Angola vive em “instabilidade” e precisa mostrar que é um Estado de Direito, diz Isabel dos Santos
“Hoje este clima não é de confiança para os investidores poderem investir e para continuarmos a apostar”, diz Isabel dos Santos. Considera difíceis os processos que envolvem elementos próximos.
A empresária angolana Isabel dos Santos afirmou à Lusa que o atual clima de “instabilidade” em Angola não é de confiança para os investidores e que é necessário assegurar que é um Estado de Direito “com separação de poderes”.
“Estão a viver-se momentos difíceis, não há dúvida. Estamos a viver momentos de grandes dúvidas e o que é fundamental e importante é que se respeite o Estado de Direito. É muito importante que se respeitem as leis, é muito importante que não haja atropelos entre os três poderes, que as pessoas tenham confiança na Justiça”, começou por explicar a empresária, filha do ex-chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos.
Estão a viver-se momentos difíceis, não há dúvida. Estamos a viver momentos de grandes dúvidas e o que é fundamental e importante é que se respeite o Estado de Direito. É muito importante que se respeitem as leis.
Em entrevista à agência Lusa, à margem da visita que realizou a Cabo Verde nos últimos dias, a empresária mostrou-se preocupada com os vários casos judiciais, mediáticos, em curso ou em investigação atualmente em Angola, a generalidade envolvendo elementos próximos do anterior Presidente da República e já apelidados por alguma opinião pública, como a própria Isabel dos Santos reconheceu, como uma caça às bruxas.
“Esses processos não são fáceis. Hoje, a título de exemplo, depois da minha saída da Sonangol [presidente do conselho de administração entre junho de 2016 e novembro de 2017], houve vários relatos na ‘media’ de possíveis inquéritos, processos ou inquietações, mas foram na ‘media’. E aí nós vivemos num clima de especulação entre o que vem na ‘media’ e o que efetivamente acontece ou não na realidade, o que cria muita confusão. Era importante, era bom haver um bocadinho mais de clareza do que se está a passar, porque as pessoas sentem que há confusão, que há muita informação que não é clara”, apontou a empresária.
“Portanto, há aqui alguma instabilidade que inspira uma falta de confiança”, criticou.
Ao mesmo tempo, sublinha a preocupação com o pedido de renúncia ao cargo de presidente do Tribunal Supremo de Angola, apresentado este mês pelo juiz Rui Ferreira, que o próprio justificou com uma “campanha intensa e cruel de mentiras, deturpação de factos, intrigas, calúnias e insultos”.
“Como é que é possível haver campanhas de difamação ou de calúnia até ao ponto de um presidente de um Tribunal Supremo, que é um órgão importantíssimo, sentir a necessidade de não continuar no cargo que estava indicado para cinco anos. Eu acho que isso não é bom. Não transmite confiança aos investidores”, comentou Isabel dos Santos.
Como é que é possível haver campanhas de difamação ou de calúnia até ao ponto de um presidente de um Tribunal Supremo, que é um órgão importantíssimo, sentir a necessidade de não continuar no cargo que estava indicado para cinco anos.
Considerada pela BBC uma das 100 mulheres mais influentes no mundo, Isabel dos Santos acrescenta que este episódio com Rui Ferreira – que, então juiz presidente do Tribunal Constitucional, deu posse a João Lourenço, em setembro de 2017, como novo Presidente da República – “não transmite confiança às pessoas” em Angola.
“Hoje este clima não é de confiança para os investidores poderem investir e para continuarmos a apostar”, sublinhou, insistindo que é urgente “assegurar às pessoas que existe um Estado de Direito” em Angola e “que existe efetivamente a separação dos poderes”: “Que não há intervenção de um poder legislativo com os outros poderes, isso acho que vai ser um mudança muito importante de paradigma”.
Ainda assim, garante que o processo de “transição eleitoral” em Angola – em 2017, após o pai, José Eduardo dos Santos, ter deixado o poder, ao fim de 38 anos – “foi pacífico”.
“E é um exemplo em África de democracia, que é possível termos eleições democráticas, é possível haver uma passagem de poder pacífica. Eu acho que aí, o ex-Presidente José Eduardo dos Santos esteve muito bem porque inspirou outros líderes africanos que África também tem que ter essa tradição. Para nós, tem que ser normal haver eleições, tem que ser normal a passagem do poder. Mesmo que ele vá para um outro partido”, disse.
Já sobre a governação em Angola, ao fim de dois anos de mandato de João Lourenço, a filha de José Eduardo dos Santos admite que o cenário é de uma “crise económica muito complicada”.
“Reparamos que a nossa economia desde 2017, 2018, 2019 entrou num ciclo muito negativo. Isto é preocupante. A mim preocupa-me. Eu gostava de ver uma economia mais positiva, gostava de ver algumas decisões a serem tomadas que possam mudar o quadro e que consigam levantar potencial que Angola tem e conseguir das aos angolanos oportunidade de terem uma vida melhor, uma vida boa”, sublinhou ainda.
A nossa economia desde 2017, 2018, 2019 entrou num ciclo muito negativo. Isto é preocupante. A mim preocupa-me. Gostava de ver uma economia mais positiva.
Apesar deste cenário, Isabel dos Santos prometeu que vai continuar a investir em Angola – onde tem interesses na indústria, das bebidas aos cimentos, na distribuição e nas telecomunicações, entre outras atividades -, embora o faça agora de forma mais “tímida”, devido à crise: “Nós continuamos a investir. Este ano abrimos um novo estúdio, estamos agora a construir uma fábrica, que vai ser uma das maiores fábricas de vidro do país, estamos a olhar também para investimentos no setor agrícola. Continuamos a investir. É difícil investir hoje em Angola porque temos um problema de rentabilidade grande, o poder de consumo baixou, as pessoas compram muito menos do que compravam antes, as taxas de juros são elevadas”.
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