Representantes de motoristas TVDE discutem hoje com Governo melhores condições de trabalho
Grupo de trabalho vai defender que motoristas não podem continuar desprotegidos e que tem que existir regulamentação de tarifas e contingentes.
Um grupo de trabalho criado num sindicato da CGTP para apoiar os motoristas das plataformas digitais reúne-se esta quarta-feira com o Governo para tentar melhorar a regulamentação e as condições de trabalho no setor.
A Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans) e um dos seus filiados, o Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal (STRUP), têm acompanhado o setor do transporte em veículo descaracterizado a partir de plataforma eletrónica (TVDE) e conseguiram que algumas dezenas de motoristas se sindicalizassem.
No início de novembro de 2020 estes motoristas fizeram a primeira concentração de protesto e aprovaram o caderno reivindicativo elaborado pela Fectrans e entregue ao Governo. No mesmo mês, no âmbito do STRUP, foi criado um grupo de trabalho que pretende negociar com a tutela governamental a melhoria das condições laborais e de funcionamento do setor. O “grupo executivo” foi eleito em plenário geral, integra dois parceiros, dois motoristas e o coordenador do STRP, Fernando Fidalgo.
Depois de várias ações de protesto e pedidos de reunião, este grupo conseguiu finalmente o seu objetivo e vai hoje defender junto do secretário de Estado da Mobilidade, Eduardo Pinheiro, que estes motoristas não podem continuar completamente desprotegidos e que tem que existir regulamentação de tarifas e contingentes que garantiam aos trabalhadores um rendimento digno.
“Pretendemos discutir o nosso caderno reivindicativo com o secretário de Estado e reafirmar as nossas prioridades, porque estas pessoas não podem continuar a depender inteiramente das decisões das plataformas sem terem quais quer garantias nem direitos“, disse à Lusa Fernando Fidalgo.
O documento reivindicativo começa por defender a criação de um grupo de trabalho no âmbito do Ministério do Ambiente, que tutela o setor, com todos os intervenientes da atividade, para definir as regras e clarificação do tipo de relação de trabalho que deve existir entre os motoristas e os motoristas/parceiros e as plataformas digitais.
Segundo Fernando Fidalgo, as plataformas digitais não têm qualquer tipo de vínculo com os motoristas, só estabelecem contrato de prestação de serviço com os chamados parceiros, a quem exigem que se constituam como empresa, podendo ser eles próprios motoristas ou terem vários carros e motoristas ao dispor.
“Não há nada que impeça as plataformas de estabelecerem uma relação laboral diretamente com os motoristas, mas eu não conheço nenhum caso desses, porque as plataformas não têm qualquer interesse nisso e os motoristas ficam completamente desprotegidos e mal ganham para sobreviver”.
Por isso, o caderno reivindicativo defende que seja aplicado a todos os motoristas do setor TVDE uma regulamentação coletiva de trabalho, que deveria ser o mesmo Contrato Coletivo de Trabalho do setor do transporte ligeiro de passageiros.
A regulação de tarifas e a definição do preço do custo da atividade, a fiscalização do serviço TVDE definido na lei e a definição de um contingente máximo de viaturas para o exercício da atividade, para que esta seja sustentável, são outras das reivindicações. O documento prevê ainda que, para iniciar a atividade seja obrigatório dominar a língua portuguesa, para além das habilitações legais obrigatórias.
A discussão deste caderno reivindicativo deverá também servir de contributo para a revisão da legislação de 2018, que definiu o regime jurídico aplicável à atividade de TVDE. O Governo pretende levar a regulação laboral das plataformas digitais à concertação social após a publicação do Livro Verde sobre o futuro do trabalho que deveria ter sido apresentado até final de 2020.
Em 24 de fevereiro, a Comissão Europeia iniciou uma consulta aos parceiros sociais europeus sobre como melhorar as condições de trabalho das pessoas que trabalham através de plataformas digitais e pretende elaborar uma diretiva sobre a matéria.
Também em fevereiro, no Reino Unido a Uber foi obrigada pelo tribunal a classificar os condutores como trabalhadores próprios e não autónomos, reconhecendo-lhes todos os direitos laborais básicos, nomeadamente férias pagas. O tribunal britânico decidiu a favor de um grupo de cerca de 20 motoristas que acreditavam ter direito ao estatuto de trabalhador, dado o tempo ao serviço e o controlo exercido pelo grupo sobre a sua avaliação.
