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  • Vasco Gandra, em Bruxelas

Coesão? “Temos em cima da mesa propostas muito pouco ambiciosas”

Pedro Marques confessa-se "apreensivo" com o orçamento plurianual para 2021-2027. Defende mais verbas para a coesão. E quer ir buscá-las através de taxas sobre os gigantes do digital.

Foi com popa e circunstância que Mário Centeno, no Eurogrupo, anunciou o habemus deal para o instrumento orçamental para a convergência e competitividade. Houve acordo, mas Pedro Marques desvaloriza o feito. Diz que ficou “frustrado”, embora rejeite culpas ao ministro das Finanças português. Já sobre o orçamento plurianual para 2021-2027, o eurodeputado do PS mostra-se “apreensivo”.

“Temos em cima da mesa propostas muito pouco ambiciosas, em termos da ambição do que queremos para o futuro da Europa. Propostas muito restritivas, ainda por cima num contexto de saída de um Estado-membro contribuinte líquido, o Reino Unido”, diz Pedro Marques, em entrevista ao ECO.

Saúda o governo, o primeiro-ministro e o grupo dos Amigos de Coesão por terem sido “muito claros ao dizerem que rejeitavam quer a proposta da presidência finlandesa, quer a proposta de ainda maiores cortes que outros países fizeram em relação ao orçamento europeu”. Diz que é preciso acabar com a “lógica de fazer mais com menos em que se acaba na prática de facto a fazer menos”.

Defende mais verbas, socorrendo-se em novos mecanismos de financiamento para se assegura que não se põe em causa o financiamento da política de convergência europeia. Taxar os gigantes do digital é uma das formas de obter essas verbas adicionais.

O instrumento orçamental para a convergência e competitividade não assumirá as funções nem terá a dimensão que países como Portugal pretendiam. É um flop?

Vi com muita frustração, para ser claro, aquilo que foi decidido no Eurogrupo em relação ao instrumento orçamental para a convergência e competitividade. Está muito longe do que nós precisamos para promover uma efetiva convergência a nível europeu. A sua dimensão orçamental nem sequer ainda está definida, mas a forma como serão distribuídos os recursos pelos Estados membros faz com que a maior parte vá para os grandes Estados da União Europeia. Não é, certamente, um instrumento da promoção da convergência ao nível europeu e não tem a função de estabilidade que deve ter o orçamento da Zona Euro.

Aquilo em que tenho mais esperança que possa ser um instrumento de estabilidade da Zona Euro será muito mais a proposta que a presidente-eleita da Comissão apresentou — o tal resseguro dos subsídios de desemprego a nível europeu –, do que aquilo que até agora foi decidido ao nível do Eurogrupo. Do Eurogrupo, a proposta ainda tem que passar para o Conselho e fará o seu caminho legislativo, e o Parlamento também terá uma palavra a dizer. Mas estamos apenas no princípio. Tudo, ou quase tudo, na União Europeia tem sido decidido numa política de pequenos passos. A ideia de um orçamento da Zona Euro é absolutamente decisiva. Este instrumento é um primeiro pequeno passo. Mas este primeiro passo deixou ainda muita frustração.

Diz que esse pequeno passo deixa frustração. Atribui a pouca ambição a quem? Ao presidente do Eurogrupo, Mário Centeno?

Não. A um conjunto de países do centro da Europa. Eu ainda estava no governo e acompanhei este processo, juntamente com o primeiro-ministro e com o ministro das Finanças, e fiz parte da equipa de coordenação deste dossiê. Percebi sempre as resistências enormes que havia nos países do centro da Europa em relação à criação de um instrumento de estabilidade e convergência neste embrião do que chamamos um orçamento da Zona Euro. E, de facto, os passos que foram dados posteriormente quando eu já estava aqui no Parlamento Europeu não foram no sentido que deveriam. Mas ao mesmo tempo que isto acontecia, a presidente-eleita da Comissão propunha um instrumento de mutualização — e portanto de estabilização — dos subsídios de desemprego. É ainda um enunciado político mas é muito significativo que esteja entre as prioridades da presidente-eleita.

O instrumento orçamental vai servir para financiar reformas a realizar pelos Estados-membros. Que tipo de reformas em Portugal?

O conceito de reformas estruturais tem sido muito gasto ao longo dos anos, esteve associado a retirar ou reduzir direitos sociais. No nosso país, na área da descarbonização temos ainda muito caminho para fazer. Na área da energia liderámos muitas transformações mas é um caminho que ainda não está concluído. Na área dos transportes temos que caminhar mais para o transporte coletivo — precisamos de um grande plano de ação nesta área.

