Após um ano que ninguém esperava e que deitou os mercados ao chão, bancos de investimento estão otimistas para 2021. Mas avisam: tudo vai depender do ritmo a que a vacina consiga travar a pandemia.
Além do champanhe e das passas, o fim do ano é época de desejos e previsões para o ano novo. Nos mercados não é exceção e — após 2020 ter saído totalmente ao lado de qualquer projeção e a pandemia ter atirado as economias mundiais para a maior recessão desde a segunda Guerra Mundial –, a expectativa é que 2021 seja de retoma. A questão que se coloca é, assim, onde investir para aproveitar esta inversão?
“A economia global recuperou do pior da recessão causada pela Covid-19, apesar de alguns países continuarem a lutar contra o aumento do número de infetados e com medidas de confinamento. Muito depende da implementação bem-sucedida de uma vacina e de tratamentos terapêuticos eficazes. Se a pandemia não for controlada, pode levar anos para as economias recuperarem”, alerta o Allianz Global Investors (GI) sobre os fatores que vão marcar 2021.
As bolsas fecharam o ano com perdas ligeiras, numa recuperação impulsionada pela descoberta de uma arma para combater o vírus. O índice de referência nacional PSI-20 perdeu 6%, enquanto o Stoxx 600 recuou 4%. Na Europa, a exceção foi o índice alemão DAX, que valorizou 3,5% e acompanhou a tendência nos EUA. Não só Wall Street esqueceu o vírus como renovou sucessivamente máximos no final do ano. O S&P 500 teve um ganho anual de mais de 15%, enquanto o tecnológico Nasdaq valorizou quase 50%.
Além do desenvolvimento da infeção global, primeiro os estímulos monetários a uma escala inédita, e mais tarde os orçamentais, foram determinantes para impulsionar o sentimento dos investimentos. O dinheiro barato fluiu no mercado, permitindo aos países financiarem-se a baixos custos, mas também retirando retornos aos investidores em dívida, que se viram empurrados para o apetite.
É neste cenário que chega 2021 e, com ele, o renovado otimismo dos analistas dos vários bancos de investimento internacionais consultados pelo ECO. Mas todos sublinham que a chave para o sucesso está na vacina. “Estamos positivos em relação à recuperação. O nosso outlook económico é firmemente positivo. O início das aprovações das vacinas e respetiva distribuição impulsiona a nossa confiança num forte crescimento global em 2021″, aponta o Goldman Sachs. “Em conjunto com políticas de apoio e a descida nas yields reais dos EUA, mantêm-se um cenário favorável aos ativos de risco”.
Espaço para as ações subirem ainda não acabou
O consenso dos analistas é que as bolsas não chegaram ao fim do rally, mas é preciso atenção às escolhas que se fazem. “A natureza altamente invulgar da recessão da Covid-19 criou fortes contrastes entre vencedores e perdedores“, alerta a JP Morgan Asset Management (AM). Por um lado, há o preço dos títulos: setores como a tecnologia ou a saúde foram fortemente beneficiados em 2020, ao contrário do que aconteceu com turismo e lazer, banca ou energia. O mesmo acontece em termos de regiões, com os EUA mais fortes que a Europa. “A questão chave é quão confiantes estamos de que a transição entre vencedores e perdedores será sustentada”, aponta a gestora de ativos.
“Os modelos normais não se aplicam. O cenário é comparável com o de uma catástrofe natural“, concorda André Themudo, responsável do negócio da BlackRock em Portugal. “Gostamos de risco, mas há que ter cuidado”. A financeira, que tem 7,8 biliões de dólares em ativos sob gestão, está mais otimista em relação a ações do que obrigações e subiu, no posicionamento para 2021, a recomendação para o mercado acionista dos EUA, passando para overweight. Dentro destas, as preferidas são ações de saúde e tecnologia por considerar que ainda têm potencial de valorização.
Várias casas de investimento partilham da perspetiva sobre a tecnologia por considerarem que a pandemia alterou permanentemente a forma de trabalhar e viver. Já as ações cíclicas — que acolhem a aprovação de alguns grandes investidores — terão um desempenho mais dependente do curso da economia. Por último, há ainda outro fator a pesar nas escolhas de investimento acionistas: dividendos. Após 2020 já ter sido de corte na remuneração acionista, não se espera uma inversão na tendência tão cedo pelo que a procura por dividendos só deverá compensar a longo prazo.