Decisão da Uber no Reino Unido pode pressionar outras plataformas na Europa
A decisão da Uber de dar mais direitos aos seus condutores, bem-vinda no Reino Unido, poderá pressionar outras plataformas digitais no país e na Europa que prosperam na gig economy. Segundo o dicionário de Cambridge, “gig economy” é uma forma de trabalho baseada em pessoas que têm empregos temporários ou que fazem trabalhos como freelancers, pagas separadamente, em vez de trabalharem para um empregador fixo.
Sindicatos e Governos falam de um passo na direção certa, na sequência do anúncio das medidas, uma estreia mundial para o gigante americano de aluguer de automóveis que foi forçado a agir após um revés em tribunal. A Uber concedeu aos seus mais de 70.000 motoristas britânicos o estatuto de “trabalhador assalariado”, que lhes dá direito ao salário mínimo, férias pagas e acesso a um fundo de pensões.
Este é um estatuto híbrido específico da legislação laboral britânica: mais do que o estatuto de trabalhador independente que tinham até então, mas menos do que um estatuto de trabalhador por conta de outrem. A plataforma teve de agir rapidamente precisamente um mês depois de uma retumbante derrota no Supremo Tribunal britânico, que decidiu em 19 de fevereiro que os motoristas podiam ser considerados como “trabalhadores” e, portanto, beneficiar de direitos sociais.
Para David Osbourne, um motorista da Uber em Londres, citado pela AFP, foi “um passo na direção certa”. “Pelo menos, estamos a receber um pouco mais de dinheiro”, precisa David Osbourne. “Mas ainda não chegou ao fim”, disse Osbourne à AFP, uma vez que os benefícios serão concedidos a partir do momento em que o condutor aceitar um serviço, e não quando se ligar à aplicação.
Para o sindicato britânico GMB, “outras empresas da ‘gig economy’ devem tomar nota. Este é o fim da estrada para um emprego independente desastroso”. De acordo com Susannah Streeter, analista da Hargreaves Lansdown, citada pela AFP, a decisão de Uber “vai ter impacto em toda a ‘gig economy'”.
É difícil ter uma estimativa precisa do número de pessoas que trabalham na economia gigante, mas a imprensa britânica menciona por vezes o número de 5,5 milhões. A Uber não deu qualquer indicação do impacto financeiro, mas dificilmente pode dar-se ao luxo de aumentar demasiado as suas tarifas, especialmente em Londres, onde a concorrência é feroz, sem perder quota de mercado.
Por outro lado, os olhos poderiam voltar-se para as plataformas de entrega de alimentos, tais como a Uber Eats, subsidiária de Uber, ou a Deliveroo. Os trabalhadores de entregas da Deliveroo estão de facto à espera da decisão do Tribunal de Recurso de Londres para avaliarem se podem beneficiar de um acordo coletivo. Mas esta mudança pode também ter consequências na Europa, onde as coisas estão a avançar nestas questões, particularmente em Espanha, que agora considera automaticamente os trabalhadores de entregas ao domicílio de todas as plataformas digitais como empregados.
A decisão de Uber “deve ser tomada em consideração pela Comissão Europeia”, de acordo com Streeter. Bruxelas lançou uma consulta sobre os direitos dos trabalhadores da plataforma e poderá decidir sobre nova legislação até ao final do ano.
Mas Ludovic Voet da Confederação Europeia de Sindicatos (CES) adverte contra o estatuto híbrido proposto no Reino Unido. “Somos contra a promoção de um terceiro estatuto que seja um estatuto de empregado, menos protegido do que o atual estatuto de empregado, mas também menos independente e menos flexível do que o estatuto de trabalhador por conta própria. Não seria uma melhoria”, disse Voet à AFP.
O mesmo é verdade em França, onde o Tribunal de Recurso reconheceu um antigo motorista como empregado em 2020, embora esta decisão não tenha tido muito efeito. “O Governo francês tem feito tudo durante mais de um ano para propor um estatuto de terceiro. Pedimos-lhe que deixe de impedir que os condutores sejam requalificados”, disse Jerome Giusti, um advogado à AFP, que defende os condutores de Uber.
Para Brahim Ben Ali, secretário do sindicato francês INV, que agrupa cerca de 2.000 condutores de TVDE (Transporte Individual e Remunerado de Passageiros em Veículos Descaracterizados a Partir de Plataforma Eletrónica) e um opositor vocal da companhia americana, o anúncio de Uber “é fumo e espelhos”. “Querem colocar-nos no terceiro estatuto para que a União Europeia, por sua vez, nos traga nessa direção. Um verdadeiro empregado tem uma verdadeira proteção social. Não cabe a Uber decidir, existe uma lei laboral, deve ser respeitada”, refere.
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