A secretária de Estado do Orçamento admite que a suspensão das regras orçamentais da UE dá alguma flexibilidade ao OE 2022, mas lembra que Portugal tem de estar preparado para as cumprir em breve.
Já arrancam as negociações para o Orçamento do Estado 2022 (OE 2022), num ano que será marcado pelas eleições autárquicas, que podem mudar o xadrez político. Ao longo deste verão quente o ECO vai ouvir Governo, partidos, parceiros sociais e empresários sobre um Orçamento que ainda não tem aprovação garantida e que está a ser desenhado no meio de uma pandemia. Leia aqui todos os textos e as entrevistas, Rumo ao OE.
Tem sido a responsável pela execução orçamental no meio da pandemia, tendo sucedido ao atual ministro das Finanças, João Leão. Em entrevista ao ECO, Cláudia Joaquim, secretária de Estado do Orçamento, mantém a “mão dura” do antecessor: admite que a suspensão das regras orçamentais no próximo ano dão alguma flexibilidade ao OE 2022, mas avisa que não se pode perder o foco da sustentabilidade das contas públicas. Ou seja, poderá não ser possível ir além do défice de 3,2% do PIB em 2022 inscrito no Programa de Estabilidade.
O próximo OE ainda vai ter medidas anticrise para famílias e empresas?
O contexto, a expectativa e o trabalho que estamos a desenvolver e que se tenciona levar a cabo até à apresentação da proposta é que o Orçamento de 2022 seja focado na recuperação num contexto pós-emergência. A perspetiva que temos para o ano de 2022 é que possam ser medidas diferentes e que tenham um foco diferente, sem perder de vista o contexto em que vamos estar. E sem perder de vista uma necessidade provavelmente de continuarmos a avaliar permanentemente a situação da economia e das famílias.
Podemos contar com um OE expansionista?
Podemos contar com um OE de recuperação. Com um OE de estabilidade fiscal. Esse é um foco e foi uma decisão mesmo num contexto muito difícil. É um Orçamento de estabilidade ao nível dos apoios à economia. É um Orçamento que terá uma componente muito importante de execução a um ritmo diferente do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]. Estamos a falar de um contexto para 2022 que é muito importante para os anos seguintes.
Terá medidas de estímulo à criação de emprego, como pediu Mário Centeno?
O objetivo é precisamente que o OE 2022 acomode as necessidades orçamentais e preveja medidas que possam fazer face exatamente a isso, ao exemplo que deu. De facto o lay-off só faz sentido quando há uma paragem e agora é preciso entrar noutro tipo de medidas. Neste momento é prematuro poder estar a avançar com medidas concretas, mas esse é de facto o objetivo: que possamos ter medidas dessa natureza [de estímulo ao emprego] e nesta perspetiva de recuperação.
Falou de estabilidade fiscal. Os impostos não vão baixar?
A estabilidade fiscal pressupõe que de facto haja por parte das famílias e das empresas uma expectativa e que os impostos não vão baixar. Aliás, o ministro das Finanças tem afirmado isso bastante em todo este período.
Estabilidade fiscal pressupõe que de facto haja por parte das famílias e das empresas uma expectativa e que os impostos não vão baixar.
Havia uma promessa eleitoral para aumentar o número de escalões do IRS. Isso está fora de questão?
Neste momento o OE e as medidas em concreto estão em avaliação e, portanto, ainda temos alguns meses até que possa ser apresentado. O compromisso de estabilidade fiscal pressupõe que não haja um aumento de impostos. A partir daí são matérias que estamos a analisar, mas acima de tudo consideramos que é importante focar naquilo que são as medidas de recuperação, associadas por exemplo à execução do PRR e que esse seja o estímulo essencial na economia.
Isso significa que também não haverá mexidas nas taxas de retenção de IRS?
Neste momento as medidas em matéria fiscal estão a ser avaliadas e decorrerão naturalmente nos próximos meses. O que temos é um pressuposto de estabilidade fiscal, de não aumento de impostos, e é neste quadro que estamos a trabalhar.