“Por vezes, numa estratégia de investimento que privilegia a procura por dividendos atrativos, pode haver a tendência para ignorar outros aspetos fulcrais de uma empresa como o nível de endividamento e a geração de fluxos de caixa. Tal como esta crise pandémica demonstrou, tais medidas não podem ser colocadas num patamar secundário dado que também estão na base da sustentabilidade do pagamento desses mesmos dividendos”, aponta a equipa de research do BiG – Banco de Investimento Global.
Obrigações pouco atrativas (exceto na periferia)
“Se há algo que a crise atual nos ensinou, é que o Banco Central Europeu (BCE) irá fazer de tudo para evitar o que se sucedeu após a crise financeira de 2008”, continua o banco de investimento português. “As intervenções extraordinárias fizeram um bom trabalho em apoiar a economia”, elogia igualmente a JP Morgan AM, “mas têm um preço”. Esse custo são os retornos dos investidores.
A instituição liderada por Christine Lagarde lançou uma bazuca com mais de um bilião de euros, o que essencialmente levou o BCE a comprar toda a dívida emitida por países como Portugal. Este programa foi determinante para a redução das yields das obrigações soberanas, que em países como Alemanha ou França caíram para níveis ainda mais negativos. Em Portugal e Espanha aproximaram-se de zero, tendo no caso português chegado a negociar abaixo deste limiar histórico pela primeira vez.
Tanto o BCE como a Reserva Federal norte-americana — que implementou igualmente medidas extraordinária de apoio à economia — já garantiram que não iam tirar o tapete aos países proximamente. Pelo contrário. A expectiva é, por isso, que as taxas de juro continuem sob forte pressão, tirando atratividade às Bunds alemãs e, de forma geral, à dívida pública com grau de investimento de qualidade. De fora deste sentimento ficam os juros que ainda estejam positivos, como é o caso de Portugal. High yield é também exceção, mas é preciso estar disposto a assumir maior risco.
Emergentes, renováveis e ESG são estrelas
Tanto nas ações como nas obrigações, há alguns temas que são transversais. É o caso do otimismo face aos mercados emergentes, nomeadamente a Ásia, que “depois de uma década de domínio dos mercados dos EUA, poderá brilhar”, antecipa o JPMorgan AM. Mas mais do que regionais, os temas são tendências que os analistas esperam que mudem hábitos consumo a nível global. É o caso da tecnologia, mas também das preocupações ambientes. Após um ano em que se verificou que a crise pandémica não fez esquecer, mas até exacerbou estes problemas, os critérios ambientais, sociais e de governo de sociais (ESG, na sigla em inglês) continuam incontornáveis.
Dentro destes, há um lugar especial para a transição energética, que ganhou um novo aliado. “Tendo em conta a eleição de Joe Biden [para Presidente dos EUA] e o plano de recuperação europeu, a transição para a produção de energia renovável irá ganhar cada vez mais peso na economia mundial”, espera o BiG, lembrando ainda as metas de redução de emissões de gases de estufa da União Europeia. “As energias renováveis estão no caminho para se tornarem líderes no setor da energia”.
Depósitos e produtos de aforro ainda menos rentáveis
Os baixos juros da dívida pública nos mercados têm tornado os produtos de aforro do Estado ainda menos atrativo já que o Tesouro tem dificuldades em oferecer retornos atrativos, o que levou até à desistência das Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável. A taxa de juro dos Certificados de Aforro é indexada à Euribor, que não deverá subir proximamente. Já os Certificados do Tesouro Poupança Crescimento (CTPC) remuneram os investidores consoante a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) e, dada a recessão, este fator nem se coloca. E ainda vai demorar a colocar-se já que o cálculo é feito com dados dos trimestres anteriores.
Os retornos pouco atrativos tornam-se ainda mais limitados devido às comissões cobradas pelos bancos. Com margens financeiras pressionadas, as instituições financeiras têm aumentado taxas e diminuído remunerações dos depósitos. As novas aplicações em depósito a prazo são remuneradas com taxas de juro abaixo de 0,1%. Apesar de ter pouco espaço para cair ainda mais, as taxas de juro também não deverão aumentar no próximo ano. Assim, os aforradores que procuram menor risco ficam, de certa forma, limitados aos fundos de investimentos, mas também neste caso é preciso considerar as comissões cobradas.
Queda do dólar pode ajudar ouro
Nas moedas, é — sem surpresa — também a vacina o fator chave para o desempenho em 2021. O dólar norte-americano “enfrentou fortes ventos contrários com o enfraquecimento dos riscos globais, o aumento das expectativas de inflação nos EUA e a maior clareza sobre perspetivas de crescimento mundial”, que levaram o par euro / dólar muito acima de 1,20, apoiando todas as outras moedas do G10, nomeadamente as escandinavas, refere o Danske Bank, que espera uma subida até 1,24.
