Mesmo em crise, continuam a vender-se algumas casas. Quais são os segredos das imobiliárias?
Conferências online, visitas virtuais a imóveis e formações de colaboradores. Em tempos de crise, as imobiliárias adaptam o modelo de negócio ao online para não deixar morrer o mercado imobiliário.
Mesmo com a crise do coronavírus a atravessar o imobiliário, o setor adaptou-se e criou alternativas para continuar a fechar negócios e salvar, dentro do possível, os resultados deste primeiro semestre. Na prática, os processos mantêm-se, mas tudo através de um ecrã. Formam-se consultores e criam-se interações online com potenciais clientes. Ainda assim, as consequências vão ser sentidas e já se começa a assistir a uma quebra nos preços.
Março trouxe uma quebra nos negócios de cerca de 6% face ao mesmo mês do ano passado na Century21. Mas, para Ricardo Sousa, este valor mostra “um ajuste bastante positivo” e que demonstra a “capacidade de adaptação” da empresa a esta crise provocada pelo coronavírus. “Conseguimos adaptar-nos muito rapidamente”, diz o CEO da Century21 ao ECO, atribuindo os louros ao fator tecnológico.
No início de março, altura em que os trabalhadores foram colocados em teletrabalho, e já estimando um impacto na atividade, a Century21 tomou medidas “em tempo recorde”. “Fizemos a transferência completa da nossa plataforma para o online e a passagem para e-learning e webinars [conferências online]”, detalha Ricardo Sousa, acrescentando que se realizam seminários digitais “para manter os clientes informados”.
E com isto, afirma, “os negócios foram concluídos”. “Apesar de o fator humano ser crítico, os negócios foram concluídos através destes instrumentos, e assim como das visitas e das apresentações virtuais”, diz o presidente executivo da imobiliária. Todas estas mudanças foram feitas numa altura em que o estado de emergência aconselha as pessoas a manterem-se em casa e evitarem o contacto social.
Nestes processos que se iniciaram agora, o impacto está a ser sentido apenas nas escrituras, que serão feitas depois do estado de emergência.
“Estamos a concluir várias transações por meio digital e visitas virtuais”, acrescenta Ricardo Sousa, notando que o maior impacto está a ser sentido na assinatura das escrituras. Ainda assim, os consultores da Century21 continuam, em situações de emergência, a conseguir fechar negócios. “Nestes processos que se iniciaram agora, o impacto está a ser sentido apenas nas escrituras, que serão feitas depois do estado de emergência”, explica. “Mas, em situações mais urgentes, já escriturámos casos em que todo o processo foi feito de forma digital”.
Com todos estes condicionamentos, Ricardo Sousa admite que “existe um adiamento da conclusão dos negócios”, mas não uma desistência. “A procura mantém-se, o interesse na aquisição e no arrendamento está ativo”, diz, explicando que a suspensão da procura se observa de forma mais acentuada nos negócios familiares, onde “o emocional se sobrepõe ao racional”.
Sotheby’s “adaptou o modelo de negócio ao online”
A Sotheby’s International Realty tem toda a equipa em Portugal a trabalhar a partir de casa desde 13 de março. Em março “houve ainda vários processos de compra a decorrer”, mas abril “avizinha-se especialmente difícil para o mercado imobiliário”, diz ao ECO Miguel Poisson, diretor-geral da imobiliária. Nesse sentido, a empresa decidiu adotar medidas e “adaptar o modelo de negócio ao online”.
“No que diz respeito à relação com clientes, nesta altura temos a perfeita noção que é necessário uma mudança de paradigma. É fundamental olhar para o mercado de outra forma”, afirma o responsável, detalhando que a Sotheby’s desenvolveu ferramentas que permitem “procurar clientes online, fazer visitas virtuais a imóveis, fazer avaliações bancárias sem entrar nos imóveis e formalizar as escrituras com recurso a advogados, quando os notários não estão disponíveis”. No fundo, continuam a promover-se imóveis, mas “respeitando as indicações da Direção Geral de Saúde”.
Nesta altura, em que a crise provocada pelo coronavírus também afeta o mercado imobiliário, Miguel Poisson tem as equipas focadas em “ferramentas digitais, visitas virtuais, newsletters, redes sociais e e-meetings”. Além disso, a Sotheby’s está a privilegiar negócios que “já tenham sido visitados antes e que não precisem de mais visitas”, “empreendimentos (construção nova) — como muitos ainda não estão construídos não necessitam de visita” e “terrenos e imóveis devolutos — tipicamente as fotografias e a localização são as informações mais importantes para gerar o negócio”.
Quem disser que está a fazer muitos negócios ou não está a dizer a verdade ou não está consciente da gravidade da situação.
O responsável da Sotheby’s não consegue ainda traçar uma tendência sobre os negócios que vão sendo feitos. No entanto, nota que, “tipicamente, um investidor tem uma necessidade menor de fazer visitas aos imóveis e pode perfeitamente avançar para a compra de um prédio inteiro por reabilitar na íntegra sem ter grande necessidade de o ver por dentro”. Mas Miguel Poisson acrescenta: “Quem disser que está a fazer muitos negócios ou não está a dizer a verdade ou não está consciente da gravidade da situação”.
