Falta de chips esgota portáteis. E o problema não vai ser resolvido de um dia para o outro
Sem ovos não se fazem omeletes. E sem processadores não se fazem portáteis. Há uma escassez de chips a nível internacional e o problema não deverá ser resolvido assim tão cedo.
Quando o Governo decretou a retoma das aulas à distância, muitas famílias foram surpreendidas por uma escassez de equipamentos como computadores portáteis. De facto, têm-se registado ruturas de stock em algumas das principais marcas. Numa altura em que o Governo tenciona entregar um total de 435 mil portáteis aos alunos mais carenciados, a dificuldade em obtê-los vai continuar a ser uma realidade. Há falta de chips em todo o mundo. E essa é uma realidade que não vai ser resolvida de um dia para o outro.
Numa entrevista ao ECO, o secretário de Estado para a Transição Digital, André de Aragão Azevedo, repetiu o argumento que tem vindo a ser dado pelo Governo: há uma “escassez não só de computadores prontos como de componentes”. O governante explicou ainda que o problema é “internacional” e decorre da “procura mundial”, pois “toda a gente está a passar pelo mesmo desafio”. Mas o que se passa em concreto?
É um dos temas quentes na indústria das tecnologias da informação. Existem problemas no fornecimento de processadores (vulgo chips) e de outras componentes, como as memórias. E para perceber a origem, é preciso mergulhar na cadeia de fornecimento de indústrias como a dos computadores e até dos automóveis.
Pandemia agravou problema que já existia
Francisco Jerónimo, vice-presidente associado do departamento de dispositivos da IDC no mercado da Europa, Médio Oriente e África, encontra duas grandes razões para a escassez mundial de chips. Mas começa por lembrar que “o problema da falta de componentes já existia antes da pandemia”.
A chegada da Covid-19 veio agravar a situação. Primeiro, por causa da crise sanitária, algumas fábricas “pararam e começaram a acumular” encomendas. Muitas dessas encomendas eram pedidos que seriam normais e que, por causa do travão na produção, começaram a acumular-se, explica o analista. No entanto, “em cima disso”, a pandemia gerou um aumento bastante expressivo da procura de processadores — componentes que, nos dias de hoje, não estão só nos computadores: dão vida aos nossos automóveis, televisões e até frigoríficos.
Uma das razões desse aumento da procura foi “o facto de as pessoas terem de trabalhar a partir de casa”. Contas feitas, o mercado dos portáteis, que há cerca de 15 anos não registava crescimentos de dois dígitos, disparou em 2020, contrariando todas as expectativas. A tendência deverá manter-se em 2021, com a IDC a rever em alta as perspetivas para o ano, de pouco mais de 1% para quase 20%, indica Francisco Jerónimo.
“Houve aqui uma procura de PCs e de tablets muito acima do normal”, diz o analista, lembrando que, quando a pandemia se abateu sob o ocidente, as perspetivas eram de uma recuperação “mais lenta”, levando algumas fabricantes de processadores a ajustarem em baixa a produção. A China rapidamente inverteu a situação, dando origem a um fenómeno chamado revenge spending, com muitos cidadãos a aproveitarem para fazer as compras que não fizeram enquanto estiveram em confinamento.
“Ainda há um backlog [de encomendas] muito grande de terminais, ao ponto de a procura continuar muito alta”, sublinha Francisco Jerónimo, reforçando que, por um lado, muitos consumidores ainda não conseguiram adquirir os dispositivos necessários (computadores portáteis, sobretudo) e outras a terem de fazer upgrade a eventuais dispositivos mais baratos que tenham adquirido em 2020, quando se perspetivava que a pandemia pudesse ser um problema mais passageiro.
Outro aspeto que deverá continuar a manter a procura em altas é a “flexibilização” do trabalho, com as empresas a voltarem a apostar nos portáteis, ao invés dos computadores fixos e dos tablets. O ensino à distância acrescenta ainda mais pressão à cadeia.
Uma solução óbvia passaria por acelerar a produção, mas o analista explica que tal não é possível de um dia para o outro. “Estamos a falar de tecnologia de ponta, altamente complexa e que exige grandes investimentos. Não é comprar uma máquina, instalar e está pronto”, refere. Deste modo, o problema da escassez de processadores não deverá ficar resolvido já amanhã.
Ainda há um backlog [de encomendas] muito grande de terminais, ao ponto de a procura continuar muito alta.
Marcas esforçam-se por entregar portáteis
Este fenómeno de maior procura e pouca oferta de processadores — componente essencial para a assemblagem de portáteis — tem constituído um grande desafio para as marcas de computadores.
Ao ECO, Alexandre Silveira, diretor de marketing da HP, corrobora que “antes do início da pandemia, a indústria das TI [tecnologias da informação] já se debatia com problemas de fornecimento, sobretudo de processadores”. “A pandemia veio agravar este efeito, com o aumento da procura de equipamentos para o trabalho remoto e o ensino à distância, e um problema que estava mais ou menos circunscrito aos processadores alargou-se a muitos outros componentes, como os painéis LCD e outros que também são utilizados em outras indústrias como as de eletrónica de consumo ou telecomunicações”, acrescenta o responsável.
Assim, sem ovos, não se fazem omeletes. Segundo Alexandre Silveira, “o efeito prático é que este fenómeno tem afetado a capacidade de produção de portáteis e de muitos outros equipamentos, por parte da grande maioria dos fabricantes deste tipo de produtos”. Mesmo assim, a HP tem empenhado esforços no sentido de “maximizar a sua capacidade de produção e entrega” em Portugal. “Conseguimos fornecer em 2020 quase mais 30% de computadores portáteis do que em 2019 e, segundo a IDC, fomos a marca que mais computadores vendeu no total”, refere.
Também a marca de computadores Dynabook assume a existência de dificuldades no plano internacional. Ao ECO, Carlos Cunha, diretor comercial da empresa em Portugal, refere que os motivos que “explicam a escassez de oferta no segmento de portáteis prendem-se com uma procura muito superior, em termos globais, à capacidade de produção instalada”.
“Esta elevada procura afeta diretamente a disponibilidade de vários componentes necessários ao fabrico dos equipamentos, como é o caso dos painéis, placas e alguns módulos específicos”, reconhece o responsável, que acrescenta: “No caso da Dynabook, por deter fábricas próprias consegue continuar a assegurar os tempos de entrega dentro dos standards normais e aceitáveis, isto é, 4 a 5 semanas para a maioria do nosso portfolio de equipamentos.”
Das marcas contactadas, apenas a Lenovo descartou existirem problemas com o fornecimento de processadores. Fonte oficial diz ao ECO que “não existe escassez de chips desde há um ano ou mais”. O ECO instou a Lenovo a dar mais detalhes, mas a empresa não respondeu até ao fecho deste artigo. Ao que foi possível apurar, a empresa já antes da pandemia vinha a incorporar uma estratégia de manutenção de reservas destas componentes, perante a capacidade limitada de produção que existia e continua a existir a nível mundial.
Outro dos setores mais afetados é o automóvel. A Volkswagen Autoeuropa assegura que o problema ainda não está a afetar a capacidade de produção de automóveis em Palmela. Mas as dificuldades têm sido sentidas por diversas marcas em todo o mundo.
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