Faz sentido o IVAucher continuar no próximo ano?
A medida em concreto que identifica carecerá de ser avaliada. É uma medida que está em curso, terá um período de vigência e carecerá de ser avaliada. Esse exemplo que refere, assim como outros que podíamos identificar nas medidas adotadas no ano de 2021, que já é um ano de transição da emergência para a recuperação, são medidas que estamos a avaliar e que o objetivo naturalmente é que até à apresentação do Orçamento do Estado para 2022 possa ser definido. Tratando-se de medidas como o exemplo que referiu que tenham de estar espelhadas na lei do OE, é esse o trabalho a ser feito. Mas relembro que muitas das medidas adotadas são da competência do Governo. Se não fosse dessa forma, não seria possível estar permanentemente a ajustá-las ou a retomá-las ou a prorrogá-las, como tem vindo a acontecer.
Já estão a acautelar no OE o dinheiro que vai ser preciso para ajudar com o fim das moratórias?
Essa questão está a ser avaliada agora e portanto o OE 2022 acomodará as necessidades que possam decorrer das soluções que estão a ser equacionadas.
Com que cenário macroeconómico estão a preparar o próximo Orçamento?
Sobre a alteração do cenário macroeconómico face ao Programa de Estabilidade, ainda é cedo neste momento para conseguir afirmar que haverá uma mudança ou em que sentido. As expectativas são positivas e de facto os últimos dados conhecidos, até do Banco de Portugal, vão nesse sentido, face ao que era a expectativa e que ficou previsto no cenário macroeconómico do Programa de Estabilidade. Temos uma perspetiva positiva, mas ainda é cedo para dizer que o cenário será alterado ou em que sentido ou com que fatores. Mas tendencialmente é possível que possa haver um ajustamento face às estimativas mais recentes.
As regras orçamentais vão continuar suspensas em 2023. As metas do défice que tinham pensado poderão mudar?
Não podemos dissociar daquilo que é a necessidade da sustentabilidade das contas públicas a médio prazo. É esse equilíbrio que se continuará a fazer. Não estão em vigor as regras orçamentais e, portanto, essa flexibilidade existe em 2022, mas não devemos e não podemos perder o foco a médio prazo do cumprimento dessas regras. De qualquer modo, estivemos e estamos a ter um conjunto de medidas muito significativas com impacto também significativo na despesa e na dívida. O ano de 2022 é o ano em que se espera ter uma continuidade de medidas, mas adaptadas para que a cada momento percebamos qual é a necessidade para a retoma da economia. Isto precisamente para que quando as regras voltarem a ser aplicadas Portugal tenha reunido as condições para as cumprir.
Como é que o dinheiro do PRR vai influenciar o OE para 2022? Liberta algum dinheiro para outras despesas?
Temos no PRR um montante muito significativo e que terá um impacto muito grande nos próximos anos. Os fundos europeus, incluindo o PRR, têm regras orçamentais em que são das poucas exceções em que a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) permite que, por exemplo, no OE aprovado para o ano seguinte se possa depois, nesse ano, com a aprovação dos fundos ou dos próprios projetos por parte dos organismos públicos, aumentar a receita e aumentar a despesa. Não existe restrição ao nível das regras orçamentais para uma orçamentação e uma execução dos fundos comunitários, onde se inclui naturalmente o PRR.
Consegue dar garantias sobre a execução do investimento público nos próximos anos?
É determinante que o PRR tenha uma execução dentro da programação e que as condições sejam reunidas nesse sentido. Foi nesse contexto que trabalhamos desde há já vários meses para reunir essas condições. Isto aconteceu mesmo antes da apresentação final do PRR e da aprovação precisamente para se permitir — e já está a decorrer — que um conjunto de procedimentos possa ter sido despoletado, alguns com a execução já ou ainda este ano. Esta antecipação de fundos permitiu antecipar a própria execução do PRR.
O próximo OE vai ter mais dinheiro para o Novo Banco?
