Pagar para mentir

A mundividência de Mark Zuckerberg resume-se à sua carteira: desde que paguem, os políticos podem mentir à vontade no Facebook e chegar a mais utilizadores para melhor os enganar.

O Facebook acaba de anunciar que não vai verificar a veracidade do discurso político veiculado na publicidade que passa na sua plataforma. É uma decisão que vai contra o anunciado esforço em limitar o impacto de mentiras e de desinformação na rede social. Há uma e uma só razão para Zuckerberg tomar esta decisão: o dinheiro. Se os políticos fossem obrigados a dizer a verdade, iam comprar menos anúncios – logo, o Facebook teria menos publicidade e Zuckerberg ia ganhar menos. Agora ficou tudo claro. O Facebook é a plataforma em que quem tem mais dinheiro fala mais alto – e onde quem está disposto a mentir só precisa de pagar para propagar uma mensagem violentamente falsa.

As eleições presidenciais americanas estão a um ano de distância, as inglesas estarão ainda mais próximas. 2020 trará lucros gloriosos para o Facebook, que se irá banquetear com todas as manobras de desinformação pagas pelos candidatos que mais meios têm para lutar pelo poder. É o perfeito convite à mentira e o corolário da subversão absoluta do espaço público. A verdade é que, com isto, Zuckerberg matou o espaço público digital a tiros de bazuca – bazuca essa comprada numa promoção anunciada pela NRA no Facebook.

Para que se fique com uma ideia, só no último mês a campanha Trump terá gasto perto de quatro milhões de dólares na rede social, grande parte deles a promover mentiras sobre a questão ucraniana. Este é o património que interessa manter, até porque interessa aos dois lados: a Trump porque chega a quem quer nessa máquina perfeita de estimular emoções e ao Facebook porque continua a aumentar os lucros. Por isso é que a reunião discreta que ambos tiveram na Casa Branca correu tão bem.

A ganância de Zuckerberg só tem paralelo na demagogia dos argumentos que usa para a defender. E esta semana mostrou que consegue ser tão desavergonhado como o presidente do seu país: o CEO do Facebook foi à Universidade de Georgetown defender o Facebook como um campeão da liberdade de expressão, recorrendo até ao exemplo de Martin Luther King para promover a sua visão. Ao mesmo tempo, começou a tentar reescrever a sua própria história, dando a entender que fundou a rede social para promover debates sobre a guerra do Iraque – quando é sabido que o fez apenas para criar um ranking das alunas de Harvard.

Zuckerberg não precisa de pedir desculpa por sacar dinheiro aos incautos e abusar da nossa estupidez. Nós é que temos de pedir desculpa uns aos outros: porque não elegemos governantes capazes de limitar o poder desmesurado desta rede monopolista; porque perdemos lá demasiado tempo e oferecemos demasiada informação; porque acreditamos no que lá lemos, abdicando de refletir e pensar pela própria cabeça. Que meio planeta perca tempo numa plataforma onde se sabe à partida que grande parte da informação que lá circula é falsa e que essa plataforma subsiste por garantir que os seus utilizadores são bombardeados com essa mesma informação falsa já não é masoquismo, é mesmo idiotice.

Ler Mais: como funciona a dinâmica social dos factos alternativos? Esta é a pergunta a que Cailin O’Connor e James Weatherall respondem no livro chamado The Misinformation Age. É uma excelente dissecação da propagação das mentiras na sociedade, explicando a importância dos fatores de desigualdade social nesta questão – e reforçando que este é antes de mais um problema de liberdade.

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