Benfica e Novo Banco. E pluribus unum
Nas várias negociatas de Luís Filipe Vieira, o Novo Banco aparece sempre como o banco facilitador e amigo. Bruxelas tinha razão. De novo, o Novo Banco só tem o nome.
As relações promíscuas entre a banca e o futebol não são de hoje e não se cingem ao Benfica. O Benfica é apenas “um entre muitos” (e pluribus unum, como se lê no emblema do clube). As relações entre o Benfica e o Novo Banco já vêm dos tempos do velhinho e falido Banco Espírito Santo (BES).
Em outubro de 2014, o jornal Público escrevia que “eram normais” os jantares na sede do BES entre Luís Filipe Vieira (LFV) e o administrador financeiro Amílcar Morais Pires. Segundo documentos a que o Expresso teve acesso, Morais Pires aceitou, em 2013, um convite para ir a Londres assistir à final da Liga dos Campeões. O convite partiu da Promovalor, uma das empresas de Vieira agora na mira da Justiça. A empresa de LFV assumiu as despesas da viagem, com direito a jato privado.
O último crédito aprovado pelo BES chegou à conta da Imosteps de Luís Filipe Vieira a 22 de Julho de 2014, menos de duas semanas antes da derrocada do banco. Logo nesse dia 22, o dinheiro é transferido para uma conta de Vieira para uso pessoal. Este era apenas “um entre muitos” (e pluribus unum) créditos que LFV foi buscar ao BES.
Morreu o BES, o ‘banco mau’, e nasceu o Novo Banco, o ‘banco bom’, uma instituição bancária com capitais públicos e gerido a meias com o Banco de Portugal. Só que pelo que se percebe pelo despacho do Ministério Público, de bom o Novo Banco tem muito pouco e as “negociatas” com os grandes devedores continuaram mesmo depois da resolução.
Agora já se percebe melhor aquilo que afirmou a Comissão Europeia, quando em março de 2018, escreveu que o Novo Banco tinha feito muito pouco para remediar as más práticas do BES. “Mesmo os novos empréstimos em 2016, depois de o Banco de Portugal estar no comando há mais de um ano, mostram deficiências em todas as categorias”. Bruxelas falava mesmo de casos em que foram “concedidos crédito de favor”.
O triângulo Novo Banco, LFV e “Rei dos Frangos”
A Justiça vem agora destapar alguns desses favores, já no tempo do Novo Banco. Aliás, após ler as notícias sobre o despacho do Ministério Público é possível desenhar um triângulo em que num dos vértices está o Novo Banco, no noutro Luís Filipe Vieira e no terceiro José António dos Santos, o amigo de LFV conhecido como “Rei dos Frangos”. Quase todos os negócios obscuros relatados pelo MP acontecem dentro deste triângulo. Não é o triângulo das Bermudas de onde desaparecem barcos e aviões, é um triângulo de onde desaparecem o dinheiro e a decência.
1) Em março de 2017, o Novo Banco e a Somague venderam ações da SAD do Benfica ao “Rei dos Frangos” por 1 euro cada. Dois anos mais tarde, LFV decide que o Benfica deveria lançar uma OPA sobre a SAD, o que permitia ao “Rei dos Frangos” revender as ações com uma mais-valia de 400%. A CMVM teve o bom senso de travar a OPA porque iria ser financiada indiretamente pela própria SAD alvo da OPA (o clube aumentou a renda do Estádio da Luz paga pela Benfica SAD). Segundo o Ministério Público, há três semanas, às escondidas da CMVM, LFV e o “Rei dos Frangos” terão assinado um contrato-promessa de compra e venda em que o americano John Textor ficaria com a posição que os dois detêm na SAD.
2) Outra negociata neste triângulo é a da Imosteps, um negócio que o MP classificou de “ardiloso” e em que o Novo Banco vende dívida de LFV com um desconto brutal de 90% a um fundo americano, sendo que mais tarde essa dívida de LFV é recomprada pelo “Rei dos Frangos”. Nesta operação, o MP considera que há pelo menos quatro funcionários do Novo Banco que davam apoio a LFV, sendo que o administrador Vítor Fernandes terá alegadamente ajudado o líder benfiquista a aceder a informação privilegiada sobre a venda de dívidas da Imosteps.
(Um parêntesis para falar sobre Vítor Fernandes. Este gestor passou pela CGD numa altura em que o banco público deu vários créditos problemáticos e depois rumou ao Novo Banco para participar em operações que o MP classifica de “ardilosas”. Aliás, uma das medidas de coação aplicadas a LFV é precisamente a proibição de contactar com Vítor Fernandes. Entretanto, saiu do Novo Banco e foi escolhido pelo Governo para ser ‘chairman’ do Banco de Fomento, a instituição que vai gerir os milhões da bazuca europeia para as empresas. Vítor Fernandes devia sair pelo próprio pé, senão devia ser corrido pelo Banco de Portugal).
3) Outra negociata a envolver este triângulo tem a ver com a Promovalor. A empresa Capital Criativo, da qual chegaram a ser acionistas LFV e o filho, foi bater à porta do Novo Banco para propor a criação de um fundo que ficasse com a dívida da imobiliária Promovalor de LFV. O Novo Banco ficou com 96% deste fundo e LFV com o remanescente. Quem financiou Vieira na aquisição das unidades de participação este fundo? O “Rei dos Frangos”, claro está, para fechar o triângulo.
Esta operação de restruturação foi feita apesar de os técnicos do Banco de Portugal terem dito que este fundo é “ambicioso e pouco realista”, “pouco prudente”, construído sem um “processo competitivo e transparente” e carregado de “conflitos de interesses”. Mesmo assim o negócio foi avante.
Em todos estes negócios de favor, com a complacência e a benevolência do Banco de Portugal, o Novo Banco teve prejuízos que estão a ser pagos pelo Fundo de Resolução, através do mecanismo de capital contingente, e por si, caro contribuinte, “um entre muitos” (e pluribus unum).
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