O financiamento da Nova Economia do Hidrogénio Verde

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • 14 Dezembro 2020

Sendo conhecidos os benefíciosassociados à integração de larga escala do Hidrogénio Verde, igualmente conhecida é a necessidade de delimitar corretamente os seus mecanismos de financiamento.

I. O financiamento do Hidrogénio Verde e a necessidade de construção de um mercado

É sobejamente conhecida a expressão popularizada por Milton Friedman, segundo a qual “não existem almoços grátis”, que inclusive está na base de um famoso livro publicado no ano de 1975, pelo mesmo autor, com o título “There’s No Such Thing as a Free Lunch”.

Compreende-se a importante mensagem económica subjacente: em sistemas de economia de mercado, subordinados ao mecanismo dos preços, toda e qualquer opção de produção ou consumo tem um custo, materializável num preço a pagar, pelo menos, por um dos intervenientes em cada transação.

Retornando à metáfora de Friedman, não significa que, factualmente, não possam existir almoços grátis para determinados agentes; significa, isso sim, que, pelo menos um agente deverá suportar o custo desse almoço, independentemente de ser (ou não) o beneficiado com a refeição.

É uma boa metáfora para o que sucede ao nível do atual contexto, de alargamento do papel Hidrogénio no sistema energético nacional e, bem assim, em vários outros setores da economia nacional: sendo conhecidos os benefícios incrementais associados à integração de larga escala do Hidrogénio Verde, igualmente conhecida é a necessidade de delimitar corretamente os seus mecanismos de financiamento.

Para uma correta abordagem ao financiamento do vetor Hidrogénio, com destaque para o Hidrogénio Verde (proveniente da eletrólise aquosa), torna-se necessário desenhar os pressupostos de uma realidade prévia e ainda inexistente, pelo menos à escala nacional, e que servirá como a mais eficiente proteção dos consumidores: um verdadeiro mercado do Hidrogénio.
Na realidade, só com um mercado suficientemente integrado será possível delimitar o efetivo alcance subjacente e, bem assim, aprimorar os pressupostos do respetivo modelo de financiamento.

Tudo isto se nunca esquecer que, em indústrias ou setores de capital intensivo, como é o caso, os ciclos iniciais de investimento (curto-prazo) podem culminar em cenários nos quais o CAPEX seja superior ao respetivo EBITDA.

Compreende-se, por isso, que o risco subjacente a investimentos no vetor Hidrogénio conte com níveis de aversão ao risco bastante mais expressivos do que aquilo que sucede face a vetores energéticos com maior maturidade, cabendo ao decisor público a implementação de mecanismos de indução à oferta e procura que, sendo compatíveis com as regras próprias de um sistema de economia de mercado (inclusive à luz do Direito Europeu), permitam alcançar os ambiciosos objetivos estabelecidos a nível europeu e nacional.

A mero título de exemplo, recorde-se que no quadro da “Hydrogen Strategy for a Climate Neutral Europe” apresentada pela Comissão Europeia, as perspetivas passam por ter até 40 GW de capacidade instalada e até 1 milhão Ton de produção de Hidrogénio Verde até 2030.

Por seu turno, o Plano Nacional para o Hidrogénio apresenta uma meta de 2 GW a 2,5 GW de capacidade instalada em eletrolisadores e 10 % a 15 % de injeção de Hidrogénio Verde nas redes de Gás Natural.

II. O lado da oferta (em especial, a produção)

Sem particulares surpresas, à semelhança do que já sucede em relação a outros vetores energéticos, é sobre a produção que têm recaído as principais preocupações do decisor público.

Compreende-se que assim suceda, estando em causa um tipo de vetor energético cujo mercado se caracteriza, embora não exclusivamente, por uma “supplier-induced demand”, na qual as assimetrias informativas existentes entre oferta e procura são utilizadas pelos produtores (com o consentimento do decisor público) para induzir os consumidores a realizar movimentos de substituição entre bens ou produtos que, direta ou indiretamente, estão associados a emissões de Carbono.

Naturalmente que, partindo da oferta, este processo de substituição ao nível da procura tem uma relevância estrutural para o desenvolvimento do mercado do Hidrogénio, compreendendo-se o enfoque do decisor público no desenho de instrumentos que permitam induzir a procura em movimentos de substituição nos quais o Hidrogénio Verde passe a ser progressivamente encarado como bem (ou fator) sucedâneo.

Ao nível da oferta, conforme veremos adiante, o financiamento passará sobretudo por via direta (através de verbas nacionais e comunitárias), tanto à produção como ao próprio investimento.

De forma mais pontual e complementar, poderão prever-se algumas medidas de natureza fiscal.

III. O lado da procura e os dois lados da respetiva indução: tributação do Carbono e “Hydro Nudges”

A tendência para oferecer um peso considerável ao lado da oferta não é irrelevante no atual contexto de discussão em torno do vetor Hidrogénio e, de alguma forma, compreende-se, assumindo que pode estar em causa uma “supplier-induced demand”, pelo menos no curto e médio-prazo.

Mas tal não retira importância ao lado da procura, bem pelo contrário. De facto, se os efeitos indutores ao surgimento de movimentos de substituição não surtirem os efeitos pretendidos – em especial, pela forte inelasticidade-preço da procura em relação a consumos ricos em Carbono (especialmente notória nos combustíveis fósseis) – de nada terá valido o financiamento à produção.

