Dívida pública portuguesa verde poderá beneficiar de um "greenium", o prémio associado a estes ativos, numa altura de forte crescimento para este segmento do mercado de obrigações.
Portugal está, há mais de um ano, a preparar uma emissão de green bonds, títulos de dívida pública com objetivos sustentáveis. O crescente entusiasmo dos investidores por este instrumento poderá levar a uma forte procura e a um juro mais baixo devido ao greenium. É esta a convicção de David García Rubio, diretor de investimento socialmente responsável (ISR), e Carmen Borondo, gestora especializada em green bonds, ambos da gestora de ativos Santander Asset Management.
Em entrevista ao ECO, os dois especialistas dizem esperar um contínuo crescimento do dinheiro verde, que acreditam tem vantagens tanto para emitentes como para investidores. Apesar do forte peso dos institucionais, o ISR interessa já também ao retalho, com o fundo lançado pelo Santander em Portugal a liderar a captação de poupanças entre os produtos do grupo.
O investimento socialmente responsável parece ter tido um boom em 2019. Como veem a evolução deste mercado? Em que ponto estamos neste momento?
DGR: O investimento socialmente responsável já é responsável por 30 biliões de dólares e tem tido um forte crescimento nos últimos anos. Consideramos que este crescimento vai manter-se porque há muitos sinais que o indicam, nomeadamente o plano de finanças sustentáveis da União Europeia, que vai afetar a indústria da gestão de ativos e impulsionar este tipo de investimento. Também o forte compromisso das empresas e das gestoras de ativos para incorporar estes critérios [ambientais, sociais e de governo de sociedades ou ESG na sigla em inglês] dentro das estratégias de investimento. E a forte procura que se vê entre os investidores. No centro da Europa já representa entre 25% e 30% de todos os investimentos. Em Portugal e Espanha, as percentagens são menores, mas acreditamos que vão crescer.
Portugal e Espanha estão a ficar para trás nesta tendência? Porquê?
DGR: Sim, estão. Penso que é porque nos restantes países europeus o crescimento está a acontecer especialmente entre os investidores institucionais que têm mais peso do que em Portugal e Espanha. Entre os investidores de retalho, só começaram a pensar neste tipo de investimento nos últimos quatro ou cinco anos. Isso fez com que, em Portugal e Espanha, as gestoras de ativos ainda estão a começar a criar produtos para oferecer a este tipo de clientes.
Em mercado secundário, as green bonds têm um comportamento melhor e são mais resistentes em momentos de volatilidade, o que favorece o investidor.
E o mercado de green bonds? Como é que tem evoluído?
CB: Pela minha experiência como gestora de fundos de investimento, especialmente green bonds, diria que o mercado cresceu exponencialmente e o futuro vai trazer ainda mais boas notícias. Vamos fechar o ano com mais de 200 mil milhões de dólares em emissões em mercado primário. É um montante muito elevado, mas representa apenas 2% de toda a dívida emitida. Este mercado é muito promissor.
O setor privado está a entrar nesta tendência e há muitos setores e muitas empresas que estou confiante que vão querer entrar. Do ponto de vista das obrigações, os emissores são muito ativos. Em Portugal, a EDP já tem green bonds e, em Espanha, a Iberdrola é um dos participantes mais ativos do mercado.
Quais são os benefícios dos emitentes de incorporarem critérios ESG ou emitirem green bonds?
CB: Do ponto de vista do emitente de green bonds, a primeira vantagem é a diversificação e aumento da base de investidores. Por outro lado, é uma forma de se posicionar estrategicamente ao incorporar estes fatores extra-financeiros, que acreditamos que são muito importantes. E também há uma procura tão grande que se conseguem bid-to-covers (rácio entre a procura e a oferta) muito superiores à conseguida com obrigações tradicionais.
E as taxas de juro? Já compensam face à dívida tradicional?
CB: Depende do momento do mercado e do nível do emissor, mas atualmente as green bonds estão a ter taxas de juro em linha com as obrigações normais em mercado primário porque é a mesma empresa e, portanto, o mesmo risco. Mas em mercado secundário, as green bonds têm um comportamento melhor e são mais resistentes em momentos de volatilidade, o que favorece o investidor.
