Se fosse ministro da Justiça, para Nuno Pena, sócio da CMS, existiria apenas uma prioridade: resolver o congestionamento nos tribunais.
Nuno Pena é sócio fundador da CMS Rui Pena & Arnaut e estreia a rubrica de “Como é fazer contencioso em tempos de pandemia”. Centra a sua prática nas áreas de Direito Civil, Comercial, Societário e resolução de litígios na área da Banca. Para o advogado é importante que Portugal seja obcecado com a corrupção e conta que foi em tempos ameaçado no Tribunal de Portalegre.
À Advocatus, garante que fazer contencioso em confinamento é possível, quer em arbitragem quer nos tribunais judiciais, “caso não suspendam os prazos”. Sobre as férias judicias, Nuno Pena considera que deveriam ser reduzidas e que seria “um exemplo neste contexto”. Se fosse ministro da Justiça existiria apenas uma prioridade, resolver o congestionamento nos tribunais, que segundo o sócio da CMS é o maior flagelo.
As férias judiciais são um tema que é politicamente recorrente. Perante este contexto da pandemia, concorda que deveriam ser reduzidas, de forma a recuperar o tempo perdido?
Sem dúvida. Seria um exemplo neste contexto. Cada dia que se recupere será uma vitória.
Mas digo-lhe mais: nem devia haver férias judiciais. Trata-se de um regime obsoleto justificado historicamente na necessidade de não perturbar as épocas de colheitas. Ora, o nosso tempo é outro. Um tempo em que as economias competem entre si e a eficiência dos sistemas de justiça são indicadores a que os investidores estão atentos. Tenho, porém, bem presente que o problema dos atrasos não se resolve (só) com o fim das férias judiciais.
Fala-se ou falou-se em situações de pré- rutura do SNS. E do sistema de Justiça? O que se pode esperar com esta paragem derivada da pandemia?
O SNS tem sido apontado como um dos sucessos – talvez o mais assinalável – do sistema democrático atual. Enfrentou uma situação de pré-rutura e a resposta foi inexcedível.
O nosso Sistema de Justiça foi forjado num país antigo em que advogados e juízes se conheciam. Em que fazia sentido parar para acudir às colheitas. O sistema está em rutura e há muito. A pandemia veio apenas agravar o estado deste sujeito obeso e enfermo. O sistema pura e simplesmente não responde. Pior do que isso, reagiu medrosamente. Chocou-me observar, dado passo, advogados – supostos profissionais livres – a clamar junto da Ordem pelo fecho dos tribunais e pela suspensão dos prazos num confrangedor contraste com a posição de muitos magistrados e funcionários.
Dito isto, há a anotar positivamente a celeridade conseguida no processo de informatização, da digitalização e da utilização de todos os meios tecnológicos no funcionamento da justiça. Vi juízes, advogados e funcionários entreajudarem-se bem para lá do dever legal de colaboração.
A justiça tem de ser capaz de acompanhar o ritmo das relações sociais e económicas. Neste momento já não basta ligar o turbo – é de facto necessário redesenhar toda a máquina.
Quem serão as maiores vítimas desta paragem?
A nossa justiça, por vezes, parece ser um espaço separado do mundo e do tempo. Parece que nem diz respeito aos homens. No fim todos sofremos com isso. Uns mais diretamente, outros menos. Temos que continuar a trabalhar. A insistir sempre. Cada um a seu jeito. Como a viúva da parábola do juiz iníquo.
O discurso dos atrasos na Justiça é recorrente. Já foram adiadas 50 mil diligências devido à Covid-19. Esta passará agora sempre a ‘desculpa’ para esses mesmos atrasos?
Talvez por defeito, tenho sempre esperança. Seria uma lástima que assim fosse. Como disse, os atrasos não são de agora. A notícia do adiamento de um ou outro caso mais mediático por causa da pandemia é voyeurismo. O nosso verdadeiro problema é o atraso crónico. Transversal a todas as jurisdições. De anos e anos. Uma semana de inação num processo de reestruturação numa insolvência pode significar o fim de uma empresa. Um prejuízo enorme para os credores. A inação num processo de execução pode significar o colapso financeiro de uma família. Partilhas, arrendamentos, processos de alimentos, regulações de poder paternal. Nada funciona. E no fim da linha estamos sempre nós. As pessoas.
