Covid-19: Reembolso do seguro automóvel. Como é cá e lá fora

  • António Ferreira
  • 19 Maio 2020

A paragem no tráfego rodoviário por causa do confinamento imposto pela pandemia fez ecoar pela Europa reclamações de automobilistas solicitando reembolsos ou compensações no prémio de seguro.

Portugal deu os primeiros sinais da discussão pública após decretos governamentais para moratórias e medidas alternativas de pagamentos dos seguros, enquanto outros países da Europa já levavam semanas de debate num contexto em que a supervisão europeia e os reguladores locais emitiam orientações genéricas sobre eventuais reembolsos por causa da interrupção de circulação rodoviária em tempos de confinamento pela Covid-19.

Embora as diretivas europeias que regulam este ramo dos seguros tendam para a uniformização, as soluções adotadas em diversos países no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel face à paragem imposta pela pandemia não estão previstas na legislação da UE, seguindo por isso soluções locais e a ritmos diferenciados.

A questão central reside no facto de, face a uma diminuição do risco de sinistros (em resultado da redução significativa do tráfego) durante o período de cobertura correspondente ao prémio pago, os tomadores de seguro terem ou não direito a uma compensação pecuniária (ou outra, como bonificação) de proporção equivalente na sua fatura do seguro.

Com base numa breve comparação com os casos de Espanha e França (e mesmo do Reino Unido atualmente em processo de saída da UE), conclui-se que as soluções adotadas não apresentam diferenças substanciais do que até agora se verifica em Portugal, combinando iniciativas das próprias seguradoras e movimentos liderados por associações de defesa dos consumidores.

  • Em Portugal, algumas seguradoras como a Zurich depois a Fidelidade anunciaram iniciativas para devolver parte do valor dos prémios aos clientes. Mais recentemente, a entidade de supervisão (ASF) divulgou orientações que facilitam a interpretação das medidas emanadas do Governo (Decreto-Lei n.º 20-F/2020, de 12 de maio). A nota informativa do supervisor sustenta que as disposições temporárias e de excecionalidade contidas no despacho governamental transformam o regime de pagamento dos prémios num “regime de imperatividade relativa”, ou seja, admite “que seja convencionado entre as partes um regime mais favorável ao tomador do seguro”.Entretanto, enquanto entidades como a DECO (associação privada de defesa do consumidor) divulgou posição reclamando que o prémio do seguro automóvel deveria baixar, um conjunto de personalidades elaborou e disponibilizou uma minuta de carta para ajudar interessados a solicitar compensação às seguradoras.
  • Espanha: O mercado conta perto de 31,8 milhões de veículos automóveis segurados, segundo dados relativos a final de 2019.No final de abril deste ano, auge do debate sobre compensações decorrentes da pandemia, a organização de defesa de consumidores FACUA afirmava que cabe ao governo espanhol definir que os tomadores de seguros não têm de dar conhecimento (da paragem) às seguradoras para solicitarem reembolsos ou bonificações, uma vez que as seguradoras estão plenamente conscientes da situação. No entanto, na companha QuieroMiDinero ativada nas redes sociais, a organização aconselha que, por enquanto, os utilizadores devem “apresentar os pedidos de indemnização às companhias de seguros, para que fique claro que estão a solicitar o dinheiro. Por seu lado, a patronal do setor (UNESPA), sem comentar diretamente a campanha em curso, assume que os prémios cobrados pelas companhias de seguros (cerca de 2,97 mil milhões de euros em março, ou -0,39% face a um ano antes) são normalmente anuais, sendo esta a taxa que vigora para “sinistros que podem ocorrer durante qualquer um dos 12 meses” da apólice. Por conseguinte, embora reconhecendo que a taxa de acidentes possa ter diminuído, assinala que é provável que aumente quando a situação voltar ao normal “porque haverá mais engarrafamentos e porque as pessoas preferem ir trabalhar no seu carro para evitar as multidões de transportes públicos (…)”.Porém, algumas seguradoras como a Hello Auto decidiram ressarcir os seus clientes, em 100% em relação aos meses de duração do confinamento. Na generalidade o setor adaptou-se dando resposta a dificuldades económicas dos clientes, porquanto a Mapfre facilitou pagamento faseado dos prémios por 12 meses e a Mutua Madrileña assumiu um terço do valor dos prémios devidos pelos automobilistas.
  • Em França, uma campanha da Union Fédérale des Consommateurs (UFC-Que Choisir) mobilizando os automobilistas para pedirem às seguradoras reembolsos de parte dos prémios de seguro (pelo mesmo motivo que justifica o debate em diversos países do mundo), justificou uma reposta da entidade supervisora do setor. Numa carta endereçada ao presidente da UFC-Que Choisir, a presidente da federação francesa de seguros (FFA) reconheceu que a sinistralidade rodoviária diminuiu em torno de 75% nos dois meses de confinamento no país. Porém, Florence Lustman questionou se este fato, por si só, justifica o direito ou o interesse de se proceder ao reembolso de parte do prémio. Neste contexto, depois de tecer considerações jurídicas e outras sobre os fundamentos da atividade seguradora, Lustman afirma: “Nunca antes do final do ano poderemos avaliar a situação real dos acidentes automóveis em 2020. Se depois disso, se concluir que os prémios arrecadados foram superiores aos sinistros pagos, então a diferença será repercutida nas tabelas de 2021”. Contudo à imagem de outros mercados, diversas seguradoras – sobretudo a mutualistas – tomaram a iniciativa de ressarcir automobilistas em parte dos prémios pagos pelas apólices.
  • Reino Unido: A Direct Line, seguradora de referência no ramo automóvel, reportou recentemente uma quebra de 70% no volume de participações de sinistro automóvel só em abril. Adentro do debate em torno do que as seguradoras poupam com a redução do tráfego rodoviário, a autoridade de seguros (Financial Conduct Authority) divulgou na semana passada medidas dirigidas as seguradoras do ramo visando a promoção de práticas mais justas para milhões de clientes obrigados a pagar os prémios enquanto tinham os automóveis parados. De acordo com as orientações da FCA, as seguradoras terão de avaliar o perfil de risco dos clientes e ajustar os prémios de acordo com a utilização real dos veículos segurados, rever a oferta de produtos para melhor se adequarem às necessidades atuais dos clientes e renunciar a todas as taxas de cancelamento e gestão, normalmente cobradas quando se fazem ajustamentos de apólices. Estas condições que os seguradores devem implementar desde 18 de maio serão revistas dentro de três meses. Como aconteceu noutros mercados, também no Reino Unido houve seguradoras que a responderam de imediato ao impacto do confinamento, como foi o caso da Admiral, que promoveu um programa de reembolso automático por montante e estimado de 100 milhões de libras esterlinas.

Nos EUA, mais de 20 grandes seguradoras assumiram a responsabilidade de proporcionar reembolso automático aos segurados tendo por critério o valor comercial atualizado dos veículos, estimando-se que cerca de 10 mil milhões de dólares sejam devolvidos aos tomadores de seguro nos próximos meses.

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