Procura por escritórios recua mais de 30% até junho, mas rendas não baixam
Pandemia está a colocar em pausa decisões de mudança ou expansão de escritório das empresas. Regresso às sedes é feito ao ritmo da situação sanitária do país. Modelos híbridos ganham expressão.
Com a pandemia a ditar o teletrabalho obrigatório em quase uma centena de concelhos no País, a procura de escritórios recuou mais de 30% até junho. Já as rendas prime não dão sinal de descida, numa altura em que muitas empresas preparam o regresso ao escritório em modelo híbrido. A procura deve acelerar na segunda metade do ano.
O ano até nem começou mal para o mercado de escritórios, com estimativas de crescimento para o primeiro trimestre. A pandemia trocou as voltas ao setor. A JLL estima uma quebra homóloga de 34% em Lisboa e de 66% no Porto até junho. “Os resultados em março foram animadores, mas isso explica-se pelo facto de oito das 14 operações concretizadas nesse mês terem sido operações de grande dimensão (com mais de 1.000 m2)”, diz Mariana Rosa, head of leasing markets advisory da JLL Portugal.
A Savills aponta quebras da mesma ordem de grandeza. “As perspetivas até março tinham sido mais positivas, mas no segundo trimestre o número de infetados aumentou e as empresas adotaram novamente uma postura cautelosa, revelando uma influência direta do ritmo da pandemia”, aponta Ana Redondo. A offices associate director da Savills mostra-se otimista para a segunda metade do ano. “Empresas e colaboradores estão ávidos de regressar aos seus espaços de trabalho e, nos últimos dois meses, os valores já conseguiram ultrapassar, ainda que de forma ligeira, os registados no ano 2020, deixando antever o início de uma trajetória de recuperação gradual.”
Um modelo de trabalho híbrido está já a ser considerado por algumas empresas e que surjam escritórios satélite, localizados em zonas periféricas, próximos de zonas residenciais, conectados com o escritório sede. O objetivo será proporcionar qualidade de vida aos colaboradores (poupança de tempo e custos) e proteção ambiental.
O mesmo acredita Mariana Rosa. “Temos expectativa que o mercado vai recuperar, pois sentimos que existe efetivamente procura e necessidade de espaço pelas empresas. Prova disso é que se continuam a realizar operações de pré-arrendamento”, diz. “A própria pandemia está a entrar numa nova fase, com as campanhas de vacinação em todo o mundo já muito avançadas, o que poderá reanimar bastante a procura internacional por escritórios em Lisboa e no Porto”, acrescenta.
Mesmo com a pandemia a levar as empresas a colocar em pausa os planos de regresso ao escritório ou até a decisão de mudar para novas instalações ou de expandir as atuais, Ana Redondo argumenta que “o regresso gradual dos trabalhadores aos espaços de escritórios, vital para a partilha de experiências e de conhecimento, irá conduzir a uma necessária remodelação dos mesmos, com maior ênfase no bem-estar e segurança dos trabalhadores.”
“Acreditamos que um modelo de trabalho híbrido está já a ser considerado por algumas empresas e que surjam escritórios satélite, localizados em zonas periféricas, próximos de zonas residenciais, conectados com o escritório sede. O objetivo será proporcionar qualidade de vida aos colaboradores (poupança de tempo e custos) e proteção ambiental. Estima-se que 54% dos novos espaços de escritórios projetados para 2021 estejam já pré-arrendados”, aponta a office associate director da Savills.
Rendas prime estáveis
A CBRE também aponta para perspetivas “mais animadoras para o segundo semestre”. Depois de terem sido colocados 55.000 m2 em Lisboa até junho (-34%), a imobiliária estima que o “ano termine com uma ocupação bruta entre 120.000 e 130.000 m2.”
Já as rendas prime não dão sinal de mexer. “Apesar do abrandamento da atividade, é de destacar que a taxa de disponibilidade continua em níveis muito baixos, o que se tem refletido na manutenção das condições contratuais por parte dos proprietários, nomeadamente, o valor das rendas prime, que permaneceram estáveis em todas as zonas (25€/m2/mês no CBD1), antecipando até uma subida no corredor Oeste”, refere a CBRE.
Ana Redondo aponta esta estabilidade no valor das rendas a um mercado de escritórios resiliente. “Até ao final do ano, os valores de renda deverão permanecer estáveis, com a renda prime situada nos 25€/m2/mês”, aponta a responsável da Savills. E não há sinais que este status quo se altere. Pelo contrário. “Os efeitos positivos do processo de vacinação tendem a aliviar a pressão sobre os valores das rendas, pelo que tenderão a manter-se”, continua. “Os projetos em construção também ficarão imunes à pressão sobre os preços, devido à escassez de edifícios modernos e de qualidade no atual stock do mercado de escritórios em Lisboa aliada a uma procura cada vez mais internacional e concentrada em setores de atividade (ex: TMT’s & Utilities) que exigem inovação e modernidade nos seus espaços de escritórios.”
Apesar da estabilidade das rendas prime – a atingir os 25€/m2/mês no prime CBD e a variar entre os 20€/m2/mês e os 16€/m2/mês nas restantes zonas – Mariana Rosa admite que, neste momento, já “existe um esforço maior por parte dos proprietários em dar incentivos aos seus ocupantes (carências, comparticipação no fit out…) para atrair mais inquilinos para os seus edifícios”.
O que procuram as empresas?
Boas localizações, com várias opções de acesso, áreas amplas com espaços interiores flexíveis e fáceis de mudar fazem parte da lista de requisitos das empresas na procura de escritórios. “Os edifícios devem também incorporar uma política de sustentabilidade, se possível ter uma certificação e ambicionar uma pegada ecológica mínima”, descreve a head of leasing markets advisory da JLL Portugal.
