Paulo Valério, APDIR: “As insolvências ainda vão subir bastante, antes de diminuírem”

  • ADVOCATUS
  • 17 Março 2021

Paulo Valério, diretor executivo da Associação Portuguesa de Direito da Insolvência e Recuperação, fala do trabalho desenvolvido pela associação e da realidade das insolvências em Portugal.

De acordo com dados do Eurostat referentes ao terceiro trimestre do ano passado, as insolvências de empresas diminuíram 17% na média da União Europeia (UE). Em contraciclo encontramos Portugal, com um crescimento de 40% neste parâmetro.

Quais foram os setores mais afetados? Que papel tem tido a Associação Portuguesa de Direito da Insolvência e Recuperação (APDIR) nesta área? Paulo Valério, diretor executivo da APDIR, responde nesta entrevista.

Como é gerir uma associação como a APDIR?

A APDIR surgiu em 2018 com objetivos ambiciosos: fazer convergir profissionais, com diferentes formações, que trabalham em insolvência e recuperação; ter uma voz ativa no
processo legislativo; integrar, de pleno direito, a INSOL International, que é a maior e mais representativa organização de profissionais na área de insolvência, em todo o mundo. De lá para cá, cumprimos amplamente o nosso propósito e o reconhecimento que a APDIR está a ganhar é, no fundo, o justo reconhecimento de todos os profissionais que trabalham na área da insolvência em Portugal. A insolvência deixou de ser uma área marginal e passou a estar na ordem do dia.

Pese embora seja difícil conciliar as obrigações profissionais com esta missão, que é de cidadania, considero que estes anos têm sido muito gratificantes.

Desde o início da pandemia têm promovido mais a discussão nas matérias da insolvência e recuperação?

Desde a sua fundação que posicionámos o trabalho da APDIR e, especialmente, a discussão em torno das matérias de insolvência e recuperação como muito relevante, não só em contexto de crise, mas, também, como fator de competitividade, numa economia global. Importa ter presente que a eficiência dos sistemas de justiça na recuperação de créditos mas, também, nas ferramentas que proporcionam às empresas quando estão em dificuldades são centrais para a promoção do investimento e do próprio empreendedorismo.

O que acontece no contexto de uma pandemia e de uma crise severa é que a atenção pública a estas matérias se tornou maior. Isso permite-nos ter maior visibilidade e contribuir mais ativamente para o esforço de todos na recuperação da economia nacional. E tem sido bem patente, seja nos debates que temos promovido, seja nas posições que a associação tem assumido publicamente – algumas de forma corajosa e inédita, é preciso dizê-lo -, seja ainda na própria participação no processo legislativo, que começa a dar alguma centralidade a esta área.

Paulo Valério, diretor executivo da APDIRHugo Amaral/ECO

Com a pandemia as insolvências aumentaram ou diminuíram?

De acordo com os últimos dados do Eurostat referentes ao 3º trimestre de 2020 na média da EU, as insolvências de empresas diminuíram 17%. Em Portugal, inversamente, esse número aumentou cerca de 40%. Isso poderá resultar de diversos fatores: a fragilidade da nossa economia; a sua dependência do turismo; mas também uma certa secundarização das medidas no âmbito da insolvência tomadas no decurso da pandemia ao contrário do que sucedeu em vários outros países.

Quais são os setores com mais insolvências?

Julgo que é mais ou menos consensual que os danos se verificam, nesta fase, com maior expressão no turismo, na restauração ou na hotelaria. Mas o confinamento e o próprio efeito sistémico da crise naqueles setores terá efeitos mais gerais, em setores como o comércio, a construção, os transportes e a própria banca, não podemos iludir essa realidade.

Considera que as empresas vão aguentar este segundo confinamento? E a economia do país?

É inevitável que muitas empresas acabem por morrer e que outras sobrevivam numa situação muito debilitada. O que nos parece importante é ter uma intervenção multidisciplinar, não apenas na alocação de fundos para apoiar a liquidez das empresas – e o dinheiro não chegará para todos -, mas também na criação de condições para que, em situação de crise, devedores e credores possam mutualizar os danos e seguir em frente, na medida do possível. Isso faz-se através de liquidações céleres, nos casos em que tenham que acontecer. Mas, sobretudo, através de ferramentas de recuperação, vocacionadas para a reestruturação do passivo, que sejam inteligíveis e estejam ao dispor da generalidade das empresas viáveis. É um trabalho difícil, porque vai ser necessário encontrar maior equilíbrio e convergência entre os interesses das empresas e algumas limitações regulatórias da banca, enquanto grande financiador da economia.

Como perspetiva o ano de 2021 em termos de insolvência?

Creio que as insolvências ainda vão subir bastante, antes de diminuírem.

O Código da Insolvência necessita de uma revisão? Se sim, em que matérias?

Honestamente, acho que precisamos de uma revisão global e estrutural do nosso regime de insolvência e recuperação. Fruto de uma sucessão de crises e governos, temos hoje um sistema fragmentado, incoerente, com instrumentos enxertados no código e outros em legislação extravagante. É preciso condensar tudo num único diploma, coerente e inteligível para os seus destinatários – que são as empresas e os credores. Creio que, enquanto não fizermos isso – e está aí a urgência de transposição da Diretiva de Insolvência a proporcionar o pretexto ideal – não conseguiremos sair de um desempenho bastante insuficiente nesta área.

Para acompanhar o IV Congresso Nacional da Insolvência e Recuperação, a 26 de março, registe-se aqui.

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