O que muda na contratação pública? Os novos limites, os prazos encurtados e uma nova comissão
O Governo apresentou uma proposta para agilizar as regras da contratação pública, mas as criticas dos partidos levaram a muitas mudanças. A versão final tem o cunho do PS e do PSD.
O tema gerou polémica desde que o Governo apresentou no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) a intenção de subir para 750 mil euros o limiar que obriga os contratos públicos a terem o visto prévio do Tribunal de Contas, cuja alteração foi aprovada no Orçamento Suplementar. Com o reforço dos fundos europeus a começar a chegar no início do próximo ano, o Executivo quis agilizar outros aspetos da contratação pública, argumentando que a burocracia não era sinónimo de mais controlo, e conseguiu, ainda que com várias alterações que resultaram da negociação no Parlamento, principalmente com o PSD.
A proposta final foi votada esta sexta-feira na Assembleia da República com o voto favorável do PS e a abstenção do PSD e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues, permitindo assim que as alterações entrem em vigor a tempo da celebração dos contratos no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, cujo esboço foi entregue esta quinta-feira pelo primeiro-ministro à Comissão Europeia. O objetivo é que os processos decorram de forma mais célere, com o Executivo a adotar o mote de “mínimo de burocracia, máximo de transparência”.
Contudo, a proposta inicial do Governo, que sofreu várias alterações na versão final, foi desde logo criticada pelo Tribunal de Contas, um dos visados das alterações, e até pela Inspeção-Geral das Finanças (que será uma das entidades responsáveis pela fiscalização do PRR). Para o tribunal, a proposta era “suscetível de contribuir para o crescimento de práticas ilícitas de conluio, cartelização e até mesmo de corrupção na contratação pública”. Tanto à esquerda como à direita, os partidos criticaram o Executivo por baixarem o escrutínio exatamente no momento em que mais dinheiro europeu vai chegar a Portugal por causa do Fundo de Recuperação europeu (Próxima Geração UE) acordado pelos Estados-membros.
Prazos mais curtos e limiares mais altos
O que ficou na versão final da proposta que estabelece medidas especiais de contratação pública e altera o Código dos Contratos Públicos e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos? São muitas as alterações que constam do texto final de 71 páginas aprovado no Parlamento, mas é possível destacar algumas das mudanças.
Desde logo, é de notar que algumas das mudanças acordadas para os procedimentos pré-contratuais são temporárias até 31 de dezembro de 2022 e não é por acaso: as verbas do PRR têm de ser contratualizadas até 2023, segundo o acordo alcançado no Conselho Europeu, e os projetos têm de ser finalizados até 2026, caso contrário o dinheiro poderá ter de ser devolvido. O objetivo é acelerar os processos para que Portugal não desperdice as subvenções (a fundo perdido) que lhe serão atribuídas.
Entre essas mudanças está o novo limite máximo de 750 mil euros (o Governo queria que o limiar fosse de 5,3 milhões) para dispensa de concurso — passa a existir uma consulta prévia simplificada, com convite a pelo menos cinco entidades — em contratos financiados por fundos europeus ou que estejam no âmbito do PEES. Contudo, não poderão ser convidadas a apresentar propostas empresas com as quais a entidade adjudicante já tenha feito um contrato este ano ou nos dois anteriores igual ou superior a 750 mil euros, no caso de empreitadas de obras públicas ou de concessões de serviços públicos e de obras públicas.
Além disso, será possível iniciar procedimentos de ajuste direto simplificado quando o valor do contrato for igual ou inferior a 15 mil euros e haverá uma redução do prazo para a apresentação de propostas e candidaturas em concursos públicos e concursos limitados por prévia qualificação. Há, aliás, vários prazos que são encurtados, como é o caso do prazo de apresentação, de pronúncia dos contrainteressados e de decisão de impugnações administrativa, que passa a ser de três dias.
Apesar de os contratos abaixo dos 750 mil euros ficaram fora da fiscalização prévia do Tribunal de Contas, a nova legislação obriga que “todos os contratos celebrados ao abrigo das medidas especiais de contratação pública” sejam enviados ao Tribunal de Contas até 30 dias após a respetiva celebração.
Análise custo-benefício dispensada e possibilidade de adjudicação a preço mais elevado
A nova legislação prevê também que possa ser dispensada a análise de custo-benefício quando se trata da execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, de promoção da habitação pública ou de custos controlados, ou que tenham por objeto a conservação, manutenção e reabilitação de imóveis, infraestruturas e equipamentos ou a aquisição de bens ou serviços essenciais de uso corrente.
Acresce que para acelerar o processo fica prevista a possibilidade de, caso as propostas tenham sido todas excluídas num determinado concurso, haver uma adjudicação a uma das propostas desde que o preço não exceda em 20% o preço base, mas só se for de forma excecional e “por motivos de interesse público devidamente fundamentados”. Essa atribuição deve ser feita à entidade que fique primeiro lugar, de acordo com os critérios definidos, sendo que esta hipótese tem de estar prevista no programa do procedimento.
Comissão independente para vigiar novas regras
Por exigência do PSD, também fica prevista a criação de uma nova comissão que terá o papel de vigiar estas medidas especiais de contratação pública. Esta comissão independente de “acompanhamento e fiscalização”, composta por cinco membros, quatro designados pelos deputados e um pelo Governo. Esta terá de apresentar relatórios semestrais que serão enviados ao Parlamento.
“À Comissão compete acompanhar e fiscalizar a aplicação das medidas especiais de contratação pública previstas na presente lei, assegurando de modo especial o cumprimento das exigências de transparência e imparcialidade aplicáveis aos respetivos procedimentos”, determina a nova lei. Ou seja, o seu âmbito refere-se apenas aos contratos públicos, incluindo os que sejam realizados no âmbito do PRR ou de outros fundos europeus a partir do momento que as regras da contratação pública mudem.
De fora das alterações ficou, por exemplo, uma proposta que tornava regra os concursos de conceção-construção — o que foi criticado pela Ordem dos Arquitetos — ou a proposta de impedir ao júri alterar a ponderação dos critérios de decisão num processo de contratação.
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