Nutri-Score como “nudge” para promoção de escolhas alimentares mais saudáveis. Uma alternativa à regulação tradicional?

  • Marta Santos Silva
  • 6 Maio 2021

O impacto jurídico do nudge é uma questão que carece de mais investigação. Até lá, o legislador Europeu deve enfrentar o desafio de coordenar as medidas públicas que implementem formas de nudging.

Segundo a OMS, a obesidade é um dos maiores desafios de saúde pública deste século.

Tem-se tentado contornar este problema através de campanhas de informação e programas educativos destinados a aconselhar os consumidores sobre hábitos alimentares saudáveis. Contudo, rapidamente se chegou à conclusão de que a alimentação não é apenas uma escolha individual. É também influenciada pelo contexto decisório dos consumidores e este, por sua vez, é fortemente influenciado pelo marketing da indústria alimentar, que leva os consumidores a optar por alimentos de baixo teor nutritivo e elevado valor calórico.

Neste contexto, e ao longo dos anos, governos e representantes da indústria alimentar têm lançado iniciativas para melhorar os rótulos nutricionais.

O Regulamento (UE) no. 1169/2011 relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios exige que a maioria dos alimentos pré-embalados ostentem uma declaração nutricional, mas esta está normalmente prevista na parte de trás das embalagens dos alimentos, passando facilmente despercebida.

No âmbito da Estratégia da UE “Da Exploração Agrícola até à Mesa”, lançada em Maio de 2020 como parte do “Acordo Verde” Europeu, a Comissão Europeia anunciou que tenciona apresentar, até ao final de 2022, uma proposta de rotulagem nutricional obrigatória harmonizada na frente da embalagem.

Cerca de 40 intervenientes de todo o espectro solicitaram à Comissão que optasse pelo “Nutri-Score”, que utiliza um algoritmo para obter uma pontuação consolidada representando o perfil nutricional global de um produto através de uma escala de 5 cores do verde ao laranja escuro e 5 letras de A a E para representar, respectivamente, a melhor e a pior qualidade nutricional.

O Nutri-Score foi oficialmente aprovado em França, Alemanha, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo e Espanha e em outros países europeus – designadamente Portugal – têm sido utilizados voluntariamente por grupos empresariais do setor do retalho.

Dado o seu objectivo de ajudar a reduzir a obesidade e a ingestão de calorias, o Nutri-Score pode ser classificado como um “nudge” que oferece vantagens comparativas em relação a outras ferramentas de política de saúde, por ser de baixo custo e gerar menos resistência por parte dos consumidores do que restrições ao consumo e impostos.

“Nudge” foi um termo cunhado pelos académicos Norte-Americanos Richard Thaler e Cass Sunstein que o definiram como “qualquer aspecto da arquitectura de escolha que altera o comportamento das pessoas de uma forma previsível sem proibir quaisquer opções ou alterar significativamente os seus incentivos económicos”.

O nudge pode ser visto como uma transição do pensamento “rápido” para o pensamento “lento”, na terminologia popularizada pelo best-seller de Daniel Kahneman “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”. Aqueles que desenvolvem os nudges (ou “arquitetos de escolhas”) aplicam os ensinamentos das ciências comportamentais para influenciar as tipicamente tendenciosas e, até, irracionais decisões de consumo.

No cerne do nudge está uma filosofia intitulada “paternalismo libertário”. Por um lado, o nudge é paternalista, uma vez que estimula escolhas que são vistas como um aumento do bem-estar do indivíduo; por outro lado, o nudge é libertário, porque de acordo com os seus defensores, o nudge não restringe a liberdade do agente, que é quem decide sobre o curso de acção que acabará por tomar.

Os nudges são, no entanto, sujeitos a críticas, designadamente em virtude da sua falta de transparência e potencial de manipulação. Ao tirar partido das vulnerabilidades comportamentais dos consumidores para orientar as respetivas escolhas de uma forma intencional e oculta, o nudge seria contra a autonomia dos indivíduos de decidirem por si próprios sobre o seu curso de acção. Em relação ao impacto do nudge na autonomia individual, enquanto alguns autores consideram que apenas os nudges de certa intensidade afectariam a autonomia do consumidor, outros argumentam que a autonomia é um principio inviolável, segundo o qual os indivíduos têm sempre o direito de exigir que lhes seja permitido fazer as suas próprias escolhas.

O impacto jurídico do nudge é, por isso, uma questão que carece de mais investigação. Até lá, o legislador Europeu deve enfrentar o desafio de coordenar as medidas públicas que implementem formas de nudging e assegurar que estas sejam utilizadas de forma a preservar a autonomia dos cidadãos.

Nota: Este blog corresponde a uma versão adaptada e abreviada do texto original, em Inglês, publicado a 30 de Marco no M-EPLI blog.

  • Marta Santos Silva
  • Docente convidada na Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e na Faculdade de Direito da Universidade de Maastricht

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