Não é fácil ser PM ou ministra da saúde nesta fase. Mas como avalia a atuação do Governo ao lidar com a pandemia? Estamos reféns das opiniões de demasiados especialistas?
Vivo numa espécie de “denial” metódico. Interiorizei há um ano que o mundo não ia acabar. Os comunicados histriónicos, os números, as estatísticas, as curvas negras e o tom pesaroso e jejuante dos “pivots” televisivos não me perturbaram e fui plantar a minha macieira. Se fizermos o que nos compete e nos procurarmos adaptar às circunstâncias fazemos mais por nós e por todos. O que espero do PM e da Ministra da saúde é que façam o mesmo pois eu não sei fazer o trabalho deles.
Dito isto, receio que se está a descurar – e não é de agora – o vetor económico. Também me preocupa a lógica estadista e dirigista subjacente ao plano desenhado para a utilização dos fundos europeus. Isto para não falar na sua opacidade, criticada, até, pelo seu autor original.
Vivo numa espécie de “denial” metódico. Interiorizei há um ano que o mundo não ia acabar. Os comunicados histriónicos, os números, as estatísticas, as curvas negras e o tom pesaroso e jejuante dos “pivots” televisivos não me perturbaram e fui plantar a minha macieira”
Fazer contencioso em confinamento é possível?
Sim. Quer em arbitragem quer nos tribunais judiciais. Caso não suspendam os prazos, naturalmente.
Os desafios são vários mas quase tudo é possível havendo vontade, profissionalismo e colaboração séria entre os intervenientes. Na arbitragem tudo é mais simples por razões mais ou menos óbvias.
Muito se tem falado também nalgumas dificuldades relacionadas com as audiências de julgamento nos tribunais judiciais e mesmo na arbitragem mas de um modo geral tem sido possível em termos muito satisfatórios, diria. Acresce que o contencioso vai muito para além da fase de julgamento e muito se pode e deve ir fazendo.
Quanto ao tema da mediação pessoal, note-se já antes da pandemia ouvíamos testemunhas por videoconferência. Já antes da pandemia podíamos acordar com os colegas ouvir testemunhas nos nossos escritórios nos termos do 517.º do CPC. Agora, de repente, parece que tudo é um problema. Ainda há uns dias ouvi um debate de colegas em que se discutia a relevância do conceito de edifício público para ouvir uma testemunha. Tudo por causa da necessidade de assegurar a correta identificação da testemunha… Parece-me que perdemos a noção.
As diligências feitas à distância são uma miragem, um discurso enganoso do poder político? A Justiça ainda não é suficientemente tecnológica?
As diligências à distância funcionam. Podem sempre funcionar melhor, é verdade. Tem havido alguns problemas com a plataforma Cisco Webex utilizada mas vai funcionando.
A justiça nunca será suficientemente tecnológica pela própria dinâmica do desenvolvimento da tecnologia. Basta pensar na inteligência artificial e no auxilio que a mesma pode a breve trecho vir a dar na tramitação de processos e mesmo nas decisões judiciais. Se na medicina a Inteligência Artificial se tem provado de uma eficácia tremenda no diagnóstico e indicação do tratamento de doenças, percorrendo milhares de dados e casos em poucas horas, e fornecendo as vias de solução, o que dizer de tais capacidades num universo de dados tão mais restrito como é o do direito.
Diria que o principal obstáculo nesse domínio são os mais velhos – e não me estou a por de fora – e o desconforto que a adaptação à mudança sempre exige.
Dito sito, muito se tem feito e não é de agora. Basta pensar no que teria sido se tivéssemos chegado à pandemia sem Simplex, Citius ou Sitaf… Não entremos, pois, em processos de autoflagelação e olhemos para a frente.
Num julgamento há sempre uma ou outra testemunha em que é de toda a conveniência que seja ouvida presencialmente. Deveremos sempre tentar assegurar que assim continue a suceder sempre que possível. Mas há outras que não. Já assim acontecia com as testemunhas que depunham noutras comarcas através de videoconferência.
