França: Fillon declara-se inocente, mas chega para salvar a candidatura?
Numa conferência de imprensa, o candidato da direita ao Eliseu assumiu "erros" mas garantiu que tudo tinha sido legal. Conheça agora, ponto por ponto, as acusações que põem François Fillon em xeque.
Foi uma conferência de imprensa para “se explicar” aos franceses, perante mais de 250 jornalistas do mundo inteiro. Uma jogada arriscada pela parte de François Fillon, o candidato da direita francesa para as eleições presidenciais, que aproveitou para assumir “erros” e apresentar desculpas, mas rejeitar totalmente que tenha agido de forma ilegal. O escândalo? O candidato à presidência e antigo primeiro-ministro francês é acusado de ter criado um esquema para remunerar a mulher por um emprego que ela não desempenhava no Parlamento, um inquérito que já foi alargado aos empregos dos seus filhos.
O candidato, que já foi o favorito para defrontar, na segunda volta, a candidata da Frente Nacional Marine Le Pen, reconheceu que os factos reportados pela imprensa — de que tinha empregado a sua mulher enquanto assistente parlamentar — eram reais, mas afirmou que tinham sido “legais e transparentes”. Pediu desculpa pelos “erros” que cometeu e reiterou a promessa: se for constituído arguido, desiste da corrida ao Eliseu. Mas de que é acusado afinal o candidato que foi o preferido dos eleitores da direita, sobre o adversário Alain Juppé e o ex-Presidente Nicolas Sarkozy? E poderá a sua candidatura sobreviver às acusações que lhe são feitas?
As alegações
O escândalo que abana as fundações da candidatura de François Fillon à presidência francesa começou com alegações, vindas do jornal satírico e de investigação Le Canard Enchaîné, de que a sua mulher, a britânica Penelope Fillon, recebera um total de 500 mil euros durante os mais de dez anos em que trabalhara como assistente parlamentar do marido. François Fillon, que era o candidato da seriedade e honradez, viu a sua reputação perturbada pela abertura de uma investigação aos pagamentos feitos à mulher com fundos do Parlamento francês.
O caso tornou-se ainda mais complicado uma semana depois, quando o mesmo jornal já falava numa soma de 830 mil euros pagos à mulher do candidato do partido Les Republicains (LR) quando este era deputado. Pouco depois, o especial televisivo Envoyé Special desenterrava uma entrevista de 2007, ano que marca o final do período em que Penelope Fillon terá sido remunerada por serviços de assistente parlamentar do marido, em que a britânica garantia à jornalista do Daily Telegraph: “Nunca fui assistente do meu marido”.
Pouco depois, o inquérito alargava-se aos filhos do casal Fillon: na quinta-feira da semana passada, 2 de fevereiro, a investigação passava a abranger os empregos de assistentes que Fillon dera aos filhos, Marie e Charles, quando era senador. Embora François Fillon tenha afirmado que contratara os filhos como assistentes pela sua experiência enquanto advogados, veio pouco depois a saber-se que, na altura a que remonta a investigação, Marie e Charles eram estudantes, e receberam cerca de 84 mil euros em dinheiros públicos, segundo escreveu o Le Carnard. Empregar a família não é proibido no parlamento francês, mas é preciso saber se os familiares de Fillon desempenhavam de facto as tarefas para que foram contratados, o que está a ser posto em causa, tanto no caso de Penelope como no dos dois filhos.
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Uma vez aberta a caixa de Pandora, não faltaram escândalos e acusações a Fillon. Uma nova luz foi derramada sobre a sociedade de advogados 2F Conseil, de onde Fillon retirou um salário de 756 mil euros entre 2002 e 2015, enquanto era deputado e primeiro-ministro, e também sobre um caso de desvio de fundos públicos, relatado pela imprensa francesa, por senadores do partido de centro-direita UMP, o antecessor do LR. Fillon terá retirado desse esquema cerca de 25 mil euros, segundo as alegações.
A defesa
“Não há nada de ilegal, e assumo a escolha que foi a minha, de me apoiar na minha mulher, nos meus próximos, que sabem melhor do que ninguém os sacrifícios e as fidelidades que marcaram o meu caminho político”, defendeu-se o candidato. François Fillon começou por apresentar justificações — que Penelope Fillon tinha de facto sido sua assistente e que as suas palavras na entrevista ao jornal britânico estavam descontextualizadas, que os filhos o tinham ajudado a escrever livros ou a esclarecer questões legais — mas rapidamente se voltou para a revolta.
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Sentia “uma cólera fria face a toda esta matilha que se juntou nesta iniciativa de demolição”, afirmou, num evento da campanha presidencial em Charleville-Mézières, nas Ardenas. Para o candidato, o foco mediático nas investigações à sua volta estava a ser movido por um “golpe de Estado institucional” empurrado pelo atual Governo socialista de François Hollande. “Eu não sou parvo”, sublinhou. “Não é a justiça que procuram, mas sim deitar-me abaixo. E, além da minha pessoa, deitar abaixo a direita, roubar-lhe o voto”.
Garantindo que lutaria até ao fim na campanha presidencial, Fillon deixou uma reserva: se for constituído arguido, abandonará a corrida.
O futuro
Ainda não existe abertamente uma procura, do lado da direita, de um novo candidato caso Fillon se retire, mas o medo no LR é palpável. François Fillon, que bateu o então favorito à nomeação e mais moderado Alain Juppé, era visto como o candidato mais provável para o lugar no Eliseu à saída de François Hollande. Mas agora, com as primárias de 23 de abril cada vez mais próximas, o republicano cai a pique.
As sondagens que antes davam vantagem — e posição de favorito — a François Fillon mostravam-no, pouco depois do rebentar do escândalo, a ser eliminado na primeira volta, com a vitória a passar, ou para o independente Emmanuel Macron ou para a candidata da extrema-direita, Marine Le Pen. Números que assustam pela proximidade a que deixam a candidata antissistema da presidência, como demonstram as bolsas europeias no dia da conferência de imprensa em que Fillon apresentou desculpas. A sondagem mais recente, do Paris Match, demonstra que Fillon mantém um núcleo duro de apoiantes, retendo 18,5% das intenções de voto, com Emmanuel Macron à sua frente e Marine Le Pen em primeiro. Mas seis em cada 10 franceses acreditam que Fillon deveria sair da corrida.
O que vai fazer a direita? As hipóteses são várias. Não é certo que François Fillon se retire da corrida, embora, ao Le Figaro, alguns responsáveis do partido republicano francês tenham dado a entender que fazê-lo retirar-se seria uma solução desejável, ainda que “complicada”. Também não é muito provável que seja constituído arguido na investigação aos pagamentos à sua mulher antes das eleições, sublinha o L’Obs, já que o inquérito se encontra numa fase inicial. Mas e se sair?
Alain Juppé põe de parte avançar se Fillon se retirar. Não vai ser um candidato de recurso. “Não, clara e definitivamente”, afirmou, já questionado várias vezes acerca do assunto. E se Nicolas Sarkozy parece estar fora de questão, após resultados muito fracos nas primárias da direita, há outros nomes a serem falados. O Politico destaca que o partido republicano poderia voltar-se para uma geração mais jovem, o que lhe permitira melhor competir com Emmanuel Macron, o independente de apenas 38 anos.
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