Além disso, a Sotheby’s implementou várias medidas ao nível dos colaboradores, desde “programas de apoio assentes em novas formas de remuneração, formações extraordinárias, e um conjunto de iniciativas que assegurem o bem-estar dos mesmos e das suas famílias”.
“O ponto-chave do processo de venda não mudou nada”, diz KW
Na Keller Williams (KW) “os negócios não desapareceram”, mas Eduardo Garcia e Costa admite que “baixaram”. Ao ECO, o presidente da imobiliária diz que, nas últimas três semanas, foram assinadas “várias dezenas de contratos de promessa compra e venda” de habitações. Ainda assim, o impacto no negócio da KW é notório: na primeira semana de março, a quebra foi de 20% e, nas duas semanas seguintes, chegou aos 40%.
Mas o responsável diz que a empresa está preparada e capaz de lidar com os negócios que ainda vão acontecendo. “Estamos a substituir as reuniões através da tecnologia, mantendo-se a mesma proximidade, o mesmo serviço e a mesma qualidade”, diz, referindo que estão a ser evitadas as reuniões pessoais. Este novo coronavírus, diz Eduardo Garcia e Costa, trouxe a “necessidade de servir os clientes de forma inteligente através da tecnologia”.
Na prática, “o ponto-chave do processo [de venda de um imóvel] não mudou nada”. Continuam a ser necessários os mesmos documentos e as mesmas reuniões. A única mudança que a KW implementou foi “transformar as reuniões presenciais em reuniões à distância”. Se as pessoas têm a capacidade de gerar assinaturas digitais, explica, “o processo faz-se” de forma ainda mais fácil. “Estamos a ser muito seletivos nos momentos em que nos encontramos com as pessoas”, refere, admitindo que, “ninguém consegue evitar um processo completo sem contacto pessoal”.
Já estávamos a preparar toda a equipa para um shift no mercado há cerca de um ano e meio. Já prevíamos que, com o mercado a subir há muitos anos, qualquer impacto na economia ou na sociedade poderia virar essa tendência. Ninguém estava à espera que fosse um vírus, mas temos a equipa preparada.
A par destas mudanças tecnológicas, a KW também criou um programa de formação para os seus mais de 1.700 consultores imobiliários, de forma a dotar estes profissionais de mais ferramentas para lidarem com estas funções em teletrabalho. Mas, mesmo antes desta pandemia, as equipas da KW já estavam minimamente preparadas. “Já estávamos a preparar toda a equipa para um shift no mercado há cerca de um ano e meio. Já prevíamos que, com o mercado a subir há muitos anos, qualquer impacto na economia ou na sociedade poderia virar essa tendência. Ninguém estava à espera que fosse um vírus, mas temos a equipa preparada”, diz Eduardo Garcia e Costa.
“Mercado está congelado”. Mas qual será o impacto nos preços?
Eis a pergunta que, segundo o setor, vale um milhão de euros. Todos os especialistas do mercado partilham da opinião que há e haverá uma quebra na procura nos próximos meses, possivelmente até ao final do ano. Mas será isso suficiente para provocar uma descida dos preços? Aqui, as opiniões dividem-se. Ricardo Sousa diz ser “difícil de antecipar o futuro”, porque “vai depender de muita coisa”. Ainda assim, o CEO da Century21 estima desde já que “a curto prazo o impacto será mais óbvio”.
Miguel Poisson, da Sotheby’s, concorda. Diz que ainda é cedo para afirmar que há uma tendência e que, “até ao momento, não se verificou nenhuma tendência anormal a não ser o congelamento ou adiamento de alguns negócios”. Uma coisa é certa: o mercado está diferente. “O que sentimos é que o mercado está congelado”, diz, afirmando que a Sotheby’s “está a preparar-se para um arranque forte no pós-crise”.
Por enquanto, Eduardo Garcia e Costa, da KW, diz que “não se assiste a nada de significativo de redução de preços”. “Isso vai acontecer, naturalmente, como em qualquer recessão imobiliária (…) mas, de repente, não se sente nada”, justifica. Nos próximos meses haverá uma quebra na procura, antecipa o responsável, mas a KW prefere manter-se focada apenas nas coisas que consegue controlar. “Vamos focar-nos no que controlamos e não controlamos o que está no exterior. Ficar preocupados não nos serve de nada, temos de adaptar-nos”, sublinha.
Por sua vez, o CEO da Century21 prevê que se vai começar a notar “empresas, famílias e alguns investidores com urgência em vender para fazer face às dificuldades” e que, por isso, “vão ter de o fazer com desconto”. Uma tendência que será mais sentida na segunda habitação inicialmente. “Muitas pessoas vão necessitar de gerar liquidez com a venda de imóveis porque vão estar em situações complicadas e a venda do imobiliário vai ser uma solução”, remata Ricardo Sousa.
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