Da cortiça, ao vinho e aos têxteis. Como olham estes setores para o Brexit?
Há empresas portuguesas preocupadas com as exportações de produtos para o Reino Unido. É o caso do setor têxtil e do setor automóvel. O mesmo não acontece com o setor da cortiça e do vinho.
O Reino Unido está oficialmente fora da União Europeia (UE) e, com isso, vêm consequências para muitas empresas. Se do lado das empresas britânicas se antecipa uma subida dos preços, do lado das empresas portuguesas as preocupações têm a ver com as exportações de produtos, sobretudo no têxtil e nos automóveis. Ainda assim, nem todos os setores partilham dessas preocupações, como a cortiça e o vinho.
Um novo Acordo de Comércio e Cooperação, concluído em 24 de dezembro, entrou em vigor às 23h00 de 31 de dezembro, para suceder ao período de transição pós-Brexit, durante o qual o Reino Unido manteve acesso ao mercado único e o respeito pelas regras europeias.
Rompidos os últimos laços de uma relação de quase 50 anos, o acordo garante o acesso mútuo dos produtos aos dois mercados sem quotas nem taxas aduaneiras, mas passam a existir uma série de barreiras comerciais, como mais controlos aduaneiros e burocracia nas transações económicas.
Setor da cortiça continua otimista
O setor da cortiça continua a olhar “com otimismo” para o Reino Unido, mesmo após o anúncio da saída da União Europeia (UE), afastando a hipótese de um impacto direto “muito relevante”, adiantou a Associação Portuguesa da Cortiça (APCOR) à Lusa.
“Apesar de não estimarmos um impacto direto muito relevante no nosso setor, o mesmo poderá acontecer por via do efeito nos nossos clientes, tendo em conta que dos 4,4 mil milhões de dólares de vinho importados pelo Reino Unido em 2019, mais de 70% têm origem na UE”.
Em 2019, o Reino unido ocupou o sexto lugar nas exportações portuguesas de cortiça. Este é um mercado para o qual o setor duplicou as suas exportações na última década “e para o qual continuamos a olhar com otimismo”, garantiu a associação.
Fundada em 1956, a APCOR é uma associação patronal que representa 278 empresas, responsáveis por 80% do volume de negócios do setor.
Setor do vinho “tranquilo” quanto à evolução das exportações
O setor do vinho está “tranquilo” com o Brexit, não prevendo qualquer problema a nível das exportações, a menos que se verifique uma crise económica, adiantou à Lusa a Associação de Vinhos e Espirituosas de Portugal (ACIBEV).
“O setor do vinho está tranquilo e não antecipa qualquer tipo de problema nas exportações para o Reino Unido, devido ao Brexit”, assegurou a associação. Conforme explicou a associação, o processo só será impactado caso se verifique uma crise económica no Reino Unido, o que, a acontecer, “será mais provavelmente” devido à pandemia de do que ao Brexit.
A valorização da libra, por outro lado, também pode afetar as exportações portuguesas de vinho, porém, a ACIBEV diz não ser expectável que isso venha a acontecer. Já o custo decorrente do processo alfandegário, após a saída do Reino Unido da UE, “vai ser residual” para as empresas que exportam regularmente e com “alguma quantidade”.
Têxteis e automóvel receiam demoras nos processos alfandegários
O setor dos componentes automóveis e a indústria têxtil e do vestuário receiam demoras nas exportações, tendo em conta que haverá um aumento de burocracia a nível alfandegário. Em declarações à Lusa, Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), alertou para um aumento dos “custos de contexto em termos de todo o processamento alfandegário”, lamentando que se tenha perdido “uma vantagem que existia por todos estarem dentro do mesmo espaço comercial” e sublinhando que houve um “retrocesso no tempo”.
Também Adão Ferreira, secretário-geral da AFIA — Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel, apontou “os efeitos nefastos da introdução da alfândega”, explicando que “as mercadorias passarão a estar sujeitas ao cumprimento de formalidades aduaneiras”. “Este custo de contexto poderá causar atrasos na entrada/saída de mercadorias da UE para o Reino Unido e vice-versa. Ou seja, em última análise poderão ocorrer falhas no fornecimento de componentes às linhas de montagem”, garantiu.
Ainda assim, os dirigentes associativos aplaudem o facto de não haver tarifas acrescidas com a saída do Reino Unido da UE, que se concretizou às 23:00 de 31 de dezembro. “Felizmente o cenário de haver tarifas não se concretizou porque houve acordo e isso foi uma grande vantagem porque iria criar sérias complicações no mercado”, referiu Mário Jorge Machado.
Também a AFIA “aplaude o facto de o acordo prever direitos aduaneiros nulos e contingentes pautais com isenção de direitos para todas as mercadorias que cumpram as regras de origem adequadas”, de acordo com Adão Ferreira. No caso dos componentes automóveis fabricados em Portugal, “o Reino Unido continua a ser um mercado importante”, sendo o “quarto país parceiro comercial da indústria de componentes automóveis portuguesa, com uma quota a rondar os 7% das exportações”.
Para a indústria têxtil e vestuário o peso do mercado britânico é de aproximadamente 6,5%, segundo dados da ATP. Mário Jorge Machado alertou ainda para o impacto de questões “como a economia circular, a produção sustentável” e “a utilização de produtos que estão validados como inofensivos para uso humano, porque no setor do vestuário há ainda artigos feitos em algumas zonas do mundo que podem utilizar químicos que não são possíveis de usar dentro da União Europeia”.
O dirigente associativo questionou se o Reino Unido “vai manter a postura de não usar este tipo de produtos ou se vai começar a utilizar outro tipo de materiais que são mais baratos, mas nocivos para o ambiente e as pessoas”.
A indústria têxtil depara-se ainda com outro desafio para os próximos tempos. “Houve uma série de antecipações nestes últimos meses, porque previa-se que pudesse haver um cenário de introdução de taxas e houve muitas marcas que anteciparam compras desde outubro”, alertou Mário Jorge Machado. Esta movimentação terá agora “um efeito de alguma forma perverso que vai fazer com que os próximos três meses haja uma diminuição mais acentuada porque houve uma antecipação em termos de stocks”, explicou, sublinhando que se trata de “situações de conjuntura, não é estrutural”.
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