As notícias sobre justiça são normalmente focadas em processos de natureza penal envolvendo arguidos cujo perfil é o de pessoas socialmente expostas por terem experimentado sucesso económico empresarial ou político.
Dá-se ao “luxo” de poder recusar casos?
Recusar um caso não pode ser nunca um luxo. Pode ser imperativo ético ou até moral, mas nunca um luxo. Não podemos deixar de manter para com o nosso cliente o nosso próprio espaço de independência e de liberdade na defesa do nosso código de valores. Quando isso não for possível devemos recusar. “Um advogado (não) é uma consciência de aluguer”. O niilismo provocador de algumas expressões de Dostoiévsky tem a graça de um passeio à beira de um precipício. Mas não pode ser mais que isso.
O facto de estar integrado num escritório de grande dimensão corta-lhe as vazas para aceitar alguns clientes?
O facto de termos presença em mais de 43 jurisdições e a própria estrutura organizativa das empresas multinacionais aumenta – é verdade – as hipóteses de conflitos de interesse e, nessa medida, sim, impede que aceitemos certos assuntos que, de outro modo, aceitaríamos com todo o gosto e interesse. Mas isso é apenas um lado da moeda.
Fora essas situações de conflito, temos inteira liberdade para, querendo, aceitar os assuntos que entendamos por bem patrocinar.
Sente que o escritório onde está, pela estrutura que tem, dá menos valor ao contencioso e mais a uma advocacia de negócios?
Em termos de contributo para os resultados globais da nossa firma, a área de contencioso e arbitragem não fica a dever a nenhuma outra. Isso é sintomático do modo como estamos estruturados. Os assuntos a que nos dedicamos no contencioso e arbitragem são em regra muito complexos e sofisticados. Exigem um enorme envolvimento de todos os sócios da área. Exigem pensamento estratégico estruturado. Exigem um entrosamento profundo com as equipas dos nossos clientes, cujos elementos são normalmente muito exigentes e tão ou mais sabedores do que nós mesmo na nossa área. Os assuntos a que nos dedicamos exigem ainda que nos articulemos profundamente com as demais áreas de prática do escritório, consoante o tema, vg. energia, bancário, IT, seguros, turismo… Esse trabalho em equipa é o que tem levado ao reconhecimento pelos nossos pares.
O contencioso já foi mais valorizado do que é?
Sempre foi muito valorizada esta área. Creio que em todos os escritórios e no nosso em particular pelas razões que já apontei. Posso acrescentar que a vinda há uns anos do Miguel Esperança Pina e da Rita Gouveia, pela sua experiência, qualidade e reputação de mais de 20 anos na arbitragem nacional e internacional e em litígios de elevada complexidade, nos deu um contributo inestimável. Temos participado muito ativamente em arbitragens internas e, num número crescente, em arbitragens internacionais. Estes processos são, como disse, muito exigentes em termos de dedicação dos sócios. Por isso não deixaremos de continuar a fazer crescer esta área. Aliás nesta matéria, teremos novidades muito em breve em matéria de sócios.
O representante e dono da empresa que era contraparte no assunto da minha cliente avançou para mim agitado dizendo impropérios e brandindo uma arma. Uma fusca, como ele dizia.”
E as boutiques nesta área fazem sentido?
Admito que sim. Há sempre espaço para organizações com qualidade de resposta. Mas temos tudo isso aqui na CMS.
Já foi ameaçado ou insultado em tribunal?
Sim, há muitos anos no tribunal de Portalegre. Tinha terminado uma sessão de julgamento e saímos da sala já depois das seis da tarde já sem ninguém no tribunal. O representante e dono da empresa que era contraparte no assunto da minha cliente avançou para mim agitado dizendo impropérios e brandindo uma arma. Uma fusca, como ele dizia. Verdadeiramente não me senti ameaçado. Ao longo das várias sessões não achei que tivesse má índole. Era mais o seu desespero com o que se estava a passar. Mas teria preferido que não tivesse acontecido. Lá tive que me valer de alguma diplomacia e a coisa ficou por ali mesmo. Constatei a importância de nos posicionarmos sempre no papel de advogados e nunca de émulo das partes.
