Dívida para recuperação da UE deverá ter juro próximo de 0%

Estados-membros ainda têm de concordar no plano de fundo de recuperação, o que irá determinar o rating conseguido. Mas têm, para isso, de ultrapassar a oposição dos frugais.

“Pela primeira vez rompe-se o mito de que não é possível a União Europeia endividar-se de forma coletiva. E isso é um passo extraordinário”. Foi assim que o primeiro-ministro António Costa se referiu à emissão de dívida conjunta que poderá ser levada a cabo pela União Europeia para financiar a recuperação da crise pandémica. A parecença às polémicas eurobonds já fez torcer vários narizes e nada está garantido, mas — se avançar — esta dívida deverá ter custos próximos de 0%.

O Conselho Europeu reúne-se esta sexta-feira em videoconferência para discutir a proposta de fundo de recuperação. Em cima da mesa estão 750 mil milhões de euros, dos quais 500 mil milhões de euros a atribuir através de subvenções (ou seja, a fundo perdido) e 250 mil milhões de euros através de empréstimos.

Caso o plano seja aceite, a ideia é ir aos mercados financeiros buscar dinheiro para a bazuca. “Estas obrigações serão emitidas pela própria União Europeia. É suposto que venham a ser reembolsadas com dinheiro do Orçamento da UE. Ou seja, vão ter as futuras contribuições dos Estados-membros como colateral implícito“, explica Eric Dor, diretor de estudos económicos da IESEG School of Management da Université Catholique de Lille.

"Estas obrigações serão emitidas pela própria União Europeia. É suposto que venham a ser reembolsadas com dinheiro do Orçamento da UE. Ou seja, vão ter as futuras contribuições dos Estados-membros como colateral implícito.”

Eric Dor

Diretor de estudos económicos da IESEG School of Management da Université Catholique de Lille

Nessa emissão, “a yield que os investidores vão pedir irá depender da confiança na capacidade da UE de receber dinheiro suficiente desses países”, segundo Dor. Essa perceção será avaliada pelas agências de rating, sendo que “como estas obrigações vão ser garantidas por todos os Estados-membros, deverão ter um rating elevado“, diz Carsten Brzeski, economista-chefe do ING.

Rating vai depender do quadro institucional

A União Europeia tem um rating AAA pelas principais agências de notação financeira, mas é difícil de comparar esta operação com outras emissões já realizadas pela instituição pois os montantes não se comparam aos 750 mil milhões de euros (a reembolsas entre 2028 e 2058) em causa. Assim, os analistas não dão como garantido que o rating se mantenha.

Brzeski antecipa que a taxa de juro fique “ligeiramente acima da Alemanha ou Holanda”, referindo-se a dois países que têm yields da dívida benchmark abaixo de zero. “Já existe dívida da UE, mas não se pode dizer que é uma base comparável. Diria que a dívida toda da UE a 30 anos seria um benchmark possível para quanto é que se poderia pagar“, acrescenta Filipe Silva, diretor de investimentos do Banco Carregosa.

Em mercado secundário, as obrigações da UE, do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) e do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) negoceiam 15 a 20 pontos base acima da Alemanha. Ou seja, também este indicador coloca o juro em níveis próximos de 0%.

"Yield está muito dependente do quadro institucional do fundo de recuperação, de como será apoiado o fundo, quais serão as garantias, qual o rating… Quanto mais forte for o quadro institucional, mais elevado o rating e melhor o preço.”

Jens Peter Sørensen

Analista chefe do Danske Markets

Os vários analistas ressalvam que serão os pormenores do fundo a determinar o preço desta dívida. “Está muito dependente do quadro institucional do fundo de recuperação, de como será apoiado o fundo, quais serão as garantias, qual o rating Quanto mais forte for o quadro institucional, mais elevado o rating e melhor o preço”, sumariza Jens Peter Sørensen, analista chefe do Danske Markets.

Coronabonds disfarçadas?

É nestes detalhes que os países terão de concordar com unanimidade. Vão tentar fazê-lo esta sexta-feira, mas o cenário não é favorável. O próprio presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, admitiu “divergências enormes” nas negociações dado que os chamados países “frugais” — Áustria, Dinamarca, Holanda e Suécia — são fortemente contra a subsidiação.

Porquê a oposição? É que estes títulos aproximam-se da (polémica) proposta das eurobonds, ou coronabonds como se chegou a falar para uma possível resposta à pandemia. “Não há realmente uma diferença”, refere Brzeski, enquanto Sørensen concorda, dizendo que “não há grande divergência”, apesar de “a nova opção parecer ter uma interpretação mais abrangente”.

"A questão é que tem de ser aprovado pelos 27. E os países do Sul querem uma opção e os frugais querem outra. O problema é que quando esta liquidez chegar às empresas, estas já não existem.”

Filipe Silva

Diretor de investimentos do Banco Carregosa

Dor clarifica que não é assim tão linear: estas obrigações seriam emitidas por uma organização multinacional, sem especificar à partida qual a parte que caberia a cada país. O pagamento seria feito de forma agregada pelo orçamento. Já as eurobonds seriam emitidas pelo conjunto dos países e seria cada Estado a arcar com uma parte (conhecida em antecipação) da responsabilidade no reembolso, mas com solidariedade dos restantes países em caso de incumprimento. “As obrigações conjuntas teriam baixo risco”, diz.

A diferença não é, no entanto, suficiente para convencer todos. Assim, o fundo de recuperação continua em aberto, enquanto os governos se desdobram em medidas para estimular a economia. “A questão é que tem de ser aprovado pelos 27. E os países do Sul querem uma opção e os frugais querem outra. O problema é que quando esta liquidez chegar às empresas, estas já não existem“, alerta Filipe Silva.

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