O estranho mundo das custas judiciais

  • Pedro de Almeida Cabral
  • 7 Janeiro 2020

Exorbitância, incerteza e desproporção são os nomes próprios destas custas judiciais, afugentando litigância relevante e fazendo com que os tribunais apenas tenham causas de baixo valor para resolver.

O mundo dos tribunais tem custas que a razão desconhece. Cada vez que se propõe uma ação judicial ou que é necessário intervir num processo, é necessário pagar uma taxa. O problema é que essas taxas são exorbitantes, incertas e, muitas vezes, cegas. Em alguns casos, são mesmo inibidoras do recurso aos tribunais, fazendo perigar o direito constitucional de aceder à Justiça. Seguem alguns exemplos.

Para litígios de valor acima de € 275.000,00, é devida uma taxa variável por cada parcela de € 25.000,00 que não tem limite. Leu bem. Não tem limite. O que pode originar taxas de várias centenas de milhar de euros. Se o litígio rondar os € 10M, a taxa será acima de € 120.000,00. Para além desta taxa, poderá ter que se pagar cerca de € 60.00,00 à parte que ganhe a ação, se esta o pedir, mas também os honorários dos advogados (que já não beneficiam de igual sorte e são tão certos como os impostos).

Trata-se de montantes que, efetivamente, põem em causa o acesso à justiça por cidadãos e empresas. Por um lado, são manifestamente desproporcionais, não encontrando equivalente em mais nenhum serviço público. Por outro lado, são desligados do serviço de justiça prestado em concreto pelo tribunal, pois não dependem da complexidade do caso.

O sistema das custas judiciais tem ainda regras esdrúxulas. Um réu, contra quem foi proposta uma ação, se a ganhar e for absolvido, poderá ter que pagar esta taxa. No litígio de que falávamos, mesmo ganhando a ação, poderá ter que pagar acima de € 120.00,00. A justificação é que, depois, poderá cobrar esse dinheiro à parte que perdeu a ação. Ou seja, este mecanismo é uma espécie de garantia de receita para o Estado à custa dos cidadãos e das empresas.

A violência e a injustiça desta solução é evidente. Daí que já tenha sido declarada inconstitucional nalguns casos concretos. No entanto, no nosso bizarro sistema de fiscalização de constitucionalidade, isso não chega. É necessária uma declaração expressa de inconstitucionalidade, que tarda em chegar.

Até lá, teremos casos como o que foi conhecido em meados deste ano. Uma viúva de um trabalhador que morreu numa obra, pediu em Tribunal uma indemnização à entidade patronal do falecido. Como essa empresa faliu, não recebeu indemnização alguma e ainda acabou por ser obrigada a pagar as custas que cabia à empresa pagar. Vivendo de uma precária pensão, não tem como o fazer. Não se percebe como vigora este esbulho em forma de lei há mais de sete anos sem alteração. Já não para falar do preço tabelado de custas para serviços de justiça do dia a dia dos cidadãos, como um divórcio sem mútuo consentimento ou uma regulação do poder paternal, que ficam pelo menos, em cerca de € 600,00. Trata-se de um valor excessivo para uma grande parte da população portuguesa, que devia ser seriamente ponderado.

Exorbitância, incerteza e desproporção são os nomes próprios destas custas judiciais, afugentando litigância relevante e fazendo com que os tribunais apenas tenham causas de baixo valor para resolver, empobrecendo o corpus decisório e afastando os tribunais de decisões estruturantes para a nossa sociedade.

Por isso, espera-se que nesta legislatura o Governo faça uma urgente revisão integral das custas judiciais, consagrando um regime mais equilibrado, que reponha um verdadeiro acesso à justiça por cidadãos e empresas. E, sobretudo, que permita que os Tribunais possam desempenhar em pleno as suas funções.

  • Pedro de Almeida Cabral
  • Sócio fundador da Enes | Cabral

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