“Todos devemos prestar contas. Os magistrados – ressalvada a independência das suas decisões – não devem ser exceção”
Qual foi o caso em que saiu do tribunal e pensou “saí-me mesmo bem!”? Sem falsas modéstias.
É uma sensação fantástica a do dever bem cumprido. Para que essa sensação se repita tantas vezes quanto possível há que preparar tudo ate à exaustão. Há que planear. Prever tudo. Preparar as perguntas certas. Os documentos relevantes. Antecipar respostas e contra perguntas. Sempre que agimos assim normalmente as coisas correm bem.
A primeira vez que tive essa sensação era ainda estagiário. Fui nomeado para defender dois homens acusados do crime de introdução em casa alheia e ofensas corporais. Havia um agravamento por ser de noite. Reuni com eles e inteirei-me do assunto. Não vou maçar com pormenores. Procurei saber como tudo se passou e a história, afinal, não era nada como vinha na acusação. Entre as contradições encontradas, era de dia… Fui saber como obter uma certidão que atestasse que de facto era ainda dia. Acabei no Observatório Astronómico de Lisboa. Uma senhora, elegante e muito simpática, interessou-se pelo meu caso ao ponto de me ter mandado uma certidão, não apenas com as horas do nascer do sol e do ocaso, como ainda com a latitude e longitude do local do suposto crime, bem como as condições de luminosidade no momento indicado na acusação. Não é preciso dizer mais. As testemunhas de acusação comprometeram os seus depoimentos jurando que era de noite e eu, excitadíssimo, requeri a junção da bendita certidão aos autos. Devo-me ter atrapalhado um pouco pois lembro-me de ter sido a juíza a ditar o meu próprio requerimento. Mas o importante é que resultou. “Saí-me mesmo bem”, devo ter pensado na altura.
A Justiça faz-se condenando. Esta é a tese que domina na opinião pública. Como explicar ao cidadão comum que não é esse o caminho?
As notícias sobre justiça são normalmente focadas em processos de natureza penal envolvendo arguidos cujo perfil é o de pessoas socialmente expostas por terem experimentado sucesso económico empresarial ou político. A sensação de que afinal não são mais do que nós é tão mesquinha como sedutora e redunda na pressão do público para a condenação. Como se esse fosse um resultado desejável. Ora tudo isso pode bem ser verdade mas é irracional e injusto. Basta que nos coloquemos no papel dos arguidos para o percecionar. Talvez seja esse o melhor modo de o explicarmos ao cidadão comum.
A justiça faz-se decidindo. Não necessariamente condenando. Já agora, a justiça faz-se decidindo atempadamente.
Como é a sua relação com a magistratura. É do tipo de advogado conflituoso, diplomata, respeitador ou mais provocador?
A diplomacia não deve ser uma característica necessária na relação com os magistrados. A conflitualidade muito menos. Procuro que a minha relação com a magistratura, como aliás com os meus colegas, se paute pelo maior respeito, cordialidade e profissionalismo. Quando os feitios o permitam, alguma informalidade normalmente ajuda. Procuro ser frontal e cortês.
Chocou-me observar, dado passo, advogados – supostos profissionais livres – a clamar junto da Ordem pelo fecho dos tribunais e pela suspensão dos prazos num confrangedor contraste com a posição de muitos magistrados e funcionários.
Se fosse ministro da Justiça quais seriam as suas três prioridades?
Só há uma prioridade: resolver o congestionamento nos tribunais. É, de longe, o nosso maior flagelo. Para isso há que quebrar com práticas inadequadas ao tempo em que vivemos e que constituem um constrangimento ao nosso desenvolvimento. Parece-me crítico preparar um plano com medidas para dar continuidade ao processo de digitalização da densa trama que são os processos judiciais e que esteve na origem do Simplex, Citius ou Sitaf. É importante ir agora mais longe, ambicionando a transformação digital da nossa justiça, tirando partido do desenvolvimento tecnológico e em particular das ferramentas de inteligência artificial assentes na análise de dados. Como já referi, muito foi feito, e a pandemia está a ser prova disso, mas temos que ir muito mais longe.
