Perto de 40% dos fundos europeus foram para empresas pouco produtivas e que não exportam
Estudo conclui que processo de seleção "não foi eficiente". Uma fatia significativa dos apoios do FEDER foi para empresas que não exportam, têm baixa intensidade tecnológica e fraca produtividade.
O fraco crescimento da economia portuguesa suscita com frequência questões sobre a boa aplicação dos fundos. Fernando Alexandre, professor de economia da Universidade do Minho, analisou a atribuição de incentivos do FEDER entre 2007 e 2018, e traz números relevantes para cima da mesa. Se os fundos contribuíram para o reforço do investimento e produtividade, também é verdade que a sua aplicação revela ineficiências.
O estudo “Avaliação dos incentivos financeiros às empresas em Portugal: QREN (2007-2013) e PT2020 (2014-2018)” recorreu a dados da Agência para o Desenvolvimento e Coesão para traçar um perfil das empresas que naqueles 12 anos receberam dinheiro do FEDER e o impacto que o mesmo teve em dimensões como o investimento, o emprego, as exportações ou a produtividade.
O aumento das exportações e a presença das PME nos mercados globais estão entre os principais objetivos dos incentivos. Mas quando se olha para os números, salta à vista que 40% do apoio total do FEDER foi para empresas que só vendem no mercado doméstico, quer no QREN quer no PT2020. O critério usado foi bastante lato, consideram-se como exportadoras as empresas que tenham exportado, pelo menos, mil euros. Ainda assim, o maior bolo foi para as que mais vendem para fora, que receberam 49% dos fundos nos dois quadros de apoio.
Já a aposta no crescimento da produção de bens transacionáveis tem sido correspondida. A indústria transformadora recebeu a maior parte dos incentivos tanto no QREN (69% do total), como no PT2020 (73%). Seguem-se os serviços com 9% e o turismo com 8%. Por outro lado, o perfil tecnológico da maioria dos recetores é médio ou baixo.
“Os incentivos FEDER têm-se concentrado nos setores de baixa e média-baixa tecnologia, que representam cerca de 73% dos incentivos do QREN e do PT2020. As empresas nos setores de alta tecnologia representavam apenas 7% dos incentivos”, conclui o estudo.
Outro dado relevante é a canalização de fundos para empresas que se mantiveram pouco produtivas. No QREN, a percentagem das empresas financiadas pelo FEDER pertencentes ao grupo das 40% empresas menos produtivas foi sempre subindo até chegar aos 30,5% em 2014. Nesse ano, empresas entre as 10% menos produtivas do país receberam 10,7% dos apoios.
No PT2020, embora as 40% mais produtivas tenham correspondido a entre 71,5% e 66% das empresas apoiadas, o extremo oposto, das 40% menos produtivas, pesou sempre mais de 15%, superando o QREN.
Por outro lado, quando analisadas três anos depois de receberem os fundos, uma percentagem significativa das empresas que receberam apoios do Feder durante o QREN tinha passado para níveis de produtividade mais baixos. Em 2014, chegaram a ser 42,6%.
"Os resultados relativos à evolução da produtividade das empresas que receberam incentivos FEDER sugerem que o processo de seleção e a realocação não foi eficiente.”
Dados que levam o autor, que foi secretário de Estado adjunto da ministra da Administração Interna no governo de Passos Coelho, a escrever que os “resultados relativos à evolução da produtividade das empresas que receberam incentivos FEDER sugerem que o processo de seleção e a realocação de FEDER não foi eficiente”.
O estudo lembra que no Acordo de Parceria PT2020, que apresentou a estratégia para a atribuição do FEDER em 2014-2021, as autoridades portuguesas mencionaram a excessiva dispersão dos projetos apoiados como uma fraqueza do quadro financeiro anterior. Em vez de diminuir, cresceu no atual quadro, passando o peso das micro e pequenas empresas de 48% para 57%. Já o peso das grandes encolheu de 29% no QREN para 16% no PT2020.
“Um fator que pode ter contribuído para uma alocação menos eficiente dos incentivos FEDER ao investimento das empresas foi a alocação de um montante crescente de incentivos FEDER a micro e pequenas empresas, uma vez que é mais difícil avaliar os retornos futuros dos investimentos dessas empresas”, aponta o estudo. Outro fator relevante são as dificuldades enfrentadas pela economia portuguesa nestes anos. “A elevada incerteza quanto à crise financeira internacional e a crise da dívida soberana também podem ter dificultado a avaliação das candidaturas aos fundos FEDER e afetado os efeitos dos fundos”.
