que o Governo pretende realizar na CGD é um projeto que acredita ser único na história da instituição e que contribuirá para o reforço da credibilidade da CGD, que se propagará no sistema financeiro nacional e consequentemente na economia portuguesa”.
Um projeto que teve luz verde da Comissão Europeia em dezembro. O objetivo é levar a CGD a utilizar reservas livres e legais, no montante global de 1,4 mil milhões, um aumento do capital social de 5,9 para pelo menos 7,3 mil milhões de euros e, por fim, uma redução de capital pelo montante de seis mil milhões de euros, mediante a extinção de 1,2 mil milhões de ações com o valor nominal de 5 euros cada.
António Domingues: CGD tem de cortar custos
Quando confrontado com esta situação financeira difícil, António Domingues disse na comissão de inquérito que a CGD precisa de cortar mais custos, uma vez que está aquém dos bancos rivais. Desde 2010, “os bancos fizeram um grande esforço, mas, no conjunto, os custos caíram 15%. Na CGD, recuaram 9%”, nota o responsável pelo banco estatal na comissão parlamentar criada para analisar os motivos para a situação atual da CGD.
Mas também deixou claro que nunca foi incumbido de fazer a auditoria ao banco aprovada pelo Governo em junho, mas que nunca chegou a avançar. “Não fui formalmente incumbido de fazer essa auditoria”, disse Domingues, que foi inicialmente escolhido para ser o presidente da CGD, mas acabou por renunciar ao cargo. O ex-BPI acabou por se ver envolvido numa polémica devido à entrega das declarações de rendimento e património da nova administração da Caixa. António Domingues deixou claro desde o início que não aceitaria o cargo se fosse obrigado a entregar as declarações ao Tribunal Constitucional, o que acabou por acontecer.
Oliveira Martins: Governo nunca deu indicações de política bancária
Guilherme d’Oliveira Martins diz que nem o ministro das Finanças nem o Governo deram quaisquer orientações à administração da CGD em matéria de política bancária. O então ministro da Presidência, ocupando posteriormente a pasta das Finanças entre 1999 e 2002, diz ainda que a relação que tinha com os membros do banco estatal era sempre exclusivamente com os seus presidentes. Declarações que foram feitas no dia em que o Tribunal de Contas acusa o Ministério das Finanças de não ter controlado o banco estatal.
“Devo dizer que nunca o ministro das Finanças ou o Governo deram quaisquer orientações à administração da CGD em matéria de política bancária. A única indicação que existiu foi de cumprimento da lei”, refere Guilherme d’Oliveira Martins aos deputados na comissão de inquérito. “A única indicação que [o então presidente da CGD] António Sousa tinha era a de transparência.”
Mais uma comissão, mais uma voltinha
Até ao final do ano ainda há espaço para duas comissões de inquérito. Hoje é a vez de Manuela Ferreira Leite, na qualidade de ex-ministra das Finanças, ir à Assembleia da República esclarecer o seu papel na gestão da CGD, às 15h00. No dia 20 de dezembro, à mesma hora, será Bagão Félix a dirigir-se à comissão de inquérito, também enquanto ex-ministro das Finanças.
Depois de um breve intervalo para o Natal, a comissão continua em janeiro. Aqui fica o calendário:
- 3 de janeiro – António José de Sousa (ex-presidente do conselho de administração da CGD);
- 5 de janeiro – Luís Campos e Cunha (ministro das Finanças no Governo de José Sócrates);
- 10 de janeiro – Teixeira dos Santos (ministro das Finanças no Governo de José Sócrates);
- 12 de janeiro – Vítor Martins (ex-presidente do conselho de administração da CGD);
- 17 de janeiro – Carlos Santos Ferreira (ex-presidente do conselho de administração da CGD).
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