Temos caminho para fazer ao nível da competitividade das nossas empresas e de uma economia mais digitalizada. O reforço da sustentabilidade da nossa economia e do paradigma da digitalização são dois exemplos em que o país tem muito caminho para fazer. Encontraremos muito suporte para isso também nos chamados fundos estruturais. Tudo isto são reformas estruturais não para tirar direitos mas permitir que o país continue a avançar.

Como é que vê o atual impasse nas negociações do orçamento plurianual para 2021-2027?

Vejo com muita apreensão. Temos em cima da mesa propostas muito pouco ambiciosas, em termos da ambição do que queremos para o futuro da Europa. Propostas muito restritivas, ainda por cima num contexto de saída de um Estado-membro contribuinte líquido, o Reino Unido. Aqui no Parlamento Europeu já reiterámos o que vinha da legislatura anterior em relação a um orçamento à altura dos desafios da União Europeia. E com uma mensagem que me parece realmente clara: se há novas prioridades, e há novas prioridades enunciadas pela presidente-eleita, então têm que ser acompanhadas de novos recursos.

"É preciso vontade política para fazer diferente e não esta lógica de fazer mais com menos em que se acaba na prática de facto a fazer menos.”

Pedro Marques

Eurodeputado do PS

Não podemos pensar que vamos pegar num orçamento igual ou menor do que tivemos nos últimos sete anos e fazer tudo o que fazíamos mais todas as prioridades novas. Isso é inaceitável. Batemo-nos aqui no Parlamento e queria saudar a posição do governo português no grupo dos Amigos da Coesão que apresentou uma proposta de compromisso no sentido de as políticas ditas tradicionais [coesão e PAC] não serem penalizadas pela ambição de cumprir novas prioridades que são muito importantes — descarbonização, digitalização, migrações –, mas não podem ser feitas à conta das políticas que são a base de coesão do projeto europeu.

O governo português não deve aceitar nenhuma redução do orçamento, recorrendo ao veto se for caso disso?

Gosto pouco de usar a ameaça do veto porque acho que isso não é forma de negociar. Mas o governo, o primeiro-ministro e o grupo dos Amigos de Coesão foram muito claros ao dizerem que rejeitavam quer a proposta da presidência finlandesa, quer a proposta de ainda maiores cortes que outros países fizeram em relação ao orçamento europeu. Vejo como muito mais razoável o que responsáveis alemães dizem ao defenderem um orçamento restritivo mas em que estão disponíveis para encontrar novos financiamentos para as novas prioridades. É um caminho que podemos tentar fazer. Se encontrarmos para essas políticas novos mecanismos de financiamento asseguramos que não se põe em causa o financiamento da política de convergência europeia.

Falemos então de recursos próprios, de novas receitas para a UE. Que tipo de novos recursos podem ser acordados rapidamente?

Em cima da mesa estão há muitos anos, com acordo entre vários países, mas sem concretização, a questão da taxa sobre as transações financeiras, a taxa sobre os gigantes do digital, porque prestam serviços onde não têm a sua residência fiscal e conseguem evitar o pagamento de centenas de milhões em impostos, e do imposto de fronteira em relação às emissões de CO2, para garantir que se importarmos de fora da União Europeia bens produzidos de forma poluente haver uma compensação para se evitar a concorrência desleal. São exemplos concretos, bem como a discussão do alinhamento das bases fiscais. É preciso vontade política para fazer diferente e não esta lógica de fazer mais com menos em que se acaba na prática de facto a fazer menos.

O governo, o primeiro-ministro e o grupo dos Amigos de Coesão foram muito claros ao dizerem que rejeitavam quer a proposta da presidência finlandesa, quer a proposta de ainda maiores cortes que outros países fizeram em relação ao orçamento europeu.

Pedro Marques

Eurodeputado do PS

Mas dessas opções, qual pode reunir rapidamente consenso?

Não tem sido fácil gerar esse consenso. O trabalho está mais avançado na questão das bases tributárias comuns, em particular no contexto da economia digital. Há um maior consenso político geral em relação às tributações “amigas” do ambiente que permitem fomentar a economia “verde”, a descarbonização. É ainda cedo para dizer por onde vamos caminhar. Diria que o primeiro e grande desafio é que os Estados-membros se ponham de acordo sobre a necessidade de recursos adicionais.

  • Vasco Gandra, em Bruxelas

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