O autor conclui, ainda assim, que de um modo geral as estimativas apontam para “um efeito positivo e estatisticamente significativo sobre o investimento, o emprego, o valor acrescentado, as exportações e a produtividade” dos fundos FEDER. Já no caso das microempresas, isso apenas se verifica sobre o emprego e as exportações.
Incentivos a fundo perdido mais eficazes
O estudo identifica outras eficiências possíveis. Os resultados sugerem que os incentivos reembolsáveis e os prémios não têm impacto sobre o desempenho das empresas. Já o impacto dos incentivos a fundo perdido sobre o investimento, o emprego, o valor acrescentado, as exportações e a produtividade é positivo e estatisticamente significativo.
O que leva o autor a sugerir que uma combinação de incentivos não reembolsáveis e reembolsáveis pode efetivamente ter um efeito positivo naquelas dimensões. “Esta evidência parece apoiar a opção política da ‘abordagem híbrida’ seguida no PT2020″, conclui.
Os resultados apontam também no sentido de ser mais benéfico alocar vários incentivos à mesma empresa, em vez de atribuírem um único incentivo a muitas empresas. A atribuição de fundos é também mais eficiente nas empresas mais rentáveis e, sobretudo, menos endividadas.
A avaliação incidiu também sobre o impacto que as empresas apoiadas nos concelhos onde estão inseridas. Os resultados não só “apontam para um impacto positivo e estatisticamente significativo do FEDER na produtividade dos municípios”, como “sugerem que houve convergência da produtividade entre os municípios”.
O estudo aponta que um aumento de 10% nos incentivos FEDER ao investimento das empresas leva a um aumento de 0,1% na produtividade do trabalho dos municípios. No longo prazo, o impacto passa a ser de 0,2%.
O olhar dos empresários
“O histórico dos últimos quadros comunitários evidenciam que Portugal desperdiçou literalmente esses fundos, tendo falhado consecutivamente as metas a que se propôs em termos de coesão económica e social, tendo sido ultrapassado por quase todos os países do Leste Europeu, que estavam muito atrás de Portugal quando entraram na Comunidade Europeia”, assinala João Miranda, fundador da Frulact, entretanto vendida aos franceses da Ardian.
João Rafael Koehler, CEO da Elastictek e antigo presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), considera que “Portugal tem usado os fundos de forma razoável”. “Apesar de as majorações (apoios a fundo perdido) privilegiarem o interior, não tem sido possível promover a coesão territorial”. “É necessário que o interior tenha know how, recursos humanos, etc, e isso não se consegue por decreto”, afirma o empresário.
"É fundamental que o Estado dialogue mais com os empresários para melhor perceberem como devem moldar a atribuição destes fundos.”
Olhando para o próximo quadro financeiro, em que Portugal vai receber perto de 30 mil milhões de euros, João Miranda diz que “é fundamental que o Estado dialogue mais com os empresários para melhor perceberem como devem moldar a atribuição destes fundos, colocando-os a eles a construir uma estratégia para o futuro. “Não podemos aceitar que se continue a dar esta responsabilidade a teóricos que não conhecem o terreno e as reais necessidades das empresas portuguesas”.
César Araújo, presidente da Associação Nacional das Industrias de Vestuário e Confecção e administrador da Calvelex, defende a aposta dos fundos nas “empresas terra de ninguém”, que faturam mais de 50 milhões e têm mais de 250 trabalhadores, mas são normalmente preteridas. “São estas empresas que estão preparadas para competir a nível global”, conclui, além de que são elas próprias clientes de muitas PME e microempresas.
"Vai ser difícil que a economia portuguesa consiga absorver e co-investir em face dos altos valores em causa.”
“Vai ser difícil que a economia portuguesa consiga absorver e co-investir em face dos altos valores em causa, atendendo a que os apoios serão parcialmente a fundo perdido, como aliás mandam as boas práticas”, afirma João Rafael Koehler. Isso levará a que “a maior parte dos projetos terão que ser promovidos por entidades públicas”. No seu entender, as apostas devem ir para o setor dos bens transacionáveis, na indústria e serviços exportadores.
“Portugal é um país de indústria, e para aproveitar este momento, necessita urgentemente de consolidar, e olhar para o seu parque industrial numa lógica de produtividade, colocando ao seu serviço as novas tecnologias como a Internet das Coisas e a inteligência artificial”, aponta João Miranda.
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