A “maioria” da procura tem sido para áreas entre os 300 m2 e os 800 m2, diz, por seu turno, Ana Redondo. “Os escritórios não irão necessariamente reduzir a sua área, mas a distribuição terá de ser diferente e continuarão a ter um papel fundamental no reforço dos valores e cultura da empresa. A área dos postos de trabalho convencionais será convertida em espaços de maior estímulo à criatividade e à cooperação em grupo, onde os contatos informais serão valorizados”, considera.
Os escritórios deixaram de ser espaços de conveniência para serem espaços de experiência. Nisto, é de esperar que haja menos densidade ocupacional, mas se antigamente considerávamos o rácio de um colaborador por cada 10 m2, agora este rácio é de uma pessoa por cada 12-15 m2 , pois os espaços tem que incorporar zonas colaborativas e sociais.
“No mercado já existe a preocupação de criar edifícios inclusivos, isto é, diversos nas formas de acessibilidade para as pessoas e veículos (bicicletas, motas, carros). Por inclusão entendem-se ainda edifícios com um programa de zonas comuns que promovam o bem-estar, a diversidade e integração através de amenities como sala de amamentação, balneários, salas para consultas médicas e primeiros socorros, salas de wellbeing (para massagens), WC neutras, zonas de playground, sala zen, sala polivalente para prática desportiva, etc.”, descreve Mariana Rosa.
“Os escritórios deixaram de ser espaços de conveniência para serem espaços de experiência. Nisto, é de esperar que haja menos densidade ocupacional, mas se antigamente considerávamos o rácio de um colaborador por cada 10 m2, agora este rácio é de uma pessoa por cada 12-15 m2, pois os espaços têm que incorporar zonas colaborativas e sociais”, concretiza a responsável da JLL Portugal.
Regressar para que escritório?
Na hora de remodelar, o foco tem sido em criar espaços preparados para um modelo de trabalho mais colaborativo. É o caso da Nestlé. A decisão de investir 11 milhões de euros na remodelação da sede em Linda-a-Velha foi tomada ainda nem o mundo sonhava com a Covid-19, mas mais de um ano depois o ‘ninho’ ainda aguarda o regresso dos cerca de mil colaboradores da multinacional que têm na sede a sua base de trabalho. O regresso será faseado e em modelo híbrido.
“O edifício tem capacidade para aproximadamente mil pessoas, mas não temos mil secretárias – temos uma desk sharing à volta dos 30% – o que significa que se vier toda a gente no mesmo dia não vamos conseguir sentar todos. A ideia é precisamente esta: não vir todos os dias”, diz Maria do Rosário Vilhena. “Na Nestlé já estávamos muito focados no conceito de flexibilidade, as pessoas podem trabalhar a qualquer hora, a partir de qualquer lugar, desde que entreguem”, diz a diretora de recursos humanos. “Quisemos que o escritório fosse reposicionado nesse sentido, não para um espaço onde tenho a obrigação de ir todos os dias, mas onde vou porque a experiência é agradável e, sobretudo, porque potencia esta nova forma de estar e trabalhar.”
Na PHC Software – que investiu 12 milhões de euros, em parceria com o Tagus Park, na nova sede – o regresso ao escritório será num modelo híbrido. “É um modelo simples e altamente personalizado, em que existem dois dias de presença obrigatória no escritório para trabalho coletivo e criativo, sendo os restantes três dias flexíveis e personalizáveis e definidos à medida de cada função”, diz Ricardo Parreira, CEO da PHC Software.
“Os colaboradores têm direito a dois períodos full remote de 30 dias, podendo trabalhar nesse período a partir de qualquer lugar se assim o entenderem.” A decisão surge depois de ouvidos os colaboradores: “mais de nove em cada dez pessoas escolheu um modelo com presença no escritório”, revela o gestor. “O importante é que esse modelo não seja rígido ao ponto de estragar a experiência e foi isso que tivemos em conta: um modelo com a flexibilidade necessária para se adaptar a cada pessoa, cada equipa e cada função de forma a atingir o melhor desempenho e felicidade.”
O escritório está a deixar de ser apenas um local para executar tarefas e exercer o presentismo, para se transformar num fórum para a partilha de ideias e criatividade.
“O escritório passará a ser um clube, um local onde os colaboradores têm orgulho de pertencer e onde desenvolvem as ideias mais brilhantes”, acredita Duarte Aires, CEO da Vector Mais. E dá como exemplo desta “nova filosofia” o projeto que a empresa, que desenvolve projetos de desenho e construção de espaços interiores, criou para a farmacêutica Novo Nordisk, na Quinta da Fonte. “Criámos um escritório em regime de hot desking, dividido em três zonas principais: uma informal, que promove os encontros casuais e a criatividade; uma de colaboração, onde uma equipa se pode reunir para desenvolver um projeto, e uma de foco, quando alguém pretende trabalhar e não ser interrompido. Tudo isto complementado por várias áreas lounge, phone booths, plantas e uma cafetaria repleta de luz natural”, descreve.
“O escritório está a deixar de ser apenas um local para executar tarefas e exercer o presentismo, para se transformar num fórum para a partilha de ideias e criatividade”, diz. Nem vão encolher. Serão sim, diferentes. “Sem lugares dedicados a cada trabalhador e com mais áreas de colaboração”, opção que “em muitos projetos, representa mais de 40% da área de ocupação total do escritório”, refere.
“Esta nova configuração vai permitir às empresas contratar mais pessoas sem terem a necessidade imediata de aumentar a área do escritório, porque as equipas vão estar num modelo de rotatividade natural, juntando-se nos momentos verdadeiramente essenciais.”
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