Afinal não é preciso fazer nada nos países desenvolvidos
Bill Gates defende a energia nuclear minimizando os riscos de segurança global, de saúde pública e o muito sério problema com a eliminação dos seus resíduos.
A propósito do lançamento do seu livro “How to avoid a climate disaster” Bill Gates desdobrou-se em entrevistas, uma delas no jornal Público.
Nessa entrevista o “multitrilionário”, com uma fortuna pessoal estimada em mais de 100 Biliões de Dólares (nem se percebe bem quantos zeros são) que, de acordo com as estimativas, demoraria cerca de 258 anos a gastar a fortuna que já tem, caso gastasse 1 milhão de euros por ano e que equivale a mais que o PIB combinado de vários países no mundo, decidiu enunciar o pensamento que desenvolve no livro e as soluções para a sustentabilidade mundial.
Entre as diversas opiniões que expressou registei, em particular, a defesa da energia nuclear para ultrapassar os problemas energéticos e de eletrificação no mundo e a identificação de um problema sério relacionado com muitos países, em especial no hemisfério sul (África e Ásia), nos aspetos ligados ao seu desenvolvimento e os impactos na sustentabilidade global desse mesmo processo.
Como principais respostas o multimilionário defende as parcerias público-privadas para a inovação e destaca o investimento de milhares de milhões de dólares do Estado Norte-Americano no seu projeto de fissão nuclear (como se o próprio não o pudesse fazer sozinho) e que a sustentabilidade do mundo e o combate ao aquecimento global não se faz com um corte no modelo de consumo dos países mais ricos e desenvolvidos, porque isso “não afeta as alterações climáticas de forma significativa”. Na sua opinião trata-se de uma “questão de números” pois as emissões “ao longo do tempo, virão, provavelmente, sobretudo dos países em vias de desenvolvimento”.
Repudio esta visão e as afirmações de Bill Gates. Aliás, é precisamente por este tipo de afirmações que vemos a atual e inultrapassável desigualdade no mundo, como se verifica, por exemplo, no acesso às vacinas contra a COVID (como referiu recentemente o Secretário-Geral das Nações Unidas, dos 193 países reconhecidos pela ONU existem 103 que ainda não tiveram acesso a qualquer vacina).
Não se estranha que um norte-americano, que enriqueceu à conta de software informático combinado com a captura mundial e das nações pelo seu produto comercial, considere que o consumo nos países que lhe dá o rendimento certo e permanente fosse algo a rever. Agora, e apesar do génio informático, intelectual e comercial de Bill Gates, elevar a sua opinião, ampliando-a como a panaceia dos problemas ambientais mundiais é um manifesto exagero.
Bill Gates defende a energia nuclear minimizando os riscos de segurança global, de saúde pública e o muito sério problema com a eliminação dos seus resíduos. De resto percebe-se isso, uma vez que é tecnologia que já se encontra desenvolvida, é conhecida e consequentemente mais fácil de implementar, gerando as receitas necessárias para a empresa a que faz referência na sua entrevista e onde terá investido fortemente, por pura coincidência. Andaria melhor se usasse os inesgotáveis recursos e meios que tem à sua disposição para desenvolver as soluções de armazenamento de energia de fontes renováveis, que o próprio refere como uma solução que só aparecerá por milagre.
Ora, se os apoios financeiros dos Estados e das empresas fossem direcionados para a investigação e desenvolvimento dessa capacidade, teríamos um planeta mais sustentável, a começar pela mudança necessária nos países desenvolvidos, mas também, para implementar desde já estas soluções nos países que, nas palavras do multimilionário, fazem fogueiras para ter iluminação noturna.
Por fim, o consumo. Ainda que o que refere possa ter alguma correspondência com a realidade, a alteração do padrão de comportamento e consumo nos países desenvolvidos tratar-se-ia, no mínimo, de uma questão de ordem moral. Pois os países que ao longo dos séculos tiveram a capacidade de se desenvolver, muitos deles à custa dos recursos dos países que se encontram hoje com atrasos significativos no seu desenvolvimento e carecidos das mais elementares e básicas infraestruturas que permitam a qualquer pessoa viver com dignidade, têm hoje a obrigação de reduzir a sua pegada, quanto mais não seja para permitir que os países menos desenvolvidos possam, ainda que transitoriamente, aumentar a sua.
Quando a “vox pop” afirma que anda meio mundo a trabalhar para outro meio, associando a isso, erradamente, pequenos oportunismos sociais, na realidade a expressão significa mesmo o que aqui se escreve e de forma literal.
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