Especialistas cautelosos com necessidade de uma terceira dose da vacina contra a Covid-19
Especialistas não descartam a necessidade de um reforço da vacina, mas dizem que é ainda "prematuro" avançar com certezas. Duração da imunidade e novas mutações são variáveis em causa.
O Reino Unido anunciou na semana semana que vai avançar com um ensaio clínico para saber se as pessoas que completaram o esquema vacinal contra a Covid-19 devem voltar a ser vacinadas no final do ano e quais as vacinas a usar. Dias antes, o diretor do Centro de Avaliação e Investigação biológica da FDA tinha antecipado que é “muito provável” que sejam necessárias vacinas de reforço dentro de um ano, com o intuito de fortalecer a imunidade contra o SARS-CoV-2.
Esta sugestão está em linha com o que já tinha sido avançado por alguns CEO das farmacêuticas. O presidente executivo da Pfizer, Albert Bourla, apontou que os cidadãos vão precisar de uma injeção de reforço entre seis a 12 meses após terem recebido a segunda dose da vacina norte-americana, altura em que os estudos existentes indicam que a proteção começa a diminuir.
Ao mesmo tempo, no início de abril, o CEO da BioNTech apontou que há um prazo de oito meses após a toma da segunda dose até que comece a existir um declínio dos anticorpos, considerando esta a altura ideal para “um reforço”, segundo a Forbes (acesso livre, conteúdo em inglês). Também o CEO da Johnson & Johnson antecipa o mesmo cenário referindo que as pessoas podem precisar de se preparar para receber uma vacina anual contra o coronavírus por forma a combater novas variantes, tal como acontece com a vacina da gripe.
Os especialistas ouvidos pelo ECO não descartam a necessidade deste reforço, mas sublinham que é ainda “muito prematuro” avançar com certezas, dado que ainda não se sabe ao certo a duração da imunidade das vacinas, bem como se vão surgir outras variantes que vão obrigar a que sejam feitos alguns ajustes às vacinas que estão já a ser administradas.
Duração da imunidade conferida pelas vacinas é ainda uma incógnita
“É prematuro estarmos a dizer que é incontornavelmente necessário uma terceira dose da vacina e ainda é mais prematuro dizer quando”, afirma o investigador principal do Instituto de Medicina Molecular (iMM), da Faculdade de Medicina na Universidade de Lisboa, ao ECO. Segundo este investigador, a necessidade de uma eventual administração de uma terceira dose (nos casos em que o esquema vacinal é de duas doses) depende “essencialmente” de duas variáveis: “a duração da imunidade que é conferida pelas duas doses no caso do esquema vacinal mais comum” e “o eventual aparecimento de variantes do vírus que não sejam suscetíveis às vacinas existentes e então equacionar uma terceira dose com uma vacina ligeiramente diferente e mais adaptada”.
Ora, até agora os dados mais concretos existentes apontam que a proteção conferida pela exposição natural — isto é, pessoas que estiveram infetadas e desenvolveram anticorpos contra a doença –, terá a “duração de pelo menos um ano”, já ” ainda não passou tempo suficiente” para os cientistas retirarem conclusões mais aprofundadas, sinaliza o investigador. Já no que respeita à imunidade conferida através da vacinação, os dados são ainda mais limitados, uma vez que o processo de vacinação só arrancou na generalidade dos países há cerca de cinco meses.
É sabido que a imunidade vai decaindo ao longo do tempo, mas nós não sabemos neste caso quanto é que esse tempo vai ser. Mesmo assumindo que mais tarde ou mais cedo essa imunidade decai e que seria necessário reforçar, não há dados neste momento que permitam dizer com toda a certeza “isto é ao fim de um ano ou é ao fim de X tempo”.