A justiça tem de ser capaz de acompanhar o ritmo das relações sociais e económicas. Neste momento já não basta ligar o turbo – é de facto necessário redesenhar toda a máquina.
E bastonário da Ordem dos Advogados?
Assegurar que o congestionamento nos tribunais se torna no principal ponto da agenda do Ministério da Justiça e assumir-se como campeão da transição digital da nossa profissão. Não basta olhar para fora. Há muito a fazer do lado dos advogados.
E, finalmente, se fosse PGR?
Assegurar que toda a estrutura da PGR funciona de modo uniforme e homogéneo de modo a garantir coerência e previsibilidade por parte dos representantes do MP no que tange à interpretação e aplicação da lei. O reforço da hierarquia é importante para este efeito e não contende com a necessária autonomia técnica de cada procurador. Dou um exemplo. Não faz sentido que um representante do MP tenha um entendimento sobre como efetuar escutas e outro tenha entendimento distinto. Refiro-me não apenas no domínio penal. Também no papel de representação do Estado tenho observado incoerências que não deviam existir.
Qual foi ou é para si o melhor ministro/ministra da Justiça desde o 25 de abril?
Rui Machete. Não por ser meu tio, mas por ter coprotagonizado o desmantelamento das FP 25 de abril que conduziu à prisão dos seus responsáveis. Para os mais novos, convém lembrar que se tratava de uma organização terrorista liderada por Otelo Saraiva de Carvalho. Já muito depois da instauração da democracia e em nome de um processo revolucionário que já havia deixado de estar em curso, foram responsáveis por quase vinte mortes em dezenas de atentados, a tiro ou com recurso a explosivos, e por assaltos a bancos, viaturas de transporte de valores, tesourarias da fazenda pública e empresas.
Estamos (Portugal) muito obcecados com a corrupção?
É importante que sejamos obcecados com a corrupção. Devemos abordar este tema de um modo sério, ponderado e construtivo. Um bom contributo para essa consciencialização foi a recente iniciativa da Fundação Francisco Manuel dos Santos de editar o livro de Luis Rosa intitulado “45 anos de combate à corrupção”. Chamo ainda a atenção para a excelente entrevista do autor e de Cunha Rodrigues disponível no site da fundação. Muito esclarecedor e construtivo.
Pretende algum dia pôr em prática a regra de denúncia obrigatória por parte de advogados que se deparem com suspeitas de lavagem de dinheiro?
Evidentemente que sim. Os advogados não estão acima das imposições legais. Acresce que, a meu ver, o regime, tal como está desenhado oferece garantias. Prevê-se, é verdade, que as operações suspeitas de compra e venda de imóveis, gestão de fundos e valores mobiliários, abertura e gestão de contas bancárias e até constituição, exploração ou gestão de empresas sejam comunicadas ao Bastonário da Ordem dos Advogados. Porém, estão isentas de reporte as consultas jurídicas ou de emissão de pareceres; o patrocínio forense e de representação judiciária ou a informação obtida do cliente visando a prática dos atos referidos. Isto justifica-se inteiramente por se tratarem de atos já situados no âmbito da defesa jurídica. Em suma, a lei não parece coartar direitos. Visa sim acautelar a prática de eventuais crimes. Bem sei que nem tudo é simples, mas a ideia parece clara.
Se pudesse escolher, em que jurisdição (europeia ou mundial) trabalharia e porquê?
Não conheço em pormenor outras jurisdições. Dito isto, tenho uma admiração grande pelo que conheço do modo de funcionamento do sistema do Reino Unido. Tenho trabalhado próximo dessa jurisdição em vários domínios. Os seus juízes e advogados não são mais inteligentes do que os nossos. São, isso sim, muito profissionais, muito pragmáticos, organizados e pontuais (as sessões começam literalmente ao minuto). Têm um sentido de justiça substantiva não excessivamente formal. Tudo isto parece-me fazer toda a diferença. O processamento e tramitação dos processos decorre de forma mais simples. Mesmo em processos muito complexos é fácil para o tribunal inteirar-se dos pontos a decidir. Há limites para o tempo de prova o que obriga a mais preparação. Ninguém ousa por regra tentar expedientes dilatórios ou menos claros. As testemunhas respeitam a sua função e são punidas severamente quando o não façam. As sentenças são curtas e normalmente claras. Podem ser desenvolvidas em caso de recurso. Há mais tribunais e é altíssimo o nível de especialização dos juízes. Também é interessante o facto de existirem muitos advogados convidados para juízes no final das suas carreiras, o que é geralmente considerado muito prestigiante. Tudo isto, creio, redunda numa maior eficiência.
