“Programa de governo” e os desafios de António Guterres na ONU
Guterres assume a 1 de janeiro o mais alto cargo diplomático do mundo com uma agenda ambiciosa, que inclui a aplicação de importantes acordos internacionais e uma comunidade internacional em mudança.
O professor de relações internacionais da Universidade de Nova Iorque Richard Gowan, especialista em assuntos da ONU, diz que a presença do republicano Donald Trump na presidência dos EUA com o seu discurso unilateralista será um dos grandes desafios para o novo secretário-geral.
“Ban Ki-moon (o secretário-geral cessante) teve muita sorte ao trabalhar com um Presidente que é pró-ONU como Barack Obama. Guterres terá um desafio muito mais difícil ao lidar com Trump”, disse à Lusa o investigador do Conselho Europeu para as Relações Internacionais.
Entre os principais compromissos que Guterres terá de fazer acontecer está a aplicação do Acordo de Paris sobre redução de emissões de gases com efeito de estufa e os novos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que determinam a agenda mundial para o período entre 2020 e 2030.
Richard Gowan acredita que “Guterres terá de defender o grande sucesso de Ban, o acordo de Paris, da Administração Trump.” “Se os Estados Unidos abandonarem o acordo, todo o trabalho árduo de Ban será destruído“, explica.
Edward C. Luck, conselheiro de Ban Ki-moon entre 2008 e 2012, disse à Lusa que “secretários-gerais recentes usaram o seu poder único para fazer avançar normas globais em relação a mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e proteção humana”, mas que “muito deste trabalho permanece incompleto ou frágil, com grandes falhas na sua aplicação”.
“A ONU está a atravessar tempos turbulentos, com a sua eficácia e mesmo legitimidade a ser desafiada por forças políticas que preferem respostas simples e unilaterais à complexidades das negociações e maquinaria multilateral”, disse Luck.
O especialista acredita também que “os direitos humanos e a lei humanitária internacional estão a ser fortemente desafiados por grupos armados, violência sectária e forcas políticas nativistas em muitos países.”
Entre os temas que marcarão os anos do antigo primeiro-ministro português à frente da ONU, estão uma organização paralisada por burocracia, mudanças climáticas, Coreia do Norte com poder nuclear, conflito na Síria e em outros países africanos e do Médio Oriente, a ameaça do terrorismo global e uma crise sem precedentes de refugiados.
Edward Luck considera que “o trabalho número um do secretário-geral deve ser sempre facilitar a procura pela paz e segurança internacional”, mas que Guterres deve ser “seletivo” nos momentos e situações em que decidir atuar para aumentar a probabilidade de sucesso.
Um dos conflitos em que decidirá atuar, como já afirmou, será a guerra na Síria, que muitos consideram ser o seu primeiro grande teste.
“É preciso que aproveite bem esta onda de unidade dos membros do Conselho de Segurança para trazer soluções a este problema. Precisa trazer à mesa de negociações todos os atores e estabelecer como única condição trazer a paz para aquela religião”, disse à Lusa o embaixador de Angola na ONU, Ismael Martins, na altura da eleição de Guterres.
Nos 70 anos de história da ONU, Guterres é o primeiro antigo chefe de Governo escolhido para o cargo. É, também o nono homem, o que desilude as dezenas de países que reivindicavam ser altura de uma mulher liderar a organização pela primeira vez.
Jean Krasno, que liderou a campanha que tentou eleger uma mulher, reuniu-se com António Guterres semanas depois da sua eleição pelo Conselho de Segurança e diz que o português lhe pareceu “absolutamente convicto” na sua promessa de paridade nas nomeações que fizer. “Nos anos 70, em cerca de 50 cargos seniores no secretariado, havia apenas duas mulheres. Neste momento, as mulheres representam cerca de 20%, portanto houve uma melhoria. Mas ainda é muito baixo. Esta será uma das medidas que vamos usar para avaliar o sucesso de Guterres no final do seu mandato”, diz a professora universitária.
Assim como aconteceu no início do mandato de Ban Ki-moon, a reforma interna da organização, considerada pouco ágil e burocrática, estará de novo na agenda.
A esse respeito, o Presidente dos EUA, Barack Obama, disse durante um encontro com Guterres no início deste mês que é importante que “a ONU opere de forma eficiente, que o dinheiro seja bem gasto” e que Guterres é conhecido por aplicar essas boas práticas de gestão, nomeadamente enquanto alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, cargo que ocupou durante dez anos.
No seu discurso após o juramento sobre a Carta das Nações Unidas, Guterres disse que “não é útil para ninguém que [a ONU] demore nove meses a destacar um quadro para o terreno.”
Em relação à estrutura da organização, é provável que continue a ser debatido um tema que se arrasta há décadas, a reforma do Conselho de Segurança, mas Guterres não se deverá envolver.
O novo secretário-geral da ONU já disse que o Conselho de Segurança tem problemas de representatividade da comunidade internacional, por não ter, por exemplo, membros permanentes oriundos da América Latina ou África, mas não foi além disso.
Esta reforma “só será possível se os países membros assim o quiserem e se criarem o consenso necessário para que essa reforma aconteça”, disse Guterres durante um debate de defesa da sua candidatura, explicando que o secretário-geral tem áreas que não são da sua competência.
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