Ainda assim, Miguel Prudêncio explica que “não há razões para pensar” que a imunidade que é conferida pelas vacinas “seja inferior à que é conferida pela exposição natural”. “É sabido que a imunidade vai decaindo ao longo do tempo, mas nós não sabemos neste caso quanto é que esse tempo vai ser. Mesmo assumindo que mais tarde ou mais cedo essa imunidade decai e que seria necessário reforçar, não há dados neste momento que permitam dizer com toda a certeza “isto é ao fim de um ano ou é ao fim de X tempo”, resume o especialista.
Bernardo Gomes, médico de Saúde Pública, é ainda mais prudente, lembrando que a resposta imunitária “não se resume ao facto de termos ou não anticorpos mensuráveis”. “Poderá aqui também haver a necessidade de pensar e avaliar também outros tipos de imunidade para além da imunidade mediada por anticorpos“, elogiando, ao ECO, “a necessidade e a iniciativa de ir verificando como é que as coisas vão evoluindo em termos de imunidade”.
Vacinas estão a responder bem às variantes, mas podem surgir novas mutações
Assim, outros dos cenários antecipados pelos especialistas que podem levar à necessidade de um reforço da vacina ou “até de uma vacina com um caráter mais universal” diz respeito ao surgimento de novas variantes. Não obstante, até agora este cenário “ainda não se coloca”, já que “de uma forma geral, as vacinas até se estão a comportar bastante bem face àquilo que acontece com as variantes”, aponta o especialista em Saúde Pública.
Esta opinião é também partilhada pelo investigador Miguel Prudêncio que destaca que mesmo no caso da variante da África do Sul que “levanta um bocadinho mais de preocupação”, já que é nesta mutação que se observa “um decréscimo mais acentuado da quantidade de anticorpos neutralizantes que são gerados pelas vacina e que são capazes de neutralizar a variante”, o decréscimo “não é o suficiente para que a vacina perca totalmente a eficácia com essa variante”, nota.
Face à pandemia e face a este vírus, devemos ter a devida humildade de perante aquilo que aconteceu e aquilo que pode acontecer não tomarmos as coisas como garantidas e perceber que pode, eventualmente, ser necessário outra dose de reforço para estarmos mais protegidos.
Neste contexto, os dois especialistas consideram ser “altamente especulativo” avançar com certezas sobre a necessidade de um reforço da vacina contra o novo coronavirus, não obstante antecipam que a verificar-se e se for devido ao surgimento de uma nova variante “o mais provável é que seja uma vacina de características diferentes das que foram tomadas até agora” e “mais dirigida” à mutação em causa.
“Face à pandemia e face a este vírus devemos ter a devida humildade de, perante aquilo que aconteceu e aquilo que pode acontecer, não tomarmos as coisas como garantidas e perceber que pode eventualmente ser necessário outra dose de reforço para estarmos mais protegidos”, aponta Bernardo Gomes, apesar de frisar que são necessários mais estudos.
Questionados sobre se há mais probabilidade de este reforço vir a ser administrado em faixas etárias mais avançadas, Miguel Prudêncio assinala que a ser necessário é mais “provável, previsível, e cientificamente justificável” que seja “mais necessário em pessoas mais idosas do que mais jovens” já que o sistema imunitário se vai tornando menos eficaz com a idade e que é nestas faixas etárias que há um maior risco de complicações graves no caso de contraírem a doença. “É preciso perceber como a imunidade se comporta nos diferentes grupos de pessoas em função da sua idade. Isso não pode ser feito indistintamente entre as pessoas”, aponta.
Assim, só com estudos mais aprofundados e com mais tempo será possível tirar mais conclusões. Não obstante, os países onde o processo de vacinação está mais avançado, como é o caso de Israel, poderão servir de guia para todas estas questões. “As maiores pistas (..) vão ser colhidas nos países que estão mais à frente na vacinação porque nos darão uma noção de como as coisas se comportam já que são basicamente os nosso modelos”, conclui Bernardo Gomes, sublimando, no entanto, que terá que passar “meio ano ou um ano” após terem finalizado a vacinação dos grupos alvos.
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