O que espero do PM e da Ministra da saúde é que façam o mesmo pois eu não sei fazer o trabalho deles.
Os advogados têm horizontes mais abertos que os magistrados (juízes ou procuradores)?
Não. De todo. Conheço colegas completamente obtusos e fechados em si mesmos e conheço magistrados cuja intervenção e contributo para o desenvolvimento do direito e de melhorias no sistema, bem como na promoção do diálogo entre as profissões do ramo, vão bem para além do que seria exigível e até expectável. As generalizações são sempre falaciosas e injustas. A imagem de menor abertura ao mundo poderá resultar da natureza solitária e reservada da função. Confio que os magistrados mais fechados em si, terão a “elegância do ouriço” de que nos fala Muriel Barbery.
As decisões judiciais – de primeira ou segunda instância – são muito dependentes ou influenciadas pelo mediatismo?
Gostaria de dizer que não. Mas às vezes parece-me mesmo que sim. Refiro-me não só à influência do mediatismo intoxicante, que tende a contaminar a perceção dos factos, mas mesmo a casos em que parece haver pressão institucional efetiva. Acontece sobretudo em processos contra o Estado ou instituições públicas. Dificilmente se saberá se assim é. Mas que por vezes parece, parece.
Mudaria as regras dos advogados poderem falar de casos concretos, de forma a que o vosso trabalho fosse mais compreendido?
Não. O nosso trabalho tem é que ser compreendido pelo tribunal e pelos demais intervenientes. São sempre excecionais os casos em que seja necessário falar em público. Nesse caso, deve privilegiar-se a mediação da ordem e só em ultima ratio falar. O nosso estatuto salvaguarda tudo isto e mesmo as situações de natureza urgente.
Gostaria que houvesse uma instância totalmente independente – com maioria de não magistrados – que avaliasse a ética e imparcialidade de um magistrado. Um canal direto entre cidadãos, advogados e magistratura?
O Conselho Superior de Magistratura pela sua configuração constitucional assegura heterogeneidade e com predomínio de não magistrados na sua composição. Sete vogais são designados pela Assembleia da República e dois pelo Presidente da República. Apenas sete vogais são eleitos pelos magistrados. Eventuais críticas quanto ao funcionamento deste órgão devem a meu ver começar ser apresentadas ao Presidente da República e aos partidos. Devem prestar contas pela ação ou inação dos membros por si nomeados.
Dito isto, o tema é sensível. No limite é o princípio da separação de poderes que pode estar em causa. Aliás, a esse respeito, o Conselho da Europa tem justamente considerado desajustado o predomínio de não magistrados.
Em suma, não me parece que faça sentido criar novos órgãos antes de ver o que se pode fazer para melhorar o funcionamento dos existentes.
A prestação de contas dos nossos magistrados é necessária?
Todos devemos prestar contas. Os magistrados – ressalvada a independência das suas decisões – não devem ser exceção. Creio que nesse domínio estamos bem melhor do que há alguns anos.
Arbitragem versus tribunais. Este meio de justiça privada vai engolir os tribunais, mais cedo ou mais tarde?
A arbitragem é ágil, rápida, não necessariamente mais cara, e assegura a especialização do tribunal através da possibilidade de escolha dos árbitros pelas partes. Os tribunais estaduais são merecedores da maior confiança e contam, naturalmente, com juízes de elevadíssima competência. Porém, os fatores que refiro caracterizadores da arbitragem e o congestionamento do sistema judicial levará cada vez mais à opção pela arbitragem quando seja possível e é-o em muitos casos.
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