O Governo português já disse que está a preparar uma emissão de green bonds. Esperam que aconteça a curto prazo? Quais seriam as vantagens para o financiamento?
CB: Holanda e França já o fizeram e, sim, estamos à espera dessa atividade tanto do Governo de Espanha como de Portugal. Pensamos que, quando acontecer, a procura por este ativo será muito superior a uma emissão de obrigações normais. Daria uma visão do ponto de vista estratégico de como se está a posicionar o país, em termos internacionais.
Portugal financia-se atualmente a dez anos com taxas abaixo de 0,5%. Poderia conseguir juros mais baixos numa emissão de green bonds?
CB: Talvez, sim. Poderia perfeitamente porque há maior procura. Tecnicamente chama-se greenium, que é a diferença entre uma obrigação standard e uma green bond. Atualmente, em mercado secundário e dependendo do emitente, pode ser entre 3 e 5 pontos base. Depende do momento do mercado e da situação financeira, mas num momento de mercado com grande procura, Portugal pode ter um greenium de 5 pontos base.
A nível privado, de que setores ou empresas esperam mais emissões de green bonds?
CB: Globalmente, o setor privado é a parte mais ativa do mercado. As empresas têm liderado as emissões, seguidas dos bancos. Todavia, dentro das empresas, há diferentes setores. É o caso do packaging, que tem a ver com plásticos, onde faltam participantes mais ativos. Também no consumo vemos um papel muito importante, mas ainda escasso. Neste momento, como seria de esperar, o setor predominante é o das utilities, como energias renováveis porque é um dos temas mais importantes quando se fala de alterações climáticas. Mas esperamos que haja mais atividade noutros setores, como consumo. Ou também nos seguros.
Em Portugal, lançámos este ano o fundo de investimento sustentável e já captou 100 milhões de euros. Este e outro fundo são os que estão a captar mais dinheiro em todo o grupo.
O Santander tem metas de gestão de ativos com critérios ESG?
DGR: Não. A Santander Asset Management tem 3 mil milhões de euros em fundos de investimento sustentável, principalmente em Espanha. Em Portugal, lançámos este ano o fundo e já captou 100 milhões de euros. Este e outro fundo são os que estão a captar mais dinheiro em todo o grupo.
O nosso objetivo é continuar a explorar as nossas capacidades de investimento socialmente responsável e integrar nos processos de investimento a informação para que os nossos gestores avaliem a performance ESG, como lhe chamamos nas escolhas de investimento. Na Europa e a nível global o que vemos são indicadores de que se está a criar um ecossistema que vai favorecer a implementação deste tipo de investimento.
Do ponto de vista do investidor, qual é o interesse?
DGR: Do ponto de visto da criação de valor, a combinação de informação extra-financeira — de critérios ambientais, sociais e de governo de sociedades — com a análise financeira, temos uma visão mais completa das empresas, o que nos ajuda a identificar riscos e oportunidades e tomar decisões de investimento mais informadas.
CB: Estes fundos têm uma base económica e financeira, que é estudada para que seja um investimento rentável para os nossos clientes. Mas exigimos que se dê mais um passo em frente e que este investimento tenha impacto. Portanto através deste fundos, o que estamos a conseguir é uma rentabilidade financeira e, adicionalmente, um impacto positivo na sociedade e no meio ambiente.
Mas ainda não existem critérios uniformizados. Isso não é um problema?
DGR: Neste momento, consideramos que é uma oportunidade porque é um fator de geração de valor para os investidores. Cada entidade gestora tem em consideração os critérios que considera serem mais relevantes. É verdade que ainda não existe uma standardização da definição de investimento socialmente responsável, mas esperamos que venha a acontecer e que haja guiões de metodologias. E vai ajudar todos, os emitentes, as gestoras e os investidores.
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Portugal pode conseguir juros mais baixos com dívida verde. “Há um greenium”
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