O banco de investimento dinamarquês sublinha que a direção do euro / dólar será determinada mais pelos norte-americanos do que pelos europeus, esperando que, além do combate ao vírus, o curso seja determinado pelo “provável” alívio orçamental nos EUA. A mudança de liderança no país de Donald Trump para Joe Biden poderá igualmente ser um fator de incerteza. Relativamente ao outro ativo refúgio do mercado cambial, o iene japonês, os bancos de investimento estão otimistas quanto ao desempenho face ao dólar norte-americano em 2021, mas alertam que as polémicas em torno do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe e a retoma da economia são riscos.
Já o ouro — que atingiu máximos históricos em 2020 graças à fuga da incerteza — deverá continuar a beneficiar da queda das yields das obrigações. E, ainda mais, caso se verifique uma recuperação da inflação e desvalorização do dólar. O metal precioso atingiu o recorde de 2.070 dólares por onça em agosto e a expectativa dos analistas é que volte a negociar acima da barreira dos dois mil dólares.
2021 pode reforçar confiança nas criptomoedas
O mundo das criptomoedas, que parecia adormecido no ano passado, voltou a captar atenções este ano. Primeiro como uma espécie de refúgio quando se lançou o pânico nos mercados, mas também pelas valorizações geradas por razões técnicas. Técnico ou real, certo é que a bitcoin atingiu um máximo de sempre, acima os 20.000 dólares. As casas de investimento tradicionais não fazem recomendações sobre criptomoedas e o investimento nestes ativos continua a ser altamente arriscado.
No entanto, grandes investidores poderão estar próximos de ter uma nova forma de participar dos ganhos. Apesar de ter sido criada para romper com o sistema financeiro centralizado, o mundo da bitcoin confunde-se cada vez com o sistema que outrora pretendeu tentar substituir. Além dos primeiros derivados financeiros da bitcoin, lançados em 2017, a Coinbase, a maior “carteira” de bitcoin e outras moedas virtuais, deu início em dezembro ao processo de entrada na bolsa dos EUA.
Cobre e bens agrícolas são os preferidos nas matérias-primas
Se o ano foi louco para as ações e obrigações, para o petróleo ainda mais. A pandemia de Covid-19 trouxe desafios adicionais a um setor que já estava sob a pressão da sobreprodução e da transição energética. Neste cenário, os preços andaram numa montanha russa que passou mesmo pelos históricos -40 dólares por barril. Com o desconfinamento gradual, o consumo de petróleo começou a recuperar e a progressiva retoma da economia ajudou a normalizar o mercado, levando os preços para próximos dos 50 dólares.
Mas o mercado é fortemente dependente da economia, o que lança dúvidas sobre o futuro. O consenso compilado pela Reuters indica que o preço do brent poderá descer ainda mais até aos 49,35 dólares em 2021, enquanto o crude WTi poderá recuar até 46,40 dólares. “Melhorias no outlook económico deverão claramente ajudar a gerar uma pressão crescente nos preços do petróleo, à medida que a procura normalize”, antecipam os analistas do JP Morgan AM. “Mas os obstáculos continuam à medida que o mundo transita da dependência dos combustíveis fósseis em direção às renováveis“.
Além do petróleo, o gás foi também uma matéria-prima fortemente penalizada pelas quebras no consumo. “A Covid-19 e o aumento da capacidade de exportação de GNL [gás natural liquefeito] pesaram nos mercados de gás este ano. No entanto, com a recuperação da procura e a limitação adicional à capacidade de exportação em 2021, acreditamos que os preços regionais do gás terão um bom suporte”, antecipam os analistas do ING, que esperam ainda um ano moderadamente positivo para o carvão, o reequilíbrio do alumínio e que a transição energética alimente o crescimento robusto da procura por cobre.
Mas é mesmo nos bens agrícolas que o banco de investimento holandês vê maior potencial. “Os mercados agrícolas receberam um impulso em 2020 e um dos principais fatores foi uma recuperação significativa na procura chinesa ao longo do ano”, explicam, apontando para soja, milho, trigo ou açúcar. Por um lado, o acordo comercial com os EUA desempenhou um papel importante no aumento das importações e, por outro, a China poderá ter estado a garantir a segurança alimentar na pandemia. “A China aumentou as importações agrícolas este ano por vários motivos e parece que essas fortes compras devem continuar em 2021, o que deve significar que o complexo agrícola continuará bem apoiado no próximo ano”, acrescentam.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Depois da pandemia, a vacina traz a retoma em 2021. Onde investir?
{{ noCommentsLabel }}