Nesse sentido, do lado da procura, a tarefa a cargo do decisor público passará necessariamente por introduzir medidas que induzam a movimentos de substituição entre consumos libertadores de Carbono e outros que possam ser total ou predominantemente descarbonizados.

Por um lado, tal passará necessariamente por um agravamento da tributação do Carbono, que inclusive já vem sucedendo há várias décadas em praticamente todos os Estados – sendo importante denotar que as respetivas receitas reverterão, preferencialmente, para o financiamento de políticas públicas ligadas à transição energética, inclusive o Hidrogénio Verde.

Mais recentemente, a taxa do adicionamento sobre as emissões passou de €23,619 por tonelada de CO2 para €23,921, igualmente por tonelada de CO2.

Por outro lado, a tarefa passa igualmente pela introdução de “Green Nudges” devidamente adaptados a uma indução progressiva e sustentável pela procura por Hidrogénio Verde.

Os referidos “Green Nudges” correspondem a instrumentos normativos que procuram corrigir e, em alguns casos, moldar a arquitetura da escolha dos consumidores em prol de comportamentos económica ou ambientalmente mais eficientes, mantendo constante ou incrementando os respetivos níveis de bem-estar associados.

Um exemplo muito relevante – e já citado pelas Nações Unidas – é o da construção e ampliação de estações de abastecimento de Hidrogénio, que está diretamente ligado ao incremento no consumo de bens complementares, designadamente veículos a Hidrogénio ou até mesmo transportes públicos movidos a Hidrogénio, como já sucede em várias capitais europeias e a uma escala crescente.

A criatividade dos decisores públicos e dos demais stakeholders, somada aos vários exemplos já estudados e validados por ampla literatura científica, serão mais do que suficiente para criar os alicerces de vários “Hydro Nudges” eficientes para uma correta indução da procura por Hidrogénio Verde.

IV. O triângulo virtuoso para o financiamento do Hidrogénio Verde

De acordo com os elementos até agora conhecidos, e fazendo igualmente um contraponto face a algumas realidades no espetro comparado, a que aludiremos, poderá concluir-se que o financiamento do Hidrogénio Verde repousa num modelo triangular, cujas componentes ou “vértices” analisamos de seguida.

• Financiamento Direto (EU/Portugal)
O primeiro “vértice” do referido financiamento está essencialmente focado em verbas provenientes de programas ou fundos à escala europeia, tanto para a produção como para o investimento, nomeadamente:
(i) O POSEUR (Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso dos Recursos), estando prevista uma verba em torno dos 40 milhões de euros.
(ii) O Portugal 2030, que abrangerá cerca de 360 milhões de euros.

• Estímulos Fiscais
O segundo “vértice” diz respeito aos estímulos associados à introdução de isenções ou benefícios de natureza fiscal.
A este nível, adivinha-se que os Estados-Membros da União Europeia, inclusive Portugal, tenham uma especial parcimónia, não se antevendo particulares alterações de fundo ao nível de impostos totalmente consolidados, nomeadamente ao nível da tributação do rendimento e do consumo, mas sim a introdução de algumas medidas cirúrgicas.

A um nível micro, a Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2) prevê que a injeção de Hidrogénio nas redes de Gás Natural (transporte e distribuição) poderá beneficiar de uma isenção nas Tarifas de Acesso às Redes.

Já a um nível macro, na Estratégia Norueguesa para o Hidrogénio (“Regjeringens hydrogenstrategi”) e na Estratégia Alemã para o Hidrogénio (“Die Nationale Wasserstoffstrategie”) estão já previstas medidas como créditos fiscais para gastos com “utilities” diretamente ligadas à produção de Hidrogénio Verde ou ainda isenções em vários impostos ou taxas ambientais com direta conexão à atividade de produção ou de utilização de recursos endógenos integrados no processo de eletrólise aquosa, como é o caso da água.

Em Portugal, na sequência das alterações introduzidas pelo Orçamento do Estado para 2021, passou já a prever-se uma isenção em sede de Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) para o Hidrogénio Verde.

• Leilões
O terceiro “vértice” passa pela realização de leilões para a atribuição de volumes de produção de Hidrogénio Verde, sendo o respetivo preço de referência fixado com base na estimativa mais refinada sobre a totalidade dos custos de produção envolvidos – com o objetivo final de assegurar uma futura paridade do preço do Hidrogénio Verde com o do Gás Natural que, por razões sobejamente conhecidas, ainda está longe de se verificar.

De acordo com os dados públicos até agora conhecidos, nomeadamente a Estratégia Nacional para o Hidrogénio, o montante associado será financiamento com receitas do Fundo Ambiental (cerca de 500 milhões de Euros).

Ainda assim, segundo entendemos, será particularmente desafiante observar em que termos uma estrutura como o Fundo Ambiental poderá dar resposta ao volume de financiamento suscitado pelos ambiciosos objetivos em torno do Hidrogénio Verde, já que nos parece algo improvável que tal suceda sem uma ampliação das suas fontes de receita ou, simetricamente, redução de fontes de despesa às quais tem estado adstrito.

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • Assistente na Faculdade de Direito de Lisboa e counsel na Vieira de Almeida

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