Filantropia com retorno: financiar a economia real, social e sustentável
Quando duas crises gigantes se juntam, atingindo dimensões sem precedentes, só nos resta olhar em frente para construir de novo.
O ano de 2019 trouxe uma sensibilização sem precedentes para a causa ambiental, sobretudo no que respeita aos plásticos e alterações climáticas, problemas que são apenas pequena parte de um todo e que estão ainda longe de ser resolvidos.
À crise ambiental juntou-se agora a provocada pelo coronavírus. No caso desta pandemia, porque o seu impacto é bem próximo e visível a todos (ao contrário do “longe da vista longe do coração” que se aplica à crise ambiental), reagimos rápido e podemos, até ver, estar orgulhosos do desempenho nacional na contenção do vírus.
Os impactos reais ainda estão por conhecer
Só agora vamos começar a conhecer os danos reais na economia e sociedade, tanto a nível de crescimento de situações de vulnerabilidade social como a nível da “sobrevivência”, ou não, de Instituições e Organizações Sociais que dependem financeiramente de terceiros.
No final de Março já tínhamos um número de desempregados quase equivalente ao valor de 2008 e mais de 60% da população ativa já viu afetados os seus rendimentos. Se considerarmos que em Portugal cerca de 13% dos trabalhadores estão na função pública (segundo o Pordata) concluímos que só 27% dos trabalhadores do privado (ainda) não foram afetados.
Se a isto juntarmos os exames médicos que deixaram de ser feitos (e consequentes diagnósticos por conhecer), as pequenas e médias empresas (PME) e comércios a fechar, as fábricas sem produzir, um terceiro setor (que complementa o Estado em tantas áreas) com cada vez menos recursos para cumprir a sua missão e a lentidão do sistema financeiro em fazer o dinheiro chegar às empresas, podemos esperar o pior. Ou levantar-nos e mostrar outra vez o que valemos e o que queremos fazer diferente desta vez.
Neste levantarmo-nos de novo, será uma imprudência descuidar o caminho de sustentabilidade e os progressos recentes. A natureza mostrou que se lhe dermos espaço e descanso até tem rápidas melhorias, mas é fundamental mantermos presente que estas semanas de atividade interrompida não resolveram nenhum dos problemas que enfrentamos, muito menos se voltarmos ao antigo normal.
A oportunidade: “Filantropia com retorno”
Quando duas crises gigantes se juntam, atingindo dimensões sem precedentes, só nos resta olhar em frente para construir de novo. E é quem ainda tem o privilégio de poder escolher que vai decidir o que desta crise emerge. E desengane-se quem acha que o fator determinante é o poderio financeiro. Quase todos temos o possibilidade de escolher e de fazer pressão e, por isso, somos muitos mais do que se pode pensar.
A mobilização de recursos a que assistimos, um pouco por todo o mundo, foi impressionante e diz bem da capacidade dos seres humanos se mobilizarem, e serem altruístas, por uma causa.
Como partilhei num artigo recente, em que divulgo algumas estatísticas da campanha de angariação de fundos para compra de material hospitalar que organizámos para o Movimento Tech4Covid19, a participação de todos – cidadãos, PME, grandes empresa, fundações, etc. – é fundamental para termos impacto.
Porque não ambicionar, então, uma maior participação de todos estes agentes no (re)nascimento de uma nova economia? Uma economia sustentável, socialmente justa e pós-carbónica, não tem que (nem deve) ser sustentada por donativos.
Quero com isto lembrar que as nossas decisões, o que fazemos e a forma como utilizamos o nosso dinheiro (como compramos, poupamos ou investimos) é uma escolha que influencia a economia que queremos e o futuro que teremos. E isto aplica-se a pessoas, empresas ou fundações.
Os milhões que realmente importam não são de euros
Somos com frequência “bombardeados” com referências a milhões e até biliões de euros: os planos de investimento público, os resgates da banca, as emissões de dívida pública, as linhas do Banco Europeu de Investimento e agora também os fundos para recuperação do Covid19.
Dizem-nos que os mercados que interessam são os que “medem” biliões e os investimentos que interessam são os que se multiplicam por muito e em muito pouco tempo. A isto junta-se a ideia, cada vez mais estabelecida de que um projeto para ter interesse tem obrigatoriamente que ter “escala”.
No entanto, não são precisos milhões para colocar painéis solares numa IPSS, reflorestar 600ha de floresta ou colocar iluminação eficiente numa escola, ajudando instituições e PMEs a desempenhar as suas funções e tornarem-se mais sustentáveis no longo prazo, todos eles investimentos rentáveis, sustentáveis e dos quais podemos fazer parte.
Os modelos de financiamento diretos, que promovem a partilha dos benefícios, como o financiamento colaborativo (Peer-to-Peer), apresentam-se agora como uma oportunidade gigante de fazermos o dinheiro chegar onde ele é preciso, à economia real, de forma rentável e com um retorno que vai bem além do económico.
Estamos em tempo de decisões, liderança e (re)nascimento. Se algum dia conseguirmos resolver os problemas ambientais e sociais que enfrentamos, não vai ser à custa de um líder milagroso que nos cai dos céus ou dos biliões de um só filantropo, vai ser porque milhões de pessoas e organizações decidiram mudar no que estava ao seu alcance, deram o exemplo e inspiraram outros a agir.
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