Apenas 3% dos quase mil vistos gold atribuídos este ano foram para o interior
Este ano já foram comprados 932 imóveis para obtenção de um visto gold, sendo que apenas 29 foram em regiões do interior e nas ilhas. Cidades de Lisboa e Porto concentraram 67%.
O Parlamento aprovou um travão aos vistos gold, acabando com a sua atribuição em cidades como Lisboa e Porto, canalizando, assim, estes investimentos para o interior do país e para as ilhas. A medida não foi bem aceite pelo setor que, desde logo, alertou para as consequências de se perder estes investimentos internacionais. A pandemia adiou a execução desta proposta, mas tudo indica que a mudança vai mesmo acontecer. O Parlamento quer equilibrar a balança entre as principais cidades e os números falam por si: apenas 3% dos vistos gold atribuídos este ano foram concedidos no interior do país e nas ilhas.
Desde o início do ano e, até setembro, foram atribuídas 919 Autorizações de Residência para Atividade de Investimento (ARI) através do imobiliário, num montante total de 488.744.480,89 euros, de acordo com os dados cedidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) ao ECO.
Estes 919 vistos gold representam 932 imóveis comprados dado que, por vezes, um investidor adquire mais do que um imóvel para perfazer o investimento mínimo requerido (através do imobiliário o investidor tem de aplicar, no mínimo, 500.000 euros), explica o SEF.
Mas analisemos os números. Deste universo, 551 imóveis (59%) foram comprados em Lisboa. Atrás aparece o Porto com 77 imóveis comprados (8,3%), Cascais com 69 (7,4%), Albufeira com 21 (2,25%) e Vila Nova de Gaia com 20 (2,15%). Estes dados permitem concluir que a maioria dos investimentos foi feita nas principais cidades do país, localizadas no litoral.
O objetivo do Parlamento é canalizar o investimento para as cidades do interior e para as ilhas. Analisando os dados cedidos pelo SEF, é possível notar que apenas 29 (3,11%) dos 932 imóveis comprados foram adquiridos nestas regiões. São eles: Marco de Canaveses (9), Vila Viçosa (8), Évora (4) e Cartaxo, Castelo Branco, Reguengos de Monsaraz, Tomar e Vila Nova da Barquinha (1 cada). Na Madeira, o Funchal regista dois imóveis, enquanto a Ponta do Sol apenas um.
Setor esperava um recuo do Governo. Medida vai levar “investidores e vários milhões para outros países”
Desde logo a medida criou polémica dentro do setor imobiliário, com muitos profissionais a alertarem para as consequências que este travão pode trazer. Contudo, muitos consideraram que a pandemia iria fazer o Governo voltar atrás. “Achei, efetivamente, que esta surpresa da pandemia iria levar o Governo a dar um passo atrás no que havia sido previsto para o Orçamento do Estado para 2020″, diz ao ECO Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP).
O responsável nota que, perante a situação em que a economia está devido à pandemia, “é necessário delinear uma estratégia de recuperação que também deve estar assente na captação de investimento estrangeiro”. Luís Lima defende que “a atração de investimento estrangeiro é uma mais-valia para o desenvolvimento das economias” e que o imobiliário não é exceção.
O mesmo afirma Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII). Em declarações ao ECO, o especialista questiona: “Como é que o Governo vai angariar estes 700 milhões de euros de investimento e 85 milhões de euros de receita fiscal direta?”. Hugo Santos Ferreira nota que Lisboa e Porto “ofereciam uma proposta muito competitiva” aos investidores e que este travão “vai levar, inevitavelmente, estes investidores e estes milhões para outros países”.
As consequências, salientam os representantes do setor, são inevitáveis e já esperadas. “Nunca poderão ser positivas, quanto mais não seja pela quebra da procura que passará a haver, que não tem necessariamente que ver com a alteração ao programa, mas sim com a mensagem que se está a passar a potenciais investidores”, nota Luís Lima, reforçando que o setor imobiliário “vive muito da segurança e da confiança do mercado”.
Assim, tanto para a APEMIP como para a APPII, a solução para canalizar investimento estrangeiro para o interior do país não passa por bloquear o litoral. “Este não é o melhor caminho. Deveria ter-se apostado numa diferenciação positiva para o investimento feito nesta região”, afirma o presidente da APEMIP. Por sua vez, o vice-presidente da APPII defende que “há que investir no interior, mas através de medidas de incentivo à economia e à geração de emprego que desenvolvam esta parte do país”.
Travão foi aprovado em fevereiro. Alteração pode acontecer até ao fim do ano
Por iniciativa do PS, e com os votos a favor do PSD, o Parlamento aprovou em fevereiro a limitação da concessão dos vistos gold aos investimentos imobiliários em municípios do interior ou das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, no âmbito do Orçamento do Estado 2020. O PAN e o Bloco de Esquerda queriam mesmo acabar com as ARI, mas ambas as propostas foram chumbadas.
A medida, lia-se na altura, pretendia “favorecer a promoção do investimento nas regiões de baixa densidade, bem como o investimento na requalificação urbana, no património cultural, nas atividades de alto valor ambiental ou social, no investimento produtivo e na criação de emprego”, propondo, para tal, restringir ao território das Comunidades Intermunicipais (CIM) do Interior e das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira os investimentos em imobiliário com vista à obtenção de uma autorização de residência, e aumentar o valor mínimo dos investimentos e do número de postos de trabalho a criar.
Em simultâneo, tem como objetivo aliviar a pressão do mercado imobiliário em zonas como Lisboa e Porto, acabando com a possibilidade de obtenção de um visto gold através de investimento em imobiliário nestas zonas e nas CIM do Litoral. “Com esta medida, procuramos retirar a pressão [no mercado imobiliário] existentes nas áreas metropolitanas [de Lisboa e do Porto]. Esta nossa medida contribuirá para a uma maior coesão territorial”, defendeu, na altura, a líder da bancada socialista, Ana Catarina Mendes.
Com o aparecimento da pandemia, esta alteração ficou em stand-by. Contudo, esta semana, o Jornal de Negócios, citando uma fonte governamental, avançou que o Governo pretende mesmo avançar com estas restrições até ao final do ano. O ECO questionou o Ministério da Administração Interna (MAI) para tentar confirmar esta informação, mas até ao momento de publicação deste artigo não obteve qualquer resposta.
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