Carros usados contrariam a lógica e estão a valorizar com a pandemia
A procura por usados aumentou com a pandemia. Com menos carros novos a saírem dos concessionários, também por causa da crise dos chips, a oferta de usados é escassa, levando os preços a subirem.
Ao contrário das casas, os carros usados não valorizam. Diz-se que perdem valor assim que saem do concessionário, mas esta máxima está a ser comprometida pela pandemia. Um choque entre oferta, em queda, e procura, a crescer, está a levar a que além de ser mais complicado encontrar um usado se acabe por ter de pagar mais do que há apenas alguns meses. Modelos mais comuns chegam, de acordo com dados da Indicata, a registar valorizações na ordem dos 3%.
“Em circunstâncias normais, assistiríamos a um movimento constante de descida dos preços médios [dos veículos usados] influenciado pelo comportamento natural do ciclo de vida do produto”, diz Miguel Vassalo. No entanto, o índice de preços do Observatório Indicata, uma ferramenta de análise em tempo real do mercado de automóveis usados, mostra um cenário bem diferente.
Um Renault Clio, a gasolina, de 2018, estará hoje cerca de 3% mais caro para um consumidor final, do que no início do ano.
“O atual desequilíbrio entre oferta e procura de automóveis usados contraria esta tendência, estando a colocar pressão os preços dos usados no sentido crescente“, diz o country manager da Autorola. Há valorizações nos veículos em segunda mão, nos mais variados segmentos. É uma realidade que, diz o responsável, vai desde os utilitários aos premium.
A título de exemplo, Miguel Vassalo aponta para os valores atuais de um Renault Clio, a gasolina, de 2018. “Estará hoje cerca de 3% mais caro para um consumidor final do que no início do ano“, concretiza. “Estamos a falar de um carro que hoje tem um preço médio de retalho de 12.300 e que no início do ano era de 11.900 euros. Em circunstâncias normais seria provavelmente o inverso”, remata.
Esta tendência já tinha sido observada no mercado grossista, mas agora está a ter impacto nos valores praticados junto dos consumidores. “Nos leilões da Autorola já vínhamos a observar desde o início do ano um paulatino, mas assinalável, aumento nos preços e através do Observatório Indicata começamos agora a ver a repercussão desta tendência no aumento dos preços a retalho”, diz Miguel Vassalo. “É factual que se assiste a uma valorização”, nota.
Corrida aos usados no pós-pandemia
Este fenómeno é explicado pela grande procura de automóveis, especialmente de usados, em tempos de pandemia. Assim que a Covid-19 chegou ao país, Portugal fechou-se em casa para travar a propagação do vírus. As vendas de veículos registaram quebras sem paralelo, mas com o desconfinamento começou rapidamente a aumentar a procura por meios de transporte individual. As vendas de novos aumentaram, mas as de usados têm mostrado maior dinamismo.
“O mercado de usados começou a apresentar sinais de recuperação logo desde o final do primeiro confinamento, em maio de 2020″, conta Miguel Vassalo. “A ‘corrida’ às soluções de transporte individual e a preocupação com a segurança podem explicar a recuperação do mercado de usados, logo a seguir ao primeiro confinamento e grande parte do ano de 2020”, acrescenta.
"A ‘corrida’ às soluções de transporte individual e a preocupação com a segurança podem explicar a recuperação do mercado de usados, logo a seguir ao primeiro confinamento e grande parte do ano de 2020.”
Essa tendência mantém-se este ano. “Apesar de ainda não contarmos com os números de registos de propriedade do total do primeiro semestre deste ano”, os dados apontam para uma ligeira redução nas vendas face aos números do pré-pandemia, mas “menos acentuada que no caso dos novos”. As vendas de novos aumentaram face a 2020, mas caem mais de 30% em comparação com os níveis de 2019, o que pode ser atribuído à “incerteza das famílias em relação ao futuro”.
Vendem-se menos carros novos. Oferta de usados é escassa
As vendas de automóveis novos estão a dar um forte impulso aos preços dos usados. O mercado de novos sofreu um forte rombo com a chegada da Covid-19, não tendo ainda recuperado desse impacto. E quanto menos novos chegarem às estradas, menos usados irão parar ao mercado, inflacionado os preços de veículos com alguns quilómetros já percorridos.
Se os níveis de procura parecem não ter sofrido grande erosão neste primeiro semestre, o mesmo não se pode dizer em relação ao stock disponível. Logo, o preço é naturalmente a variável que se encarrega de procurar estabelecer um novo equilíbrio entre a oferta e a procura.
As vendas de carros novos em Portugal caíram mais de um terço em 2020, tendo sido matriculados 176.992 veículos. E no primeiro semestre de 2021, apesar do aumento de 27,3% face ao período homólogo, assiste-se a uma diminuição de 34,1% relativamente a 2019, segundo a Associação Automóvel de Portugal (ACAP). É o resultado de algumas reticências na compra de bens de elevado valor, mas também traduz um problema na oferta de modelos por causa da crise dos chips que está a fazer com que alguns carros comprados agora possam chegar apenas em 2022.
O Observatório Indicata, focado nos usados, “tem reportado desde o início do ano a degradação mensal dos níveis de stock anunciados, facto ao qual não é alheio também a mais recente crise dos semicondutores”, diz Miguel Vassalo. “Se os níveis de procura parecem não ter sofrido grande erosão neste primeiro semestre, o mesmo não se pode dizer em relação ao stock disponível. Logo, o preço é naturalmente a variável que se encarrega de procurar estabelecer um novo equilíbrio entre a oferta e a procura“. Ou seja, os valores dos usados podem continuar a subir.
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