Esta auditoria ao Novo Banco não vale 3 milhões de euros
A auditoria ao Novo Banco levanta dúvidas em vez de dar respostas. Depois de ler 371 páginas continuamos sem saber se há vendas de ativos ao desbarato e nem sequer quem os anda a comprar.
A qualidade de uma auditora definitivamente não se mede em euros. Nos últimos dois anos tivemos duas grandes auditorias a dois grandes bancos portugueses que receberam dinheiros públicos: uma à Caixa Geral de Depósitos feita pela EY, e outra ao Novo Banco/BES feita pela Deloitte. A primeira custou 1 milhão de euros e a segunda 3 milhões. Quem estava à espera que a segunda fosse três vezes melhor do que a primeira, enganou-se.
Ambas as auditorias analisaram o período de 2000 a 2018 e chegaram a conclusões relativamente idênticas: que os dois bancos deram créditos de favor, que os créditos tóxicos geraram perdas astronómicas para os contribuintes, e que houve créditos dados à revelia dos departamentos de risco, sendo que nalguns casos nem sequer se chegou a avaliar o risco.
Se esta análise era suficiente no caso da Caixa, claramente não o é no caso do Novo Banco. As perdas apuradas pela Deloitte no Novo Banco não são uma novidade e já o Banco de Portugal as tinha calculado no ano passado. E dizer nesta altura que o BES concedeu crédito sem analisar devidamente o risco é redundante e fora de tempo.
Não só porque a Comissão de Inquérito ao BES já tinha chegado a essa mesma conclusão, como o próprio Ministério Público já acusou Ricardo Salgado de 65 crimes, incluindo associação criminosa, corrupção ativa, burla qualificada, branqueamento de capitais e fraude fiscal. Convenhamos que não analisar devidamente o risco era o menor dos problemas do BES.
Pelo contexto atual e pelo preço, a auditoria ao Novo Banco deveria ter ido bastante mais longe e tinha cobertura legal para o fazer à luz da chamada lei dos grandes devedores (ver alínea c, do ponto 2, do artigo 4º da lei 15/2019).
Há duas perguntas que nesta altura todos fazemos porque genuinamente não sabemos as respostas que são determinantes para avaliar o trabalho de António Ramalho e a forma abusiva, ou não, como o banco tem usado o dinheiro do Mecanismo de Capital Contingente:
- O Novo Banco está a vender ativos a preços de saldo para se aproveitar do mecanismo de garantias públicas?
- O Novo Banco está a vender imóveis a fundos com ligação à Lone Star ou aos seus gestores?
A auditoria da Deloitte não responde nem a uma, nem a outra. Levanta dúvidas mas não dá respostas.
Sobre a alienação de ativos, constata (na página 42) que “as vendas efetuadas pelo Novo Banco foram realizadas por valores inferiores (em alguns casos de forma significativa) face aos valores das últimas avaliações disponíveis”. E afirma que o Novo Banco não tem implementando “procedimentos de análise” nem “normativos especificamente relativos a vendas agregadas” que permitam concluir se as vendas terão sido feitas a um preço justo.
Se mal pergunto, então se o Novo Banco não sabe, ou não quis saber, se vendeu os ativos a um preço justo não era obrigação da auditora tentar saber?
Em relação à segunda pergunta sobre eventuais negócios com partes relacionadas, a Deloitte considera que em alguns casos o Novo Banco nem sequer fez essa análise de contraparte, e quando a fez (página 47) “não foram efetuadas análises de partes relacionadas ou análises de conflitos de interesses”. Aqui, novamente, a auditora conclui que o Novo Banco não tem “normativos internos” que permitam avaliar “acerca de eventuais riscos de branqueamento de capitais e de conflito de interesse”.
Se mal pergunto, então se o Novo Banco não sabe, ou não quis saber, a quem vendeu os ativos, não era obrigação da auditora tentar saber?
Se esta auditoria alegadamente exaustiva ao Novo Banco não responde a estas questões cruciais, então quem as irá responder? A auditoria limita-se a constatar que o Novo Banco não tem uma resposta satisfatória para estas duas perguntas e nem sequer tem instrumentos ou normas que permitam fazer essa avaliação. Ou seja, o Novo Banco não sabe muito bem a quem vendeu os ativos (desconhece os beneficiários últimos) e, aparentemente, nem sabe se o preço de venda foi justo. O Novo Banco não sabe e não quer saber, a auditora não sabe e não tenta saber, e nós não sabemos e pelos vistos não iremos saber.
Convenhamos que sem as respostas a estas perguntas, será estéril fazer uma nova comissão de inquérito ao caso BES/Novo Banco. A parte relativa ao BES já foi tratada e esmiuçada no inquérito de 2014/2015 e faz o seu caminho na Justiça; e a discussão sobre a parte relativa Novo Banco será estéril e infrutífera se não soubermos as respostas a estas duas perguntas.
Estas dúvidas que continuam a pairar sobre o Novo Banco podem até ser injustas para António Ramalho e para os trabalhadores da instituição, mas existem e é preciso dissipá-las. O banco deveria ser o primeiro interessado em querer dissipá-las.
Agora que já conhecemos a auditoria da Deloitte, percebemos melhor a carta que António Ramalho escreveu a Marques Mendes a prometer contratar uma “consultora internacional de renome” para responder às dúvidas que o comentador da SIC colocou sobre as polémicas vendas de ativos.
Se há duas semanas esse pedido de auditoria a uma “consultora internacional de renome” parecia despropositado porque não parecia fazer sentido estar a auditar em cima de uma auditoria em curso, agora que conhecemos a auditoria da Deloitte e as suas omissões (que Ramalho na altura já conhecia) o caso muda de figura. Venha então mais uma auditoria ao Novo Banco porque esta da Deloitte não vale os 3 milhões de euros.
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