Não temos a expectativa de que isso venha a acontecer no contexto que temos.
Não haverá nenhum valor no OE para o NB ou pelo sim pelo não vão colocar lá uma verba?
Neste momento não temos a expectativa de verbas do Orçamento nesse sentido. Veremos depois em relação à apresentação do OE, mas não temos essa indicação e essa expectativa.
E em relação à TAP?
O OE dará cumprimento ou criará as condições para que Portugal cumpra aqueles que são os compromissos assumidos.
Será através de uma garantia ou injeção direta?
Essa questão está a ser avaliada e este ainda não é o momento oportuno para podermos avançar.
PSD tem “responsabilidade acrescida”, alerta Cláudia Joaquim
Além de deixar mensagens para os partidos que negoceiam o Orçamento com o Governo, a secretária de Estado do Orçamento também alerta o PSD para a “responsabilidade acrescida” que tem em matéria de finanças públicas, pedindo ao partido de Rui Rio para ser coerente nas ações face ao discurso. Isto é, que deixe de alinhar com a esquerda em maiorias negativas que baralham as contas da execução orçamental.
Teme que este OE possa trazer mais maiorias negativas como aconteceu no último ano?
Acima de tudo acho que é muito importante que os partidos políticos com assento na Assembleia da República tenham presente a importância da sustentabilidade das finanças públicas. As coligações negativas, se tiverem um impacto orçamental significativo, podem pôr em causa a sustentabilidade de um Orçamento. Neste caso, o PSD deverá ter, na minha perspetiva, uma responsabilidade acrescida porque também é importante que o discurso seja coerente.
Não foi só o PSD. Também teve a concordância do PCP e do Bloco…
Sim, naturalmente, mas se formos ver as votações quando se trata de maiorias negativas vemos que o maior peso [do PSD] em termos de aprovação. E aqui estamos também a falar da coerência do discurso entre aquilo que é, por um lado, apresentar ou aprovar medidas com impacto orçamental no decurso do ano orçamental ou mesmo em sede do OE do ano seguinte, e depois aquilo que é o discurso — e bem, mas que importa que tenha depois o seu reflexo — da responsabilidade e de uma condição que é essencial para a estabilidade dos portugueses.
Este ano será necessário um Orçamento Retificativo?
Não temos expectativas neste momento que seja necessário um Orçamento Retificativo. Naturalmente é preciso continuar a acompanhar a evolução de todos os indicadores. Mas neste momento a expectativa não é no sentido de ser necessário um Orçamento Retificativo.
Não temos expectativas neste momento que seja necessário um Orçamento Retificativo. Naturalmente é preciso continuar a acompanhar a evolução de todos os indicadores.
As medidas que enviaram para o Constitucional por causa da lei-travão estão a condicionar de alguma forma a execução orçamental deste ano?
A questão da lei-travão é uma questão de princípio e por isso é que ela está definida com tanta força na lei. É fundamental que qualquer Governo possa ter uma estabilidade para executar o Orçamento que a própria Assembleia aprovou. A questão da lei-travão é, dependendo depois das medidas e aí o impacto pode ser maior ou menor, uma questão de princípio consagrada na lei. Quando o Governo identifica essas situações e quando tem a reação como teve, é precisamente por isso. A estabilidade na execução de uma lei aprovada na Assembleia e o cumprimento da lei-travão é de facto um pressuposto a qualquer Governo que esteja a governar com base no mandato que a própria AR deu.
Não estão a condicionar?
Como referi, não temos a expectativa de um OE Retificativo portanto analisar as medidas que possam ser aprovadas de forma avulsa e nesse contexto… Normalmente a gestão orçamental não é feita nem pode ser feita dessa forma porque o acompanhamento é feito no seu todo. Mas essas medidas têm sempre um impacto negativo, de dificuldade, e que acima de tudo contrariam aquilo que a própria lei determina.
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Secretária de Estado do Orçamento avisa esquerda: “Não podemos perder